terça-feira, 26 de julho de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

PREÇOS DA APRENDIZAGEM

E no “Diário de Notícias” do passado Domingo lá continuou o diálogo epistolar entre o Cardeal Patriarca de Lisboa e o Professor Prado Coelho que apresentou a sua segunda carta. 

Desta vez melhorou um pouco, ainda que permaneça fora das questões mais pertinentes que se prenderiam com a concepção que hoje poderemos fazer de Deus. De qualquer forma, lá ficou no tinteiro o grosso daquela tralha sobre a hipocrisia da Igreja e como o discurso se debruçou mais sobre o transcendente, a contribuição ganhou um interesse que a primeira missiva não teve. 
Só é pena que o senhor seja pobrezinho de argumentos que praticamente se resumem às autoridades das citações. 
Delicioso é o termo, será o recurso a um Antigo para a primazia ao empirismo mais radical – “(…) todo o conhecimento, segundo Aristóteles, parte dos sentidos (…) (1)” – o que, de facto, a Física de Neils Bohr consente. Mas há uma certa infantilidade em pensar que é a Fé que nos escolhe. Somos nós que nos deixamos tocar por ela. Como e porque acontece? É um mistério que provavelmente nunca conseguiremos resolver e por isso admitimos que o mesmo sucede por Sua graça. Precisamente por isso faz sentido a objecção kierkegaardiana que o mestre cita sobre a irrelevância de um questionamento da Fé em termos individuais. 
Contudo há que fazer uma ressalva ou, se quisermos, um ponto prévio. 
São Tomás de Aquino tem razão ao sustentar que não podemos dizer o que é Deus. Só que não é disso que se trata quando queremos falar sobre Ele, pois não estamos com isso a procurar estabelecer uma verdade objectiva – grande arrogância, não? – apenas queremos apresentar de uma forma inteligível o nosso entendimento da Divindade, isto é, a nossa ideia de Deus que, como todas as ideias humanas, está sujeita à influência do nosso aparato cultural. 

E o tema que dá corpo ao título merece-me o seguinte reparo. 

Nós devemos abdicar de tudo o que sirva para humilhar a outrem, aquilo que possa ferir a dignidade do nosso semelhante. 
Nesse sentido, uma tal ideia de abdicação estará no centro de um pensar religioso sobre a Humanidade – mas também devemos acrescentar que não necessariamente apenas nesse; igualmente encontramos aquele como pedra angular de um qualquer humanismo que não se limite a mera retórica. Mas isso significa que abordamos o outro como irmão pela filiação divina, pelo que não podemos conceber a possibilidade de o maltratar, daí que ponhamos de parte, prescindamos, procuremos evitar qualquer que seja o instrumento, a palavra, a atitude que tenham por consequência o aviltamento dos outros seres humanos como nós. 
Ora aqui não se trata de um sacrifício, antes de um acto de alegria pois é com o coração cheio dela que assim agimos, com consciência de por o fazermos estarmos em comunhão com Deus. 
O sacrifício será outra coisa, de facto mais em conformidade com o que possa suceder no celibato dos padres católicos, aquele acontece quando em alternativa a nos realizarmos de um determinado modo, por amor a Ele arrepiamos o caminho em outra direcção que pondo em causa certos interesses, certos prazeres momentâneos, nos possa fazer sentir o gosto de caminhar ao Seu encontro. No entanto, aqui não se abdica para obter, abdica-se para partir, para dar. Se alguém abdicasse para obter algo em troca, dificilmente poderíamos estar a falar da alegria de dar, partilhar, mas antes numa visão utilitária da satisfação de um interesse. 

No próximo Domingo teremos a resposta do Senhor Cardeal Patriarca. 



Hoje a Margarida foi devidamente castigada pela Professora e eu tive que assinar uma comunicação alusiva ao seu mau comportamento. 
É claro que tanto eu como a mãe lhe fizemos ver que a punição foi merecida, pois a atitude foi grave; depois de ter perturbado uma visita de estudo a uma exposição na escola do segundo e terceiro ciclos da Vila, ainda teve a insensatez de, fugindo ao controle da Mestra, sob cuja responsabilidade naturalmente se encontrava, acompanhar outros colegas numa correria em direcção à sua escola. 
Tudo indica que a cachopa compreendeu o erro que cometeu uma vez que pediu desculpa à Professora e quando contou à mãe o sucedido, também ela tomou aquilo como uma palermice. 
No entanto, ao almoço, depois de ela me contar os acontecimentos e apresentar as suas razões, eu fiz-lhe ver que só não a castigo porque, por um lado a Professora já tratara do assunto que, uma vez reconhecido o erro, sentido o arrependimento, pedidas as devidas desculpas se poderia considerar encerrado, mas também, por outro lado e com grau idêntico de importância, por ela ter contado a verdade e falado com os pais, algo que sempre mereceria reconhecimento. 

A paternidade também é isto, saber avaliar com justiça. 



Por sua vez, na aula desta manhã, a Matilde continuou os exercícios em torno da palavra sapato. 



De visita de estado a Londres, sob medidas de máxima segurança, George W. Bush defendeu que as forças da coligação permanecerão no Iraque e apelou aos dirigentes europeus para que retirem todo e qualquer apoio às correntes e aos líderes palestinianos mais radicais. 

Infelizmente, a paz no Médio Oriente tem muitos inimigos. 



Sexta-feira há greve geral na função pública e os meus anjinhos não terão escola. 


 Alhos Vedros 
  19/11/2003 


NOTA 

(1) Prado Coelho, Eduardo do, ACEITO MAL A CENTRALIDADE DO SACRIFÍCIO, p. 8 


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 

Prado Coelho, Eduardo do, ACEITO MAL A CENTRALIDADE DO SACRFÍCIO, In “Diário de Notícias”, nº. 49177, de 16/11/2003

Sem comentários: