terça-feira, 5 de julho de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Nada melhor que um final feliz para coroar um conjunto de circunstâncias infelizes. 
Foi libertado o repórter da TSF que tinha sido raptado por um bando de ladrões na estrada para Bassorá, no Iraque. 
Depois da imprudência que lhe proporcionou uma aventura mais que adivinhável, Carlos Raleiras foi resgatado por forças militares inglesas que nada gostaram da gracinha. 

Sobre o resgate de cinquenta mil dólares que era pedido pelo jornalista, a recusa em falar por parte do responsável máximo da PT, a proprietária daquela estação radiofónica, deixa-nos adivinhar que o rapto foi bem sucedido. 
Quanto à onda de solidariedade e louvor que ontem soprou, ao de leve, na lusa jornaleirada, tão só significa que, havendo uma oportunidade, há francas probabilidades para que o mesmo erro se repita. 
Não fosse o puxão de orelhas que, tudo o indica, os responsáveis políticos e militares portugueses levaram das autoridades britânicas e americanas que operam no terreno e que por isso têm mais com que se preocupar do que reparar actos insensatos de um amadorismo inaceitável naquele contexto, não fosse isso, dizia e o mais certo seria assistirmos a um coro de acusações à injustiça da guerra e à incapacidade dos aliados manterem um mínimo de segurança no país que destruíram e ocupam. Como a reprimenda deve ter sido veemente, temos hoje os brindes pela libertação e pouco mais que isso. 
Seguir-se-á o esquecimento do sucedido. 

Curiosamente, entre os intrépidos jornalistas que não puderam esperar um minuto para chegarem junto do batalhão português, em Bassorá, mostram-se agora uns quantos decididos a regressar a casa e os restantes a rumarem para Bagdad. Dizem não ter condições de trabalho para acompanharem os homens da Guarda Nacional Republicana que, nos próximos seis meses, cumprirão a missão de segurança para que foram mobilizados. 
Qualquer comentário seria supérfluo. 

Vá lá, haja alguém com quem partilhar uma leitura tão singular destes acontecimentos. 
Um jornalista português que trabalha para a cadeia de televisão norte-americana, CBS, ao serviço da qual tem feito reportagens em teatros de guerra nos últimos vinte anos, também ele viu a aventura dos colegas de nacionalidade como uma infantil violação das regras mais elementares do bom senso. 

Daqui a um ano alguém publicará um livro sobre este importante acto heróico do jornalismo de guerra que também os portugueses sabem fazer. 
Houve feridos e tudo. 



Ena, a Matoldas faz progressos a olhos vistos. 
Com uma letra muito bem feita e de memória, escreveu Alhos Vedros. 
“-Uau, Matilde! Já sabes isso?” 
“-Já.” –Retorquiu com toda a naturalidade. “-É como nós fazemos para escrever a data.” 
“-E sabes o que aí está escrito, pardalito?” 
“-Sim. Alhos Vedros.” 



Mas é engraçado como as personalidades diferem tanto umas das outras. 
Ao fim da tarde de ontem, fomos a uma loja de brinquedos para escolhermos as prendas natalícias da sobrinhada mais nova. 
Numa prateleira, logo à entrada, a Margarida encantou-se de imediato com uma bonequinha miniatura que é a Polly Pocket, no caso, com o enquadramento de uma sala de aula de tamanho correspondente. 
Por sua vez, a Matilde dirigiu-se para uma nave espacial tele-comandada que pediu como oferta pelo aniversário. 

São assim as minhas filhas 
E eu que amo tanto uma como a outra. 



Istambul, metrópole em que vi cristãos e judeus levarem as suas vidas com toda a normalidade e em convivência com os primos ismaelitas, foi o palco de explosões em duas sinagogas. Há mais de uma dezena de mortos e muitos feridos. 

O terrorismo trava uma guerra impiedosa e sem quartel com tudo o que, sendo estranho ao Islão, mais possa pôr em causa a interpretação que fazem daquela religião e de que se arrogam ser a única que respeita os princípios mais puros da mesma. 
Eles não deixam alternativa. A subjugação é o mínimo que pedem. 

É por isso que este é dos problemas mais sérios com que o mundo se defrontará neste século. 

Temo que os líderes políticos no Ocidente não saibam lidar com este género de ameaça que pode muito bem vir a materializar-se como apocalíptica. 



Vêm como é possível dizer tanto com tão poucas palavras? 
Pois é o que acontece com uma pequena crónica de Daniel Sampaio em que a propósito de dúvidas maternas, se chama a atenção para o facto de ser importante vermos a homossexualidade como algo natural da espécie, pois a identidade sexual que se forma ao longo da adolescência, depende de uma reunião de factores cuja combinação não tem apenas um resultado possível, seja de que forma for ou por quem quer que seja. (1) 

Mais do que o folclore dos desfiles gay, são estas verificações que hão de fazer sedimentar a tolerância para que um dia a aceitação feita da indiferença se padronize nas sociedades em que vivemos. 



O vento, se bem que azule o céu, bravo como está, faz chegar o frio aos corpos. 
Ainda assim, vai caindo a tarde em luminosidade rosada. 



O Porto provinciano fala no seu melhor. 
Compara-se o plano de pormenor das Antas à Expo 98. Diz-se que assim se recuperará a zona Leste do burgo. 

Triste cidade que vê num estádio de futebol o motor requalificador do seu urbanismo. 
Naturalmente é a mesma que deveria ter inaugurado uma casa de música há quatro anos e sem que esta tenha visto ainda as portas abertas, já tem o seu enquadramento estético ameaçado pela especulação imobiliária. 

Só poderia ser esta a segunda cidade de um país como o nosso. 


Mas como o dia é de inauguração do estádio do dragão, talvez por isso o repuxo seja farto. 

Fernando Gomes – the one, o ex-presidente do município da Invicta – disse em entrevista que Luís Fílipe Menezes, eleito presidente em Gaia pela lista do PSD, daria um bom presidente para o Porto. 
Dá-se-lhe de barato mas não duvido que se trata de barro atirado à parede; no entanto, tenho para mim que é do espírito do fim-de-semana, há que prendar o chefe. 
O aparelho socialista da margem sul da foz do Douro é que reagiu sem cerimónias e pede que o camarada se retrate. Assim, não sendo carne nem peixe, limitou-se a demarcar-se das declarações que só não são bizarras por estarmos no universo em que estamos. 


Pinto da Costa ri; já ganhou mais uma batalha e daqui a uns anos terá o seu nome num estádio de futebol feito à custa do dinheiro dos contribuintes. 

O beija-mão dos políticos é que é um espectáculo que mete dó. 


E do Benfica chegam perturbantes sinais de queda definitiva no abismo. 
António Figueiredo voltará a ser responsável pelas contratações no futebol profissional do clube. 
Voltaremos a ter ali um centro de negócios e não mais a equipa se manterá de uns anos para os outros.
Brevemente, veremos partir os melhores e mais novos jogadores e o actual treinador rescindirá o contrato antes do fim da presente época. 

Nos anos mais próximos não voltaremos a ter competições europeias no novo estádio que para nada servirá. 

Nos próximos dez anos, o Porto será campeão, pelo menos, oito vezes. 

Pinto da Costa terá uma estátua na nova zona a sair da revitalização que o Estádio do Dragão proporcionará. 



Não tinha ideia alguma sobre a importância do passado céltico nas culturas do Ocidente europeu. (2) 


Alhos Vedros 
  16/11/2003 


NOTAS 

(1) Sampaio, Daniel, VIVER COM A DIFERENÇA, p. 47 
(2) Plazy, Giles, ABECEDÁRIO DOS CELTAS 


CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS 

Plazy, Giles, ABECEDÁRIO DOS CELTAS, Tradução de Ana Barradas, Público, Lisboa, 2003 
Sampaio, Daniel, VIVER COM A DIFERENÇA, “Xis Ideias Para Pensar”, nº. 232, In “Público”, nº. 4988, de 15/11/2003

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