Abdul
Cadre
Histon,
2 de Abril de 2017
Andava eu no secundário, e era um tempo em que se
impunha à miudagem uma disciplina indecente a que os ditadores da formatação
ideológica e da castração do espírito crítico chamavam «Religião e Moral».
Creiam que era uma coisa medonha que chegava a ser repugnante. Imoral, pode
dizer-se.
No entanto, veja-se o paradoxo, isto proporcionou alguns
resultados positivos, que não estavam previstos nas intenções dos cruéis
mandadores. Dava-se o caso de alguns dos jovens menos formatáveis criarem
anticorpos de tal ordem que tudo o que ali se dissesse, por verdade que fosse –
e é claro que não era – logo era tido por mentira.
Num dos anos, nesse tempo de tortura, aparecia-nos a
dar aulas um padre, que era uma caricatura digna de ilustrar A Velhice do Padre
Eterno. Baixote, a condizer com o seu próprio carácter, todo vestido de gato
pingado, tinha tonsura e guarda-chuva e começava todas as aulas com um
peditório, ou antes, uma extorsão aos pobres desgraçados de quantos tostões
pudesse. Era para a Conferência de São Vicente de Paula, dizia ele, e quando a
colheita não lhe parecia suficiente, por critérios que só ele sabia, berrava
desalmadamente que éramos todos hereges, comunistas, pagãos e outras coisas
mais.
Um dia, um mal-avisado gaiato lembrou-se de dizer que,
mesmo que tivesse, não dava nem um tostão para aquilo, dado não ser católico e
os pais já terem requerido autorização para não assistir àquela catequese.
De que te havias de lembrar, rapaz!
Se ainda fores vivo – isto foi há tantos anos! –
estarás de certo lembrado das chapeladas que apanhaste no lombo e dos impropérios que ouviste…
Bom foi o guarda-chuva, devido a tanta raiva, ter-se
partido. Melhor ainda foi ter chovido a cântaros
e o cangalheiro de Cristo, se ter visto obrigado a regressar ao seu abrigo cavernoso que
imaginávamos como próprio de qualquer lobisomem, com a sua encharcada farda de
luto colada ao corpo.
Uma contínua, que muito lamentava a nossa sorte, vendo a nossa
satisfação pela molha do padre, chegou ao pé de nós e disse: «não fiquem assim
tão satisfeitos, porque erva ruim não morre».
Nós não desejávamos a morte da aventesma, bastava-nos
que partisse uma perna.
1 comentário:
Não tive aulas de religião no curso secundário. As aulas de Educação Moral e Cívica eram voltadas para uma espécie de sacralidade da pátria! Hoje, ao ver a bandidagem governando esta pátria (Brasil), percebo a inutilidade de qualquer ensino moral. A questão é pessoal e para ela vale o "ser ou não ser".
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