por Miguel Boieiro
Na viagem realizada em fins de agosto pelo sul da Itália,
tive o prazer de conhecer a “melanzana rossa”. Foi em Matera, cidade mística e
mítica que em 2019 irá ser a Cidade Europeia da Cultura. Entre tantas surpresas
agradáveis proporcionadas pela participação no 84º Congresso Italiano de
Esperanto, com realce para as excursões efetuadas na região da Basilicata onde
visitámos palácios, museus e igrejas, destacámos a que foi feita à cidade
pétrea, dotada de cavernas ancestrais. Recordar tudo o que aí se viu é
sumamente difícil, mas recordo que mesmo no fim da digressão, entrámos numa
loja “gourmet” onde um fruto vermelho e arredondado passou de mão em mão, sem
ninguém adivinhar o que seria. Parecia uma maçã ou um tomate mas era
simplesmente uma beringela, que dá pelo nome vernáculo de Solanum aethiopicum, especialidade daquela região.
Esta foi uma das maneiras de iniciar a presente croniqueta.
Outra poderia ser a relativa à experiência que tive quando fiz os “Berberes do
Toubkal”, integrado numa caravana de caminheiros que, em 8 dias, percorreu 140
quilómetros nas montanhas do Atlas. O jovem guia era berbere mas expressava-se
em bom francês. Ao comentar os ingredientes do almoço esqueci-me do termo
“aubergine” e escapou-me “beringela”. Não houve problema pois o guia de
imediato entendeu. Afinal a palavra portuguesa era igual à do seu idioma. Mas
chega de conversa fiada!
A beringela, cujo nome científico é Solanum melongena, pertence à família das Solanaceae e ao contrário de outras solanáceas conhecidas, como o
tomate, a batata e o pimento, não proveio das américas. É originária da Índia e
entrou na Europa trazida pelos árabes no século XIII. Os europeus, a princípio,
olharam-na com desconfiança. Como se sabe, todas as solanáceas possuem
elementos tóxicos e algumas são mesmo mortais. Os italianos chamaram-lhe
“melanzana” que significa maçã malquista, mas pouco a pouco, após muitas
hibridações, das centenas de variedades espontâneas, logrou-se alcançar
espécies comestíveis com baixo teor em solanina
e solasonina (as tais substâncias
tóxicas) e o consumo da beringela como alimento, popularizou-se.
A planta possui caule ereto, ramificado e peludo podendo
atingir 1 metro de altura. As folhas, oblongas ou ovadas, são ásperas. As
flores, hermafroditas, com cinco pétalas brancas ou violáceas, apresentam-se
solitárias. Mas o que mais nos interessa são os frutos. Eles são grandes com
pele lisa e brilhante podendo ter várias configurações, se bem que as mais
frequentes sejam as ovoides ou piriformes. A sua cor pode ser roxa, negra,
amarela, branca (nos EUA chamam-lhe “eggplant”) ou até vermelha, como a que
vimos na Itália. A polpa tem textura esponjosa.
Os maiores produtores mundiais são a China e a Índia com 85%
das quantidades obtidas em todo o mundo. Na Europa, com exceção da Itália e da
Espanha, a sua produção e consumo são ainda incipientes. Em Portugal era
praticamente desconhecida há meio século. Ainda me lembro bem quando vi
beringelas pela primeira vez.
A beringela gosta de calor e luminosidade mas detesta regas
abundantes quando está a florir. Possui vitamina C, vitaminas do complexo B,
cálcio, ferro, potássio, magnésio e selénio. É rica em fibras solúveis e
integra alguns alcaloides.
Embora ainda não suficientemente estudada no tocante aos seus
poderes medicinais, atribuem-lhe virtudes como a de ser digestiva, nutritiva,
laxante e antioxidante. Reduz as taxas do colesterol e atua nos problemas de
artrite, gota, reumatismo e diabetes. Externamente, em cataplasma, atenua os
efeitos das queimaduras solares.
No entanto, é na gastronomia que a beringela atinge maior
projeção. O seu sabor em refogados, “ratatouilles”, lasanhas, frita, panada ou
assada às rodelas, é único, contribuindo para dilatar a paleta de paladares dos
vários pratos cozinhados. O “caviar” de beringelas, confecionado com as ditas
assadas, tomate, cebola e ervas aromáticas forma uma pasta muito apreciada que
substitui com vantagens económicas, e não só, as ovas de esturjão.
A terminar, adverte-se que jamais se deve consumi-la crua,
porque o seu gosto é amargo e retém maior índice de alcaloides.
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