quarta-feira, 27 de março de 2019

Música de Palavras


Presépio, Foto de Lucas Rosa



1º andamento – uma balada de amor
Portugal
por um sonho, por amor
queria um bater calmo do coração
deu numa canção, uma balada universal
que o mar fosse todo igual
que não se-parasse, só unisse
e até as estrelas se abraçasse
só por ti

Todas as mornas e coladeras
no mais que alegre bater dos tambores
nas ilhas dos amores dos merengues
das entrecurvas harmoniosas dos corpos
vibrações felizes que se erguem ao céu
idílica marrabenta de quarenta dias
profecias de uma vieira peregrina
só por ti

Por uma ecúmena una e única
inteiro divino bordel universal
ninfas feitas em corpo de mulher
Lusíadas imperial serviço da alma
Lusofonia de uma canção de amor
Mensagem onde escorre um mel
Ibérica afirmação de uma Música
só por ti
  

2º andamento – um cântico maior
Do cântico dos cânticos, da música
das esferas dos sons mântricos
que se encostam e roçam ao de leve
suave milagre quase nada, tudo
em que tudo se ergue e paira
por cima dos montes e das luzes
sagração de uma inteira natureza
eis as lianas das florestas de anjos

querubins e serafins tocam as liras
e com as harpas deliciosas as mãos
de veludo e da pele nua de cristal
dos tecidos sedosos de uma brisa
que se nos oferece em segredo
e nos afasta do medo da morte onde
a inspiração poética é uma gravidez
que anuncia o nascimento das palavras

no labor do refinamento das almas
na calma dos céus onde nem bule
corpos estrelados de braços dados
assistem aos desejos dos homens
à bestialidade do animal sacrifício
às ânsias maquiavélicas do poder
ao fabrico insane da nuclear fissão
das lágrimas de sangue das crianças

  
3º andamento – uma mariana oração
O amor paira no ar, quieto e firme
no desejo de te olhar nos olhos
de um namoro feliz para sempre
dos beijos e das carícias na luz
de uma cantiga que se esfrega
que vai por dentro, meigo o corpo
das estrelas que nos fala e afaga
onde a ilusão semeia desencontros

das missangas às cores nos cabelos
de brincos de búzios encantados
do pó de arroz na beleza do rosto
nas suaves pinturas dos lábios
e o calor dos olhos onde se deitam
as tranças, e as tatuadas ondas
onde vão a banhos os mil dedos
na vasta infinitude do seu cólo

do tom azulado das unhas de gel
de vernizes de elegantes matizes
as correias prateadas das sandálias
curvas a que se ajustam os despidos
vestidos nos cabides de mil carinhos
onde se guardam as recordações
dos seios apontados nas flechas
de um cupido sorridente e feliz


(in, Luís Carlos dos Santos, Dar Voz ao Silêncio. V. N. de Gaia: Euedito, pp. 27-29)

terça-feira, 26 de março de 2019

segunda-feira, 25 de março de 2019

REAL... IRREAL... SURREAL... (342)



Tríptico no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal
Autor Luciano dos Santos, entre 1955 e 1957


Luciano dos Santos nasceu em Setúbal na freguesia de São Sebastião, a 25 de Março de 1911 e morreu a 13 de Dezembro de 2006 (95 anos), em Lisboa.

"Em maio de 1918, por falecimento dos pais, ingressou no Orfanato Municipal Presidente Sidónio Pais, com o n.º 18, onde realizou a instrução primária. De 1924 a 1929 estudou na Escola Industrial Gil Vicente e na Escola Industrial e Comercial João Vaz, também em Setúbal.

Em agosto de 1929 realiza a primeira exposição de pintura e desenho no cineteatro Luísa Todi, ano em que fundou também o Grupo Alma Nova com Celestino Alves, Álvaro Perdigão e Carlos Alberto. Este grupo setubalense viria a realizar a primeira exposição de artes plásticas, no Liceu Bocage, em 1930.

Ingressou neste mesmo ano, no curso de pintura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (ESBAL), que concluiu em 1937. Durante o seu tempo de estudante, beneficiou de várias bolsas da Câmara Municipal de Setúbal e da Junta Geral do Distrito de Setúbal e de uma pensão da ESBAL.

Foi professor do ensino técnico profissional nas Escolas Industriais de João Vaz , no ano letivo de 1939-1940 (Setúbal), Machado de Castro no ano letivo de 1940-1941 (Lisboa) e Afonso Domingues (Lisboa) de 1941 a 1945, dedicando-se, a partir de então, exclusivamente às artes plásticas.

Em 1951, foi bolseiro do Instituto para a Alta Cultura em França (Paris), Bélgica (Dinan, Namur, Bruges, Bruxelas e Anvers) e Holanda (Gand, Den Haag, Delft, Roterdão e Amsterdão).

Realizou diversas exposições individuais em Portugal (Lisboa, Porto, Coimbra, Guimarães, Amarante, Alcobaça, Santo Tirso, Setúbal, etc.) e em Espanha (Madrid, Barcelona e Palma de Maiorca).

Participou em dezassete Exposições de Arte Moderna do S.P.N./S.N.I.

A sua obra integrou a exposição sobre a arte portuguesa da década de 1940 organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian (1982).

Por iniciativa da Câmara Municipal de Setúbal, realizou-se em 1992 uma exposição retrospetiva da sua obra no Salão Nobre dos Paços do Concelho/Convento de Jesus. Em 1993, foi realizada nova exposição retrospetiva, pelo Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico/Museu de Alcobaça, na Ala Sul do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Em 2011, foram organizados, pela edilidade setubalense, vários eventos e exposições comemorativos do centenário do seu nascimento."

in Wikipedia

Está representado em coleções públicas e particulares de diversas instituições, entre as quais a Câmara Municipal da Moita.

Selecção de António Tapadinhas

sábado, 23 de março de 2019

Ser solidário



Em auxílio das populações de uma região alargada de África, onde se incluem vários estados do norte de Moçambique que, como sabemos, atravessam neste momento um período particularmente difícil, o Estado Português além dos dois aviões C-130 da força aérea portuguesa, cremos que com muita alimentação, medicamentos e ajuda técnica espececializada, fretou um Boeing767 à "euroAtlantic", ao que nos constou em condições muito especiais, onde seguiram bombeiros, gnr, inem, médicos, etc., mais carga avultada. Aqui fica um dos comissários de bordo que acompanhou tão digna comitiva. Esta capacidade que o povo português sempre revela de ser solidário, é mesmo coisa grande de se louvar.

Luís Santos

sexta-feira, 22 de março de 2019

Poema de Andreia Bernardo e José Gil





NA CURVA DA ESTRADA

Há dias em que os nossos corações sossegam.
A vida na estrada abranda nas curvas
o espírito absorve enquanto pode
O que é que sonhaste para ti em tempos?
A vida segue sem um pouco de chuva
O que fiz da minha juventude
no seus entretantos
entre os pingos
há uma graça na vida que
vale a pena ver todos os dias
a vida é flor de mel uns dias
arco iris de papagaio outros
"não sei se estou perder amor à vida ou ódio à morte" slow j
desejo conquistar nos dedos da morte um ódio forte
vibro a vida em cada dança de lua
por uma noite sou o que ilumina o corpo
primeiro os lábios
depois o fogo da língua

"vontade, imaginação e criação conjugam-se para que em cada época
se consiga extrair do mundo a essência dessa mesma época "
Maria Alberta Meneres
Conseguiste? Consegui um beijo há muito esperado
Conseguimos

Sonhei fazer coisas conhecer tudo
Saber tudo
Crescer com tudo
Crescer contigo
Ser rei na minha própria

Sempre sempre

A tristeza com a poesia vai embora com vergonha.
Quando o coração começa a cantar, a praia é nossa

Sou menina de encantos, gosto de sorrir.
Do mar à areia somos ondas, não paramos,
Somos ventos da alegria, espero-te na curva do sol,
Ama como quem abre o mar, sente a minha mão
Nas tuas costas, é a liberdade do sol ao nascer
Já bem quente nos ombros
Dança a praia é tua
A tristeza com a poesia vai embora com vergonha.
Quando o coração começa a cantar, a praia é nossa

Repete sempre beija quem amas mesmo no areal que nos espera há uma casa de porta
Aberta é a música que sai da casa da praia que nos espera esta noite sente os lábios nos
lábios Na pele de criança os sonhos são realidade há dentro da casa um grande lençol
branco
o meu reino é o sonho
o abraço sentido debaixo das árvores
a copa das árvores nos nossos corpos

quarta-feira, 20 de março de 2019

Música de Palavras




Pássaros Noturnos, Fotografia de Lucas Rosa



1º andamento – da Meditação
Erguido que foi o cruzeiro ao alto
depois que se relembrou o caminho
que vai até à Páscoa e do temporal
da ventania, do escurecer do céu
afinal do retorno indo-europeu
de cruz às costas no Teu sacrifício
e do sofrimento pela ressurreição
almas penadas adiadas na angústia
dos dias que se encolhem e demoram
a revelar mais do que a própria luz
do sol que nos aquece e nos anima
e nos vira para cima, que é todo o lado
nos tempos em que recordamos o Veda
do entorno do sangue pelo dom da graça
dos deuses que nos visitam e ignoram
bebem dos nossos cansaços e só dão
os braços imensos ás preces, aos rogos
aos caídos entre vivos e mortos fomos
e pusemos Cristo e Buda no cataclismo
da Índia, do Tibete ao Japão, em união.


 2º andamento – dos Mantras
Silêncio.
Aquele jesuíta António de Andrade
passou para lá da verdade, das neves
perpétuas são as horas das pedras frias
das prisões de meditações sem fim
a ideia do vazio de que a mente mente
no fim do dia da tecnologia das velas
à bolina triangular a sina do paraíso
onde afinal, não há bem nem mal
a separação foi uma invenção da queda
de anjos trôpegos de golfadas universais
a expansão contínua infinita das almas
sofrimento que é alegria, na natureza
do dia claro que se segue ao nevoeiro
o quinto império e o espírito santo
en-canto nosso, almejado momento
nirvana e iluminação fraterna do tempo
na misericórdia da guerra e nos desejos
da paz, em que tudo é Um, tudo é assim
sem dualidades no grito dos corpos.


 3º andamento – do Êxtase
O dia nasceu em paz na tona das águas
o mar que nem bulia feito um espelho
um calmo chão por onde se pode andar
uma oração feita meditação e o ioga
das pernas esticadas, das costas direitas
o fluxo dos fluidos orgânicos nos círculos
dos olhos parados etérea comtemplação
quase nada quase tudo vida parada
calmas vão as mentes e pacíficas são
as ações de não agir que evitam malefícios
proclamação da eliminação do sofrimento.
E então, em que ficamos trindade nossa,
penamos para não penar? Deixamos o mar?
O balanceado enjoo, a fome, o escorbuto
deixamos a canela, as belas sedas, os véus
as curvas das pernas e os seios, a cama
sutra do diamante de meditações tântricas
de divinas mulheres do amor e do amar,
qual a suprema razão de um ser de dor
pelo que deste a vida para nos salvar!?

terça-feira, 19 de março de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Belo dia de feriado, com manhã na praia a ler e a brincar com os pardalitos que já nadam ao lado da mãe galinha tão inchada tão inchada que só me admira como não vai ao fundo. 


A frescura do fim da tarde, com caracóis e bailes de andorinhas para enfeitarem a converseta com o Zé sobre a actualidade da politicazinha à portuguesa. 
E os grilares da noite, de acordo com a levitação electro-acústica dos King Crimson empurrando o momento para a eternidade. 



A Matilde lá terá um fim-de-semana prolongado devido ao acto eleitoral do próximo Domingo. 

“-Ó pai, eu posso fazer os trabalhos na segunda-feira.” –Respondeu-me com os olhinhos brilhantes, quando eu lhe perguntei pela melhor ocasião para o cumprimento das obrigações, uma vez que na tarde de hoje esteve na festa de anos do David, um colega de turma e no Sábado terá outra tarde de aniversário de outra colega. 


A propósito da festa de anos do David devo registar que apenas a Margarida e a Matilde compareceram, ainda que o rapaz tenha convidado os amigos da escola e da aula de ginástica. 

A Luísa atribuiu isso à falta de atenção das famílias – eu diria também de educação e de respeito para com os outros – que terão, certamente, preferido o ócio à beira-mar a dar-se ao trabalho de levarem os filhos à casa do amiguinho. 

Só espero que tenha razão. Contudo, receio que a justificação possa residir na cor da pele da família que lhes apresentou os convites. 

Para comparar, esperemos pelo que se irá passar no Sábado. 



Mas agora que o ano lectivo está perto do fim, talvez seja este um bom momento para fazermos um balanço da prestação do pardalito. 


Ora numa palavra só posso escrever que o saldo é francamente positivo. 
Não só todos os objectivos foram atingidos, como a atitude da aluna é adequada ao bom desenrolar do processo de aprendizagem com a vantagem adicional de se tratar de um desempenho orientado pela sua vontade e que em momento algum teve que ser imposto pela Mestra. 

Vejamos então. 

Ao nível do comportamento, ainda que tenham acontecido situações de alguma conversa ou de uma ou outra brincadeira e outros de pouca ou nenhuma atenção e concentração no decurso dos trabalhos, na sala de aula, podemos dizer que em face do reduzido número são excepções a uma normalidade que se traduziu em estar atenta à Professora e aos exercícios propostos, procurando desempenhar as suas funções da melhor maneira possível e de que era capaz. 
Geralmente sossegada e silenciosa em termos disciplinares, manifestou-se em conformidade mas não por consequência, pronta e atenta para o trabalho. 
Como não lhe detectei qualquer pressão em torno da antevisão dos desafios esperados, coisa que ocorreu com a Margarida e a levou a amedrontar-se nos primeiros dias, a Matilde encarou as provas por que passou com toda a naturalidade e, em vez de se questionar sobre as capacidades próprias para as resolver, sempre procurou fazer bem feito o que lhe era solicitado. 

Em síntese, posso assim dizer que no plano dos comportamentos e atitudes enquanto aluna, a avaliação que faço, tanto nos aspectos disciplinares como nos referentes à aprendizagem, tem um sinal claramente positivo. 
Estamos no bom caminho e, pela nossa parte, tudo faremos para que assim continue e como a Professora acompanhará a classe até ao último ano deste ciclo, tudo indica que poderemos esperar tranquilamente que seja desse modo. Sem que deixemos de nos preocupar e estar atentos, creio que um optimismo moderado não será exagero algum. 

Ao nível pedagógico, o conseguido não se fica atrás. 

Já vimos que o moto próprio vai na direcção certa, isto é, a aluna entra na sala predisposta a trabalhar e a aprender. 
Na minha opinião, sendo condição cine qua non – como é que aprende aquele que não quer aprender? – é, como se costuma dizer, meio caminho andado para uma boa absorção das matérias. 

Neste sentido não admira que o meu coraçãozinho já seja capaz de ler e contar e de fazer pequenas contas de somar e subtrair. Escreve sem erros e com uma caligrafia bonita e ordenada e as folhas dos seus trabalhos estão regularmente limpas e apresentáveis. 

Melhor testemunho não há; a minha jogadora de futebol já se esforça por ler os seus próprios livros de histórias ilustradas e outros livros temáticos para a sua idade e é bem sucedida em grande parte dos casos. 


Os pais têm motivos para estarem satisfeitos. 



Al-Sadr continua a chantagear o processo de normalização da vida no seu país. 
Há muito que deveria estar preso. 

Pena que a Europa viva a era dos Vitorinos. 



Bem e por ora me interrompo. 
Amanhã volta a ser dia de trabalho. 


 Alhos Vedros 
  10/06/2004

segunda-feira, 18 de março de 2019


MANUEL RIBEIRO DE PAVIA
Ilustração

O pintor e ilustrador do neo-realismo português Manuel Ribeiro de Pavia, nasceu em Pavia, a 19 de Março de 1910. Ficou principalmente conhecido como um inspirado ilustrador, com extraordinária influência nas artes gráficas portuguesas, quer através de capas de livros e revistas, assim como de ilustrações para obras de escritores seus contemporâneos.
Dele, disse José Gomes Ferreira: 
"Admirável Pavia!, inventor de quimeras e devorador encantado de poemas, tão diferente de alguns badamecos que por aí andam, cobertos de musgo pilha, a fingirem de artistas... E afinal, à hora da morte, que deixam?... Sim, que deixam?... Nem obra nem vida."
Manuel Ribeiro de Pavia faleceu em Lisboa, a 19 de Março de 1957.

Selecção de António Tapadinhas

quarta-feira, 13 de março de 2019

Uma Missa de Espanto


estudo, 8º dia da quaresma, Luís Carlos dos Santos (continuação)





1º andamento – um canto gregoriano, uma missa de espanto

Num terceiro domingo, dobram os sinos
replicam os salmos ao longe na igreja
interiorizam-se os cânticos e as teclas
do órgão que vai devagar de olhos semi-fechados
quase que nem se canta, murmuram as almas
repetem as gentes, reclinam-se os peitos
e as mãos postadas no caminho da cruz
os joelhos nas lajes frias do chão, outra vez
fazem-se mais uma vez as infinitas contas
do rosário, da oração, contemplativo silêncio

Não se foge do sofrimento, antes se lamenta
do Deus, da condenação e do arrasto do corpo
ir com ele, de subir com ele, de o ver luzir
monte da esperança, vozes dos anjos que cantam
tocam as trompetas no envolvimento do Espírito
messiânicas expectativas de servos humildes
do que É de dar a vida em sacrífício, salvívico
caminho da perseguição e da morte, todavia
da gloriosa consciência que a ressurreição anuncia
da gloriosa poesia que em voz suave nos acalma.


2º andamento - o vira da natureza

As nuvens vêm carregadas de um temporal
de onde sopram os ventos e arrefecem as noites
os ramos das árvores são feitos de assobios
e as águas despenham-se pelos penhascos
pintando de terra molhada a face da terra

Logo mais rasga-se o sol e rompem-se as flores
cheias de cores  os campos de tremoço e papoila
o verde acastanhado da planície que se estende
por meio de um vale entre rios e risos da festa
do estalar das rolhas das garrafas do vinho

As andorinhas chegam cansadas, ofegantes
correm as danças nos caminhos dos cruzados
pagãos de braços dados na folia dos corpos nús
rituais sagraddos na fecundação da terra
um bem que é mal,  e um mal que é bem,

meu bem.


 3º andamento – o corridinho das águas

Apressados e unidos apressam-se os pingos
grossas vêm as chuvas, prenúncio de abril
chuvas mil aos molhos escorre a salmoura
das lágrimas das fontes e dos montes
que se alagam e se desfecham aflitos
desenfreados correm os rios de caminhos
dos oceanos plenos de glaciares degelos

Os atropelos dos passos das concertinas
e das serpentinas reais dos arraiais furores
dos tambores, pandeireitas, castanholas
e das espanholas dos festivos sorrisos
o ribombar dos foguetes e o som de ferrinhos
dos tamancos das moças que cantam no chão
e eles de braço dado num rodopio sem fim

O oceano, o mar azul que se estende nos pés
do calor no pico do meio dia, todo o dia
ondas de alfarrobas, amendoeiras em flor
e os meus amores que nem as cores todas
das oliveiras milenares, toda a areia da praia
onde se amolecem as mentes descansam
os corpos, das passas e dos medronhos.


(in, Luís Carlos dos Santos (2018) Dar Voz ao Silêncio. Música de Palavras. V. N. de Gaia: Euedito, pp.18-21)

terça-feira, 12 de março de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

É uma vergonha o que se está a passar em torno do processo apito dourado que já levou à detenção de uma série de pessoas ligadas ao universo futebolístico e à autarquia de Gondomar e que em função disso vieram a ser constituídos arguidos num processo de investigação para se ver se há ou não motivos para acusação e posterior apresentação a julgamento. 

Pois não foram demitidos dois agentes responsáveis por aquela investigação policial? 
Bem, deve haver algo aqui que me escapa. 


Ou será que eu tinha razão desde o início e bastou que o nome de Pinto da Costa viesse à baila para que tudo fique condenado às águas de bacalhau? 

A palhaçada que ontem à noite se viu na televisão nada mais foi que uma operação de lavagem e promoção de imagem. 

E se alguma coisa todo este sórdido caso tem deixado a nu é a promiscuidade existente entre os patrões da bola e os homens do poder político e jurídico e ainda como é que os primeiros conseguem criar as teias que ao mesmo tempo criam um mundo à parte com lógica e regras próprias e o protegem perante a justiça civil sempre que os seus interesses esconsos se sobrepõem ao bem comum ou ultrapassam o que as leis permitem. 

A verdade é que o novo comandante da judiciária do Porto demitiu aqueles investigadores com um currículo exemplar no combate ao crime e como se isso, só por si, não fosse de bradar aos céus, ainda se deu ao despudor de vir criticar publicamente aqueles profissionais que, a todos os títulos, seriam merecedores tão só de palavras de elogio e agradecimento. 

Pois é esta a expressão do estado a que se chegou no reino do homo maniatábilis. 



E logo hoje em que a democracia e todos os democratas ficaram de luto pela morte repentina e inesperada do Professor Sousa Franco, o cabeça de lista do PS para as europeias que, depois de cumprida uma visita de campanha à lota de Matosinhos, já no hotel, se sentiu mal e veio a morrer de paragem cardio-respiratória a caminho do hospital. 

O Professor Sousa Franco era um democrata e foi um bom Presidente do Tribunal de Contas e liderou a pasta das finanças com seriedade e competência. Era um homem de cultura e de espírito livre e sincero, com um raro entendimento dos deveres cívicos o que o levou a passar pelas lutas políticas com um sentido de serviço democrático e patriótico. 

Nestes tempos de homens sem espinha que nos governam, a democracia ficou mais pobre. 



Hoje houve uma aula de Matemática, disse a Matilde à mãe. 



E ontem esqueci-me de registar a passagem de Vénus diante do Sol, fenómeno que só acontece de cento e muitos em outros tantos anos. 

Segundo a Luísa que usou as lentes especiais, via-se o Sol amarelado e uma bolinha preta sobressaindo, pela pequenez, na enorme esfera luminosa. 



Há luz no túnel para o Iraque? 
A ONU aprovou uma nova resolução que legaliza a nova situação e reconhece o governo saído do processo que até aqui os aliados, a muito custo e contra inúmeros inimigos, apesar de tudo têm conseguido. 
Vamos ver o que isto dá. 



Uf! Amanhã é feriado. 
Estou mesmo a precisar de um dia de descanso. 


 Alhos Vedros 
  09/06/2004

segunda-feira, 11 de março de 2019

REAL... IRREAL... SURREAL... (140)



Geraldo de Arruda Castro, Barcos
Óleo sobre Tela 60 x 80 cm

Geraldo de Arruda Castro foi um pintor e artista gráfico brasileiro que nasceu em Matão, a 11 de Março de 1933 e morreu em Itanhaém a 16 de Março de 2006.
Iniciou a sua actividade como pintor em 1953. Participou em inúmeras exposições individuais e colectivas, onde obteve diversos prémios e foi membro de júris no Brasil, Espanha e Portugal.
A sua obra permanece nos acervos de várias cidades do Brasil.

Selecção de António Tapadinhas


sexta-feira, 8 de março de 2019

Conto 2


José Pais de Carvalho

Lembrava-se! Como poderia recordar a manhã pronunciada no desconhecido senão pelo esquecimento.

Lembrava-se de percorrer em silêncio as ruas de uma cidade a sul, imerso na recordação do mercado, do pavimento irregular da calçada, da azáfama das pessoas e das mercadorias. Lembrava-se! viajara ao encontro do ancião e encontrara-o no pátio da casa quando uma mulher de velha idade e de feições indígenas lhe abrira a porta.

É verdade que sempre se afligia quando estava diante daquela figura enigmática, e supunha que não seria diferente daquela vez. Na sombra da latada esbatida sob o sol, reverberavam imagens perdidas da antiguidade, que o impressionaram ao ver a fisionomia da anciã alterada. Com respiração parca mas levemente acelerada, duvidava do espectro e aprazava-se por rever o anfitrião que o convidava a sentar, com um rasgado e efusivo sorriso de boas-vindas, não atribuindo outra importância ao puzzle criado pelas sombras e afectado pela imaginação. Conversaram acerca de trivialidades, da longa viagem. Depois o diálogo contemplou outros temas, cuja razão o viajante não podia divisar. Falaram sobre o que o homem de idade indeterminada designou por domínio da consciência. Houve, adrede, um silêncio: O grande feito é atingir a liberdade total antes de ser uma consciência desencarnada dirigindo-se para o incognoscível. Ficava a impressão de que o velho homem escolhera as palavras antes de retomar a conversa, para produzir uma tensão, e pousando-lhe a mão sobre o ombro, convidou-o a dar um passeio.

No caminho, o ancião observava, como se fosse a última, os rostos dos transeuntes e detinha-se defronte das lojas, dos candeeiros públicos, das casas. Numa alameda, atentava a cada pormenor: o reboco dos muros e das paredes, os líquenes, os tons verde-escuros, os de cor de bolor e as pedras descarnadas pelo tempo. A dado instante, dirigiu-se-lhe: … nesta cidade tudo é possível acontecer! e sorriu. Como jovem aprendiz, reconhecia aquele olhar, aquele sorriso. Inúmeras vezes deparara-se com circunstâncias análogas. Apoderava-se dele uma estranha sensação: incorria no íntimo a certeza de acontecer algo imprevisível, e sentia-se desconfortável. Numa rua pararam perpendiculares a um antigo casarão. O de mais idade não deixava de olhar tudo ao redor: contemplava a araucária, os plátanos, os cedros, e deteve-se na velha nespereira com as poucas folhas que restavam, tombadas sobre si próprias como lágrimas. O jovem para quem bastava um olhar, um sorriso ou uma palavra do decano para o estado emocional mudar radicalmente, permitiu que uma lágrima lhe escorregasse pelo rosto, e sentindo de antemão uma melancolia que o comoveu, pressentiu que a imagem acerca da velha nespereira seria apenas sua. Primeiro supôs sentir-se triste, mas de imediato compreendeu uma sensação mais profunda e distante, tão cavada quanto a solidão.

Chegados a uma praça, já sentados num banco público, o mais velho dava continuidade à frase deixada atrás: … por baixo da cidade está uma outra de onde desapareceram os que nos sonhos acordaram numa posição para além dos limites do conhecido. Escutar tal estória sobressaltava-o, e sentindo um empurrão, sem que pudesse formular alguma pergunta, entrava na igreja, e lembrava-se! já tinha estado ali em outra ocasião.

Ajoelharam-se ambos lado a lado num banco de madeira corrido, fronteiro ao claustro. O ancião balbuciou-lhe quaisquer palavras ininteligíveis, despertando-lhe uma recordação já perdida. Uma mulher de feições indígenas fitou-o, fazendo-lhe sinal, e ele, não pelo fulgor da juventude, deslumbrou-se: um misto de admiração e fascínio aprisionava-o, tão magnânimos eram os olhos negros. No momento ficou perplexo: a mulher que lhe abrira a porta estava ali, mas não parecia a mesma. O vestido preto deixava antever a sua silhueta e a tez era límpida e cuidada. Aparentava ser nova. E ele atemorizou-se.   Quis compartilhar a surpresa, descrevendo um movimento com o corpo, mas o ancião desaparecera, concomitante à perda da acuidade visual.

Algo acontecera. Quando recuperou a visão estava numa igreja, numa outra igreja, quiçá num outro tempo. A decoração afigurava-se do século dezoito: o altar-mor, o deambulatório em torno dele, as pinturas do teto da nave, a talha dourada, obturando o óculo da fachada com um relevo, sugeriam-no. Decorria uma missa, e o silêncio era total.

De temperamento susceptível, por experiências anteriores perante o desconhecido, ele sabia que facilmente oscilaria entre a confiança e o temor, e que poderia perder a razão. A luz da igreja era ambarina e ele demorou a ambientar-se. Espantou-se com as sombras, pois eram negras e profundas como nunca tinha visto, e reparou o tom de pele das criaturas ajoelhadas, singularmente pequenas. Apreensivo, tornara-se ele próprio testemunha da imaterialidade do tempo. Os entes ao redor não eram da época que atribuiu à igreja. Como poderia aquela gente rezar, mover os lábios e ele não ouvir o mínimo barulho? Estranho, olhou para a direita e confrontou-se com a dita mulher. Ã! gaguejou trépido. O som exauria-se em si mesmo, parecia-lhe inaudível, incumprido.  O corpo teve um espasmo e os indivíduos em torno olharam-no, censurando-o. A mulher murmurou-lhe que ouvisse com todo o ser; e ele assim fez sem saber como fez. A missa estava a acabar e o movimento da multidão, sentiu-o ensurdecedor ou quem sabe se intensificado. Porventura idealizava, concluiu. A percepção aguçada deu-lhe outra indicação. Percebeu que estava a sonhar. Havia uma agudeza mais consciente do que o torpor mental sentido. Independentemente de onde estivesse ou do mundo em que estivesse, o que vivenciava era real e abarcava-o na totalidade. A mulher olhava-o doce e intrigante, aparentava agora uns trinta anos: o mundo que apreendemos e a sua substancialidade dependem da tua total atenção para que exista. A posição em que se começa a sonhar espelha-se na posição em que permanece o corpo de sonho. Deste modo deve-se sonhar que se acorda deitado exatamente na mesma posição em que se adormece, para sonhar adormecer de novo. A voz dela era cristalina, sedutora num sentido restrito, magnetizante. Tudo o que se vê, o ambiente ao redor é a projeção da minha intenção, um sonho! Estás a viver no meu sonho. Não basta somente sonhar o objecto, é necessário visualizá-lo e trazê-lo para o sonho, materializá-lo, para se tornar real. Foi a partir deste recurso que te trouxe para o meu sonho. Foi desta maneira que numa época longínqua à do tempo deste sonho, os antigos habitantes desapareceram da cidade, deixando somente os vestígios da sua cultura. Foi muito antes de eu existir e de existir o local onde estamos. Quando nasci, eles já eram antigos e repara como sou antiga!  exclamou com malicia.

De seguida pegou-lhe na mão e levou-o até à porta da igreja, o que o acalmou. Ao saírem, deparam-se com uma praça velha. No tempo eminente escutou-a. A praça para que estás a olhar não existe na realidade, só a poderás tornar real mediante a tua intenção. A vista dele turvou-se; focando-a, encontrava-se agora sozinho na cidade em cujo cenário se desenrolava o sonho. Na praça viu o decano sentado no banco onde estiveram antes, segurando o chapéu, enquanto um vento soprava ao redor. Um pensamento determinava-lhe que tinha de deslocar os olhos para alterar a percepção. No mesmo banco, um outro homem dormitava. Embora o choque do que não podia avaliar o propulsionasse, fracionava-o luminescente, e vislumbrou a sua paridade: sentado no banco ao lado do homem que segurava o chapéu, viu-se de pé no pórtico da igreja, e assombrou-se, caindo em si.

Sentiu que tinha perdido algo significativo. Talvez alguém de quem gostasse muito, mas não conseguia recordar-se. Uma ideia como essa afigurou-se-lhe absurda. A memória atraiçoava-o de novo e sentiu um misto de saudade e medo, indecifrável.  O ancião sossegou-o, pedindo-lhe para contar o que se lembrava do sonho. Lembrava-se de terem entrado na igreja e pensou: poderiam ele e o ancião, acordar no mesmo instante, na mesma posição de sonho? O homem de maior idade não foi directo na resposta, disse-lhe que o acompanhara na ocasião em que se sentiu puxado por ele até ao interior da mesma. Não é possível saber como ocorre, talvez pelo desejo. Apenas acontece assim. Foi o modo como os antigos partiram em grupos. Talvez fosse decisão deles morrer em outro mundo, ou não encontraram o caminho de regresso. O fenómeno sucede conquanto paremos o diálogo interno e mudemos o foco para o que nos induz a percepções incomuns. Restava o silêncio, e lembrava-se! quem era a mulher do sonho? Por sua vez, o ancião apaziguava-lhe o temor:  era o tempo de se recordar da mulher, pois iria encontrá-la uma última vez. Era antiga como ela lhe dissera. Desafiara a morte com êxito, tornando-se prisioneira da veleidade que destruiu os antigos.  Dera-lhe um presente, o qual se recordaria em breve: Podemos viajar pelo desconhecido, mas temos de nos ancorar dentro dos limites do conhecido para regressarmos. Se te deslocares para outro mundo, esta cidade desaparecerá, mas irás permanecer aqui. É este o mistério que ainda não compreendeste.  Romper as barreiras da percepção é entrevir a eternidade. Mais cedo ou mais tarde aperceber-te-ás que cada um de nós é todas as coisas, que é isto e aquilo. Um mundo só é perceptível por força do alinhamento da totalidade dos nossos feixes de luz com os correspondentes exteriores e não apenas com partes deles. Disto depende a nossa estabilidade. Só assim um mundo se torna real, permitindo-nos então escolher onde morrermos e também como fazê-lo em consciência total. O teu trabalho será ainda tornar compreensível tudo o que está além do território onde a consciência quotidiana assenta a sua identificação, em que nenhuma dúvida possa interferir nos teus actos. Com o passar dos dias, compreenderás melhor. Darás uma coerência a tudo o que viveste e não consegues por enquanto recordar.

De repente tudo ficava claro, mas nem uma palavra conseguia articular, não tinha energia suficiente para o colocar por palavras. Compreendia que tais acontecimentos não poderiam ser recordados pela memória. Então o ancião lia-lhe o pensamento: Agora começas-te a compreender. O mundo dos homens é tão-somente uma visão a partir da posição do alinhamento dos feixes de luz consoante a energia que reunam; não conseguires expressá-lo, deve-se ao facto de não teres ainda acumulado a energia que te permita ordenar o conhecimento. E mudava de assunto: Aproxima-se o momento de eu partir, esta será a última vez que nos encontramos nesta cidade juntos. Talvez  retorne um dia, mas nunca mais voltarei aqui tal como me vês hoje.

Sentiu-se uma brisa, do outro lado da praça o velho homem acenava-lhe, despedindo-se e surpreendeu-se: lembrava-se! o conhecimento era silencioso, uma força que não podia ser descrita, no entanto estava ali para que qualquer um a pudesse utilizar. Ainda olhou de novo para o outro lado da praça, e viu o ancião virar-se para trás, sorrindo-lhe.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Uma música silenciosa


Fim do Entrudo. O repouso das almas (mais que um réquiem) – hino às estrelas.


1º andamento: pé ante pé
Vamos dar voz ao silêncio
pensar numa música silenciosa
pouco ruidosa, um calmante natural
sem esforço de pensar, tocar devagar
afagando as cordas, soprando nas teclas
sem elevar a voz, soletrar

um passo leve, um rodopio suave
de uma dança parada, quase nada
quase mel que escorre de dois
corpos juntos, ou nem isso
um meigo sorriso, um instigante segredo
um recado de uma brisa que nem vento

por dentro, uma suave respiração
que mal se ouve o coração do mundo
sossego, enlevo, alargo a consciência
o laboratório da amizade, é que nem marcha
nem fúnebre, tão pouco rufo do tambor
um canto de escovas na bateria, se tanto

Fecho os olhos, relacho a pena, arrumo o fado
passo, não dou o passo, e fico com o universo
de braço dado.


2º andamento: passo curto
Tudo é, tudo exulta de si, vibram os corpos
dançam os átomos, o som que não se detém
as paredes que não vedam, o entre-penetra
da água, o sabor do sumo da fruta, da flor
da imagem que dá no olho, da transformação
do mundo mudo, mecânica do universo

do trabalho que dá saciar o corpo, da posse
da terra, do matar o vício, das linhas no chão
de construir os muros que nos protegem
do medo que dá, da raiva de se ter, a dor
do que se trás às costas e se passa aos outros,
o que não cessa, nem cura

a curva da perna, a venda das pernas, a tesão
o parto, a violência e a doença do corpo
da alma renascida, do que fica torto e tropeça
do que devaneia e se enleia na espuma dos dias
eis o que se vê, defuntos adiados, malcriados,
invejosos, débeis, frágeis, ilusórias fantasias

Ou o calor que nos esquenta, essa luz branca
o que nos faz brilhar, a que nem chega o ouro,
o Sol.


3º andamento: alegre, quase parado
O terno olhar das pétalas de uma flor
e o meu amor, uma cristiana solicitude
um lamento, um queixume, um ai, o ser
redondo e pontiagudo de um seio, de um índio
de uma clareira na floresta, de uma festa
mirabolante fora do bulício da cidade

a luz de uma fogueira e o braseiro que dá
do fogo, do crepitar da lenha, do calor
que nos anima a noite fria, a poesia
que se empresta à música que continua
suave, afinada, muito pouco ritmada
que nem a tango chega, um entre-tango só

mas as pétalas da flor lá estão e insistem
de vermelhas que são, coladinhos corações
de boas visões, de um doce passeio por letras
doces e calmas como as águas do riacho
que escorrem em seiva e lhes dão cor
porque amor que é amor, é mesmo amar

a forma da água, o símbolo da vida, vi
um outro dia duas lindas criaturas, deusas
crianças nuas.


(in, Luís Carlos dos Santos (2018) Dar Voz ao Silêncio, Música de Palavras. V. N. de Gaia: Euedito, pp. 15-17)