A Cozinha, Santiago Rusiñol, 1891 Óleo sobre Tela, 97,5x131cm |
ESPERA
Olhou de forma casual para o reflexo na água e não viu a clareza da imagem nem entendeu o seu rosto disforme.
Vencida pela memória dos dias agora estreitos e sem tempo, a velha senhora sorriu tranquilamente, numa espera já ausente. Fugiram-lhe as lembranças e todos os retalhos se aconchegaram no seu quarto fechado.
Cada um dos pedaços aprisionados morria serenamente no fim aguardado de cada momento. As cartas do filho acabavam num beijo presente ali pelas manhãs outrora solitárias e o anel, alargado pelo tempo mirrado dos dedos, guardava o brilho dos dias sem demora. Cumpriam-se os desejos nas memórias guardadas num caderno escrito em partes sem espaços inúteis e sobravam-lhe os medos desfeitos pela vida a passar.
Tinha-se escapado o sentir num começo intencional e achou-se pronta.
Desejou muitas vezes aquela existência sem vontades e a porta sempre fechada apontava aí o fim dos seus dias.
Sentou-se, decidida a acreditar numa espera breve.
Ignorou a casa vazia e o gato dado à vizinha cega e ao filho.
Deitou fora o desejo de encontrar o copo onde ele bebia o desgosto de um amor por fazer e fingiu-o cumprido num casamento muito pouco feliz.
Numa parede branca e gasta, a velha senhora compôs cuidadosamente o seu último olhar e calou o riso de menina e as orações ao pé da cama.
Na mesa, um copo com água.
Uma imagem nítida de uma mulher bonita e um rosto disforme a partir, devagar.
No jardim da frente, ao sol, uma rosa insuspeita.
Olhou de forma casual para o reflexo na água e não viu a clareza da imagem nem entendeu o seu rosto disforme.
Vencida pela memória dos dias agora estreitos e sem tempo, a velha senhora sorriu tranquilamente, numa espera já ausente. Fugiram-lhe as lembranças e todos os retalhos se aconchegaram no seu quarto fechado.
Cada um dos pedaços aprisionados morria serenamente no fim aguardado de cada momento. As cartas do filho acabavam num beijo presente ali pelas manhãs outrora solitárias e o anel, alargado pelo tempo mirrado dos dedos, guardava o brilho dos dias sem demora. Cumpriam-se os desejos nas memórias guardadas num caderno escrito em partes sem espaços inúteis e sobravam-lhe os medos desfeitos pela vida a passar.
Tinha-se escapado o sentir num começo intencional e achou-se pronta.
Desejou muitas vezes aquela existência sem vontades e a porta sempre fechada apontava aí o fim dos seus dias.
Sentou-se, decidida a acreditar numa espera breve.
Ignorou a casa vazia e o gato dado à vizinha cega e ao filho.
Deitou fora o desejo de encontrar o copo onde ele bebia o desgosto de um amor por fazer e fingiu-o cumprido num casamento muito pouco feliz.
Numa parede branca e gasta, a velha senhora compôs cuidadosamente o seu último olhar e calou o riso de menina e as orações ao pé da cama.
Na mesa, um copo com água.
Uma imagem nítida de uma mulher bonita e um rosto disforme a partir, devagar.
No jardim da frente, ao sol, uma rosa insuspeita.
Maria Teresa Bondoso
3 comentários:
Muito bonito!
Também acho muito belo sim.
MJC
Obrigada...
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