Foto: Santo Antonio de Lisboa
( Florianópolis). Arquivo pessoal da autora.*
Uns dos
primeiros colonos europeus a deitar raízes e marcar terreno no solo deste
imenso país foram os açorianos. A principio individual e esparsamente, e mais
tarde em levas migratórias colonizadoras, planeadas pelo reino, que se
espalharam desde o norte (Maranhão, Amazonas) ao sul do país, mais notadamente
no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde a presença açoriana foi mais
numerosa e evidente.
O colonos
começaram a chegar a Santa Catarina a partir do ano de 1748. Eram grupos de
casais e aparentados fugidos de desastres naturais ( em geral erupções
vulcânicas) e da superpopulação que lhes traziam nas ilhas dos Açores crises de
subsistência. As viagens e primeiras acomodações eram patrocinadas pelo Estado
Português que precisava, por sua vez, ocupar o território e defender suas
fronteiras americanas dos espanhóis. As promessas governamentais (D. João V) de
lhes dar apoio financeiro, parcelas de terra, apetrechos agrícolas, umas poucas
vacas e um asno, choupanas para abrigo e assistência no primeiro ano de Brasil,
nem sempre foram cumpridas. Ao chegarem numa terra estranha, idealizada pelas
quiméricas histórias de fartura e riqueza, de luxuriante beleza, mas ocupada
por florestas cerradas e índios hostis, sem condições de habitação decente,
seus ânimos, já abatidos pela crueza e insalubridade da viagem, arrefeciam.
Ingênuos, rudes, crédulos, no entanto pressentiam que era uma viagem sem volta.
Teriam pela frente uma nova epopéia, a da sobrevivência.
Saíram
dos Açores para Santa Catarina de 1748 a 1752 cerca de 6000 pessoas. Entre as
viagens e as iniciais dificuldades na Terra, supõem-se que perto da metade
tenha perecido. Esses primeiros colonos sobreviventes foram distribuídos no
Desterro (antiga capital de Santa Catarina), Lagoa da Conceição, na enseada do
Brito, São José e Laguna. Em Porto Alegre ( Porto de Dornelas) até 1752
estabeleceram-se 60 casais . Aí a terra foi favorável ao cultivo do trigo,feijão,
milho, cevada, vinha, cânhamo,etc. Construíram moinhos e azenhas. Criaram
gado, miscigenaram-se, formaram estâncias, fizeram-se tropeiros, abriram
caminhos para outros lugares.
Em
Santa Catarina, a terra arenosa não favoreceu ao cultivo do trigo, aprenderam
então com o índio a consumir a mandioca (mansa) no lugar desse cereal. Novas
técnicas de artesanato, pesca e cultivo adquiriram. A vinha, o algodão, o linho
tiveram algum sucesso apesar dos recrutamentos militares periódicos que desviavam
os homens das atividades agrícolas. As lutas pela sobrevivência foram longas e
intensas. Tiveram que se adaptar, superar dificuldades e deficiências,
distâncias, faltas e doenças. Mesmo assim, quase esquecidos, colocaram em ação
a tecnologia que trouxeram consigo. Construíram embarcações, engenhos e teares,
abriram clareiras na mata, plantaram a vinha e os alimentos para subsistência.
Levantaram casas, fabricaram louça, cestos e panos. Introduziram a renda de
bilro, caçaram a onça que comia seu rebanho, tendo seus cães como fiéis
companheiros ( daí a grande quantidade de cães que ainda vagueia pela ilha de
Santa Catarina), e a baleia para produzir óleo usado nas construções e como
combustível. Enfim, fundaram vilas, projetaram fronteiras, fizeram revoluções,
quiseram até ser um outro país!
Apesar
do analfabetismo que nos primórdios medrava entre eles, passaram sua cultura,
costumes e crenças , religiosidade, gastronomia e identidade para seus filhos.
Apegados à família, ciumentos de suas mulheres, mesmo na pobreza e com as
limitações que a terra e a política lhes impuseram, fizeram-se felizes e
hospitaleiros.
Os
mais aventureiros partiram para o sudeste e centro-oeste onde o ouro e as
pedras preciosas, atrativas, reluziam. Muitos sucumbiram nas picadas e
nas contendas, pela vida e pela fortuna, em busca do El-dourado. Os bem
sucedidos enriqueceram, transformaram-se em grandes fazendeiros,
latifundiários, chamaram amigos e parentes, daqui e /ou de além-mar, e com
aventureiros de outras plagas, fizeram no interior brasileiro uma nova
casta de gente que por largo tempo dominou a política das terras sertanejas.
Os
que ficaram no Desterro agruparam-se, formaram famílias que se dispersaram em
pequenos sítios e áreas. Isolados, agregados por natureza, as uniões entre
essas famílias cada vez mais aparentadas deixavam a cada geração mais seqüelas.
A consangüinidade determinava nascimentos de crianças com maior número de
deficiências físicas e mentais.
Mas os
tempos rolaram, os séculos se sucederam, as contendas apaziguaram. Os caminhos
melhoraram, por terra e por mar o espaço foi cada vez mais conhecido e pelo
estrangeiro nacional (paulista, rio-grandense do sul e mineiro,...) e
internacional visitado, (inglês, uruguaio, argentino,...). Santa Catarina viu
os colonos imigrantes italianos, alemães, polacos, russos, chegarem e fazerem
das suas terras focos de beleza e prosperidade.
Hoje, os
descendentes dos primeiros colonizadores açorianos, os manezinhos da ilha,
podem ainda ser encontrados nas pequenas comunidades de Florianópolis e algumas
regiões costeiras de Santa Catarina. Porém, essa pequena população de “nativos”
já se encontra em vias de extinção pelas miscigenações genéticas e culturais
atuais, e pela voraz expansão imobiliária que, apesar das leis ambientais, nem
sempre respeitadas, vem desde 1960 assolando a capital do estado, expulsando o
nativo de seu resguardado habitat, degradando impunemente a natureza e ocupando
áreas que deveriam ser de preservação ambiental. Resultado da conhecida
má política que só vê os ganhos pecuniários imediatos para um pequeno grupo de
fortes proprietários, e que despreza o futuro de qualidade para o restante da
comunidade ilhoa.
Morros
desbastados da sua natural cobertura verde, ocupados perigosamente por
construções levantadas em áreas de risco, com a complacência irresponsável da
autoridade pública, vias congestionadas por gente deseducada que joga lixo nas
praias e estradas, poluindo o visual e o meio ambiente, violência urbana
crescente, cada vez mais incontrolável, é o panorama que se vislumbra em
Florianópolis atualmente. Urge que haja políticas inteligentes e políticos
eficientes que promovam o desenvolvimento seguro e sustentável desse rico
patrimônio da natureza. “Enquanto houver algum recanto paradisíaco guardado por
um “manezinho” risonho e pescador, enquanto ainda sobrarem locais intocados
pelo homem “civilizado” e” empreendedor” a Ilha de Santa Catarina merece ser
apreciada.
Maria
Eduarda Fagundes
Tupaciguara,
14/02/2015
* Tirei essa foto numa das
minhas freqüentes viagens a Florianópolis. Santo Antonio de Lisboa é um sítio (beira-mar) da Ilha de Santa Catarina (Norte da ilha), fica bem perto de
Sambaqui. Foi um dos lugares escolhidos pelos primeiros açorianos quando lá
chegaram.