quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A Cosmogonia Védica


Dir-te-ei a palavra que todos os Vedas glorificam, todos os auto-sacrifícios exprimem, todos os estudos sagrados e vidas santas procuram. (...) Nada há à sua frente, e é único para todo o sempre. Nunca nascido e eterno, fora do tempo, passado ou futuro, ele não morre, quando morre o corpo. (...) O Eterno no homem não pode matar: o Eterno no homem não pode morrer. (in, Miguel P. Carvalho (org.) – Religiões. História, Textos, Tradições.  Lisboa: Ed. Paulinas, 2006, p.248)


Os Hinos Védicos são os textos sagrados mais antigos da Índia. Etimologicamente Veda significa conhecimento, saber, passível de audição (que pode ser escutado). Durante muito tempo recitados apenas sob forma oral, só muito mais tarde seriam registados em forma escrita. A civilização védica desenvolveu-se até ao século VI a.C., período em que a sua cosmogonia começou a transformar-se nas formas clássicas do hinduísmo.

A Índia conheceu várias civilizações. A primeira grande civilização que surge na Índia – a civilização do vale do Indo (NW da Índia e Paquistão) – surgiu há 6000 anos. Terá atingido o seu apogeu 2500 anos a.C.. Tinha uma escrita que permaneceu intraduzível, o que nos limita o seu conhecimento e são contemporâneos do Egipto Antigo e da civilização Suméria.

Em 1500 a.c., outra civilização se desenvolve na Índia, no Vale do Ganges, enquanto a do vale do Indo desvanece. Não se sabe se esta constitui um prolongamento dessa 1ª civilização. Sabe-se que os povos de raiz indo-europeia descendem dela, conforme nos relatam Georges Dumézil, Émile Benveniste e Max Muller (este, discípulo de Schelling que, no século XIX, traduziu quase todos os textos da Filosofia Indiana).

O período védico corresponde, então, ao período em que se dava prática à sua filosofia, cuja data de criação não é possível precisar, mas que mais tarde deu lugar a 4 grandes antologias: o Rigveda, o Yajurveda, o Sâmaveda e o Atharvaveda. O primeiro, constituído por hinos compostos em forma poética para recitação em sacrifícios; o segundo, hinos em prosa igualmente para recitação durante o ato sacrificial; o terceiro, versos para serem cantados extraídos do Rigveda; e o quarto, aceite pelos especialistas como um Veda mais tardio e que contém fórmulas de encantamento para prevenção e tratamento dos males.

Os actos sacrificiais que se faziam, de acordo com a mitologia védica, caracterizavam-se por terem sempre presentes 4 sacerdotes. Cada um correspondendo a cada um dos vedas: o que invoca os deuses, o que canta, o que sacrificia e o que permanece em silêncio.

A mitologia védica é reconhecida como plena de importância em vários planos. Por um lado, pela importância que tem para o posterior desenvolvimento do hinduísmo e da filosofia clássica indiana, por outro, pela importância que o pensamento mitológico tem para uma estrutura social, enquanto sistema constituído de descodificação do real, tão pleno de sentido como qualquer outra tentativa de compreensão humana da natureza última das coisas.

Uma narrativa mítica assenta num conjunto de arquétipos que relacionam o imaginário humano com o mundo. Como diz Frank Chose, encontra-se na Filosofia Védica o corpo de conhecimentos onde melhor se expressa a concepção do mundo que é feito atualmente pela Física contemporânea. Também Lévi-Strauss diz que qualquer mito pode ser tão explicativo da realidade como qualquer outra teoria de explicação do mundo e da existência humana.


Luís Santos

(in, Filosofia Clássica Indiana e Budismo, Curso de Estudos Orientais, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

2 comentários:

Unknown disse...

Uma porta aberta na imensidão do conhecimento. A ousadia de perscrutar e integrar num Estudo Geral. Grato amigo.

luis santos disse...


Somos gratos.
Entre-tanto, a porta não se fechará e a cosmogonia védica vai ter continuação. Esperemos igualmente que nos continue a premiar com os seus belos textos que sempre nos trazem desejadas leituras, profícuas aprendizagens.
Aquele Abraço.