por Miguel Boieiro
O ilustre Maurice Mességué, para além de
famoso fitoterapêuta, era também, subsidiariamente, “maire” de um pequeno
município do Gers (Pirinéus franceses). Os seus livros, de que se encontram
traduzidos em português, pelo menos dois, “Homens e Plantas” e “A Natureza tem
Razão”, continuam a entusiasmar os leitores. De facto, Mességué foi igualmente
um extraordinário escritor.
Vem isto a propósito da planta que ele considerava
mais importante para os tratamentos dos numerosos doentes que o procuravam,
muitos deles já desenganados na medicina alopática.
De resto, é sabido que cada ervanário ou
fitoterapêuta tem a sua planta preferida, ou seja aquela com a qual mais se
identifica.
De entre as suas “simples”, Mességué,
colocava a celidónia nos píncaros.
Após ter lido alguns dos seus trabalhos,
fiquei com imensa curiosidade de conhecer a tal celidónia, ou quelidónia, como
também a apelidam.
Já tinha memorizado a sua configuração física
mas, a despeito de ser uma planta muito comum e vulgar, segundo referia Maurice,
eu nunca a tinha visto. Não era seguramente uma planta da minha região, na
qual, mais ou menos, mantenho alguma intimidade com todas as ervas espontâneas.
Devo dizer que andei, tempos infindos, quase
obcecado, para encontrar a celidónia. Até que um dia, já lá vão quarenta anos,
fui a uma festa de aniversário da empresa Bouygues, onde um dos meus primos
trabalhava, nos arredores de Paris. Depois da fina comezaina (foi a primeira
vez que comi salmão, nessa altura raro em Portugal), começou o baile. “Pé de
chumbo”, como sempre fui, escapuli-me para uma mata próxima onde me entretive a
observar a abundante flora silvestre. Nisto, surge, perante os meus olhos, uma
planta que me era desconhecida. Analisei-a e, quase por instinto, cortei uma
das suas folhas que imediatamente brotou uma seiva amarela. Então, pela
descrição há muito memorizada, logo concluí que finalmente tinha descoberto a
tão famosa celidónia. Fiquei eufórico.
Apanhei um grande ramo e entrei no baile
gritando para a minha mulher “Manela! Encontrei a celidónia!!”. Toda a gente
ficou a olhar para mim com ares interrogativos e só então me dei conta da
“barraca” que estava a dar.
Familiarizei-me depois com a minha amiga
Celidónia (posso escrever com maiúscula?) e passei a apaparicá-la sempre no meu
jardim.
A celidónia, Chelidonium majus L, é uma vivaz da família das Papaveráceas que se dá em terrenos
sombreados e frescos, sendo muito abundante no norte do País. Cresce,
sobretudo, em entulheiras, muros arruinados e zonas pedregosas.
Possui um rizoma carnoso donde saem talos
tenros que chegam a ter 80 cm .
As folhas são lobadas, verde-claras e levemente azuladas na página inferior. Os
talos apresentam-se vilosos, cilíndricos e quebradiços deitando um suco de cor
amarela, mas que logo passa a alaranjado em contacto com o ar. As bonitas
flores, de um amarelo brilhante, compõem-se de quatro pétalas em cruz. Têm
numerosos estames e frutificam numa vagem com sementinhas castanhas.
O nome “Chelidonium”
provém do grego e significa andorinha, talvez porque a floração costuma
coincidir com a chegada daquelas aves migratórias. Por isso, também se chama erva-andorinha,
ou ainda, erva-das-verrugas. Este último nome indicia uma das suas aplicações
mais populares.
Com efeito, o látex da celidónia cura
admiravelmente verrugas, herpes, calos e feridas cutâneas.
Atribuem-lhe também propriedades antiespasmódicas,
hipotensoras e purgativas, entre outras.
A planta é muito forte, contendo, pelo menos,
dez alcaloides. Tal significa que é bastante tóxica e em doses mais elevadas
chega a ser mortal. Portanto, nunca a devemos usar para usos internos, isto é,
para infusões. Há quem diga que basta 80 g da raiz fresca (a parte mais tóxica)
para matar um cão. No entanto, todos os animais, mediante as suas qualidades
radiestésicas, evitam tocar-lhe. Não parece, portanto, haver perigo.
Em homeopatia é utilizada pelos especialistas
mais experientes, mas em doses infinitesimais.
Não quero responsabilidades. Fica bem
esclarecido de que toda a planta é venenosa e só pode ser usada em alcoolaturas,
tratamentos por osmose, cataplasmas, banhos ou aplicações diretas da planta
fresca. Os resultados, em quaisquer dos casos, são excelentes, como tenho vindo
a comprovar por experiência própria e das pessoas que me são chegadas.
Há três anos, fiz uma alcoolatura (com álcool
a 60 graus), quando estive nas termas de S. Pedro do Sul, região onde a celidónia
abunda. Ainda dura. Utilizo-a sobretudo, como desinfetante cutâneo e resulta
muito bem.
Para terminar, direi como Mességué, “a
celidónia faz chorar o homem que vai morrer e cantar o que vai curar”.
Cuidado com esta planta de forte
“personalidade”!
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