sábado, 9 de janeiro de 2016

Celidónia



por Miguel Boieiro

O ilustre Maurice Mességué, para além de famoso fitoterapêuta, era também, subsidiariamente, “maire” de um pequeno município do Gers (Pirinéus franceses). Os seus livros, de que se encontram traduzidos em português, pelo menos dois, “Homens e Plantas” e “A Natureza tem Razão”, continuam a entusiasmar os leitores. De facto, Mességué foi igualmente um extraordinário escritor.

Vem isto a propósito da planta que ele considerava mais importante para os tratamentos dos numerosos doentes que o procuravam, muitos deles já desenganados na medicina alopática.
De resto, é sabido que cada ervanário ou fitoterapêuta tem a sua planta preferida, ou seja aquela com a qual mais se identifica.
De entre as suas “simples”, Mességué, colocava a celidónia nos píncaros.

Após ter lido alguns dos seus trabalhos, fiquei com imensa curiosidade de conhecer a tal celidónia, ou quelidónia, como também a apelidam.
Já tinha memorizado a sua configuração física mas, a despeito de ser uma planta muito comum e vulgar, segundo referia Maurice, eu nunca a tinha visto. Não era seguramente uma planta da minha região, na qual, mais ou menos, mantenho alguma intimidade com todas as ervas espontâneas.
Devo dizer que andei, tempos infindos, quase obcecado, para encontrar a celidónia. Até que um dia, já lá vão quarenta anos, fui a uma festa de aniversário da empresa Bouygues, onde um dos meus primos trabalhava, nos arredores de Paris. Depois da fina comezaina (foi a primeira vez que comi salmão, nessa altura raro em Portugal), começou o baile. “Pé de chumbo”, como sempre fui, escapuli-me para uma mata próxima onde me entretive a observar a abundante flora silvestre. Nisto, surge, perante os meus olhos, uma planta que me era desconhecida. Analisei-a e, quase por instinto, cortei uma das suas folhas que imediatamente brotou uma seiva amarela. Então, pela descrição há muito memorizada, logo concluí que finalmente tinha descoberto a tão famosa celidónia. Fiquei eufórico.
Apanhei um grande ramo e entrei no baile gritando para a minha mulher “Manela! Encontrei a celidónia!!”. Toda a gente ficou a olhar para mim com ares interrogativos e só então me dei conta da “barraca” que estava a dar.
Familiarizei-me depois com a minha amiga Celidónia (posso escrever com maiúscula?) e passei a apaparicá-la sempre no meu jardim.

A celidónia, Chelidonium majus L, é uma vivaz da família das Papaveráceas que se dá em terrenos sombreados e frescos, sendo muito abundante no norte do País. Cresce, sobretudo, em entulheiras, muros arruinados e zonas pedregosas.
Possui um rizoma carnoso donde saem talos tenros que chegam a ter 80 cm. As folhas são lobadas, verde-claras e levemente azuladas na página inferior. Os talos apresentam-se vilosos, cilíndricos e quebradiços deitando um suco de cor amarela, mas que logo passa a alaranjado em contacto com o ar. As bonitas flores, de um amarelo brilhante, compõem-se de quatro pétalas em cruz. Têm numerosos estames e frutificam numa vagem com sementinhas castanhas.

O nome “Chelidonium” provém do grego e significa andorinha, talvez porque a floração costuma coincidir com a chegada daquelas aves migratórias. Por isso, também se chama erva-andorinha, ou ainda, erva-das-verrugas. Este último nome indicia uma das suas aplicações mais populares.
Com efeito, o látex da celidónia cura admiravelmente verrugas, herpes, calos e feridas cutâneas.
Atribuem-lhe também propriedades antiespasmódicas, hipotensoras e purgativas, entre outras.

A planta é muito forte, contendo, pelo menos, dez alcaloides. Tal significa que é bastante tóxica e em doses mais elevadas chega a ser mortal. Portanto, nunca a devemos usar para usos internos, isto é, para infusões. Há quem diga que basta 80 g da raiz fresca (a parte mais tóxica) para matar um cão. No entanto, todos os animais, mediante as suas qualidades radiestésicas, evitam tocar-lhe. Não parece, portanto, haver perigo.
Em homeopatia é utilizada pelos especialistas mais experientes, mas em doses infinitesimais.

Não quero responsabilidades. Fica bem esclarecido de que toda a planta é venenosa e só pode ser usada em alcoolaturas, tratamentos por osmose, cataplasmas, banhos ou aplicações diretas da planta fresca. Os resultados, em quaisquer dos casos, são excelentes, como tenho vindo a comprovar por experiência própria e das pessoas que me são chegadas.

Há três anos, fiz uma alcoolatura (com álcool a 60 graus), quando estive nas termas de S. Pedro do Sul, região onde a celidónia abunda. Ainda dura. Utilizo-a sobretudo, como desinfetante cutâneo e resulta muito bem.
Para terminar, direi como Mességué, “a celidónia faz chorar o homem que vai morrer e cantar o que vai curar”.

Cuidado com esta planta de forte “personalidade”!

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