Abro a porta do frigorífico e uma
imobilidade e um silêncio ao mesmo tempo me tomam. Do fundo dos tempos, dentro
do saco onde a guardo, o perfume misterioso da hortelã. Invade a casa depois de
passar pelas minhas mucosas e espalha uma bênção airosa e firme a recordar avós
e mãe. As mãos que no tempo têm colhido, recolhido e transportado a hortelã de
vasos ou da terra para dentro de tachos, chás, mesas rituais.
Fica para trás o frigorífico e passo à
porta que dá para o terraço. Sentada, em pose nobre e elegante, a minha cadela,
imóvel, aspira discretamente algo que só ela saberá. É frequente a esta hora,
no início da manhã, ou no final da tarde, sentar-se na abertura da porta e
assim ficar aspirando o ar como quem contempla. E ao mesmo tempo contemplando
com o olhar algo que não consigo ver, que apenas ela consegue descortinar. O
rastro do sol que chega, do sol que parte? O Silêncio, que ao início da manhã e
ao fim da tarde, num momento, se torna absoluto e eterno? Contemplará ela a
eternidade?
Ela contempla o invisível e eu imito-a,
contemplando o perfume da hortelã e contemplando-a a ela. Momentos de absoluta
paz que apetece eternizar, mas que apenas têm valor porque são únicos, não
perenes, mas constantes, o retorno eterno. A promessa de que cada dia terá,
pelo menos, dois momentos de paz indescritível e viva. Antiga. Não sei de onde
vem. Mas passa pela hortelã e por uma cadela (ou mais) sentada entre portadas,
doméstica e inapreensível.
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