quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Silêncio


Risoleta Pinto Pedro


branca flor


Abro a porta do frigorífico e uma imobilidade e um silêncio ao mesmo tempo me tomam. Do fundo dos tempos, dentro do saco onde a guardo, o perfume misterioso da hortelã. Invade a casa depois de passar pelas minhas mucosas e espalha uma bênção airosa e firme a recordar avós e mãe. As mãos que no tempo têm colhido, recolhido e transportado a hortelã de vasos ou da terra para dentro de tachos, chás, mesas rituais.
Fica para trás o frigorífico e passo à porta que dá para o terraço. Sentada, em pose nobre e elegante, a minha cadela, imóvel, aspira discretamente algo que só ela saberá. É frequente a esta hora, no início da manhã, ou no final da tarde, sentar-se na abertura da porta e assim ficar aspirando o ar como quem contempla. E ao mesmo tempo contemplando com o olhar algo que não consigo ver, que apenas ela consegue descortinar. O rastro do sol que chega, do sol que parte? O Silêncio, que ao início da manhã e ao fim da tarde, num momento, se torna absoluto e eterno? Contemplará ela a eternidade?
Ela contempla o invisível e eu imito-a, contemplando o perfume da hortelã e contemplando-a a ela. Momentos de absoluta paz que apetece eternizar, mas que apenas têm valor porque são únicos, não perenes, mas constantes, o retorno eterno. A promessa de que cada dia terá, pelo menos, dois momentos de paz indescritível e viva. Antiga. Não sei de onde vem. Mas passa pela hortelã e por uma cadela (ou mais) sentada entre portadas, doméstica e inapreensível.




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