Acabei de ler o excelente trabalho da minha amiga
Maria-Manuel Valagão, ilustre Investigadora do Instituto Nacional de Recursos
Biológicos, denominado “A sopa em Portugal e as sopas de plantas silvestres
alimentares”. Trata-se de um tratado notável que relata, sobre múltiplas
facetas, o percurso histórico, etnográfico e até mesmo filosófico de toda a elaboração culinária, resultado da
ebulição em água, durante um certo tempo de vários componentes, e que
geralmente se come à colher. O estudo, frisa a importância alimentar das
sopas, caldos e papas e os seus benefícios para a saúde das populações, quer
sejam abastadas, quer de fracos recursos.
Há naturalmente variadíssimas versões desde as leves sopas de
vegetais, à canja (palavra que em concani, idioma falado em Goa, significa
apenas sopa de arroz), ao caldo verde (com ou sem rodela de chouriço), até às
famosas sopas da pedra, sopas caramelas e sopas de corno. Não cabe nesta
croniqueta explicar como elas se fazem, mas sempre direi que as pedras e as
pontas dos chavelhos têm de ser de boa qualidade para que as sopas resultem.
Isto mesmo, dizem os gastrónomos entendidos. Por mim, aproveito para recordar
minudências da minha infância em que o prato único que, todos os dias, tínhamos
ao jantar era a sopa de feijão. Num dia adicionava-se arroz, no outro massa e
no outro pão de dezassete esfarelado, acompanhado de hortaliças, abóbora
porqueira, um naco de toucinho fresco e um pedacinho de chouriço só para dar o
gosto.
Tudo isto vem a propósito de uma referência que encontrei no
trabalho da Maria-Manuel sobre o uso de espinafres Tetragonia tetragonoides para confecionar sopas no Alentejo e, vai
daí, lembrei-me de discorrer sobre essa plantinha.
Em Portugal ela é conhecida como espinafre-da-nova-zelândia,
em alusão ao país donde se julga ser proveniente, mas encontra-se completamente
naturalizada, sendo mesmo considerada nalgumas regiões uma planta invasora. O
seu nome científico tem a ver com a configuração curiosa do fruto em forma de quadrilátero.
Em França a planta é conhecida por tétragone,
designação que considero mais feliz, dado que, botanicamente, pertence à
família das aizoáceas e nada tem nada a ver com o espinafre - Spinacia oleracea - da família das
amarantáceas.
Do aspeto do fruto, já estamos conversados. As folhas, a
parte que nos interessa para preparar a sopa de legumes, são triangulares,
carnudas, papilosas, pecioladas e de cor verde brilhante. A ramagem é prostrada,
cobrindo o solo em razoável extensão, dado que com grande facilidade alastra
por terrenos abertos. As flores são pequenas, discretas, solitárias nas axilas
das folhas e de cor amarelo-esverdeado.
O valor proteico da planta é fraco, mas em compensação, é
rica em vitaminas do complexo B, vitamina C, provitamina A, potássio, cálcio,
magnésio, fósforo e ferro. O único senão à utilização desregrada deste “falso
espinafre” é a existência de ácidos oxálicos, sobretudo quando a planta já está
envelhecida. Por isso, é conveniente rejeitá-la quando se encontra em
frutificação.
O espinafre-da-nova-zelândia gosta do calor e da humidade,
dando-se bem numa alargada faixa de climas temperados. Não é atreito a
moléstias, resiste às investidas dos insetos predadores e possui
características halófitas, ou seja desenvolve-se em terrenos medianamente
salinos. Lembro-me de que a primeira vez que vi este vegetal em grande
quantidade foi junto à praia do Baleal (Peniche), já lá vão umas quatro
décadas. Aí, e nessa altura, a planta era espontânea, apresentando uma
excelente reprodução. Tal também acontece no meu quintal, visto que a água que
obtenho do furo sofre a influência da cunha salina proveniente do estuário do
Tejo. Todos os anos tenho abundante produção sem fazer qualquer sementeira.
Quanto às virtudes terapêuticas do espinafre-da-nova-zelândia,
aponta-se que o capitão Cook, famoso navegador dos mares austrais, a utilizou
largamente para combater o escorbuto que atormentava a tripulação do navio
Endeavour.
Contudo, é na gastronomia que este vegetal se mostra
relevante. Consulte-se, por exemplo, a obra “Plantes potagères” da editora Gründ, onde o tétragone aparece com grande destaque. Na verdade, a sua primordial
utilidade é na preparação de esparregados e de suculentas sopas de vegetais, misturada
com outras hortaliças. Fica especialmente bem numa sopa ou estufado com
grão-de-bico. Experimentem!
1 comentário:
Boa noite Luís,
Obrigado pela informação partilhada.
Mas há uma que me aguçou imenso a curiosidade, e não consegui como encontrar.
Sabe como consigo ler o trabalho da Dra. Maria Manuel Valagão “A sopa em Portugal e as sopas de plantas silvestres alimentares" ?
Cumprimentos,
Pedro
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