terça-feira, 10 de dezembro de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Mariana repete a geometria e as fachadas de Ouro Preto. 

Lá estão as janelas que podemos ver em Portugal, desde as minhotas às algarvias, passando igualmente pelas ferragens nas varandas que tanto se repetiram de norte a sul, no século dezanove português. 
No entanto, agora parece-me que este padrão que se observa neste interior mineiro é já uma expressão da cultura brasileira que pode ter, como é de todo natural, reminiscências dos hábitos e costumes da terra dos primeiros colonos mas que não deixa de ser uma apropriação e recriação que os seus descendentes vieram a fazer com a herança que receberam e que, afinal, produziram a partir de uma ruralidade que a própria geografia tratou de diferenciar do mundo de origem e cujos cambiantes, ao absorverem e misturarem contributos de proveniências tão diversas como as dos índios ou das populações africanas, acabaram por materializar num modo de vida próprio do novo mundo. 


Ouro Preto, Mariana, Tiradentes, podem ter parecenças com Portugal mas são nada mais que isso mesmo, dão ares de, mas são lugares americanos, de expressão inteiramente americana, no caso, aliás, de um universo cultural inteiramente baseado na existência da escravatura e do trabalho escravo, facto que salta à vista quando facilmente nos apercebemos das dificuldades em caminhar sobre estes pavimentos empedrados e de que as liteiras e cadeiras para atravessar ruas, expostas no museu da cidade, são um bom indicador. 

Aliás, esse é outro facto que nos leva a compreender muito da tragédia da actualidade brasileira. 
Olhamos a demografia nativa e vemos o predomínio da mestiçagem e da pele negra e não podemos deixar de nos lembrar que a esmagadora maioria dessas pessoas que ainda há poucas gerações eram escravas e que lhes legaram a miséria e a ignorância em termos de competências para viverem numa sociedade de livre contratação do trabalho. 

Boa parte do drama brasileiro reside aí, na imensa mole populacional que nada mais tem para herdar que não sejam as condições propiciatórias da renovação da miséria. 



A Margarida e a Matilde estão cansadas mas andam satisfeitas e brincalhonas. 
Já o Daniel está na idade em que só as cavalitas do pai aguentam as caminhadas e a mãe não faz por menos, que longos são os momentos em que o miúdo deseja o aconchego dos seus braços. 

Para nós, essa fase pertence ao passado, mas sei o que é e o quanto custa. 


Mas também têm assim a alegria de estarem juntos e tão longe de casa. 


Mariana

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