quinta-feira, 14 de março de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

CASA COM PORTAL EM ARCO



LUÍS DELGADO

Óleo sobre MDF 70 x 70

quarta-feira, 13 de março de 2013

Vidas Lusófonas


O rigor histórico não está condenado à prosa de notário, é possível conviver com as figuras do passado. Saber o que foi, pode ajudar-nos a talhar o que será.

desafia o escritor


e ambos sobem a    
onde já moram 156.

Naquela casa tudo está a acontecer,
cada vida / cada conto.
Por isso já recebeu mais de 26,5 milhões de visitas.

terça-feira, 12 de março de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Esta é daquelas ocasiões em que não podia deixar de me sentar à secretária para registar o sucedido. Não por ter sido a primeira vez que me ausentei do país e conheci terras estrangeiras que, de facto, não foi. Desde que podemos gozar as licenças de férias já fomos por duas vezes a Espanha. Primeiro a Toledo, onde permanecemos meia dúzia de dias e tivemos oportunidade de ver uma cidadezinha preciosa, cheia de recantos encantadores e de ecos da história antiga e recente dentro das muralhas que os muçulmanos deixaram quando ali dominaram ao longo de alguns séculos e tiveram um importante centro político e de saber e onde as memórias dos violentos combates da guerra civil ainda sangram e se impõem pelo ponto de vista dos vencedores, como naquele telefonema entre um pai e um filho que o Museu Militar exibe como prova da maldade e das atrocidades das forças republicanas, infelizmente, num acto que apenas serve para omitir a mesmíssima moeda do lado nacionalista vitorioso. Foi uma viagem maravilhosa que fizemos no carro emprestado pelo José Pedro em que acompanhámos o Gustavo e a Viviana que, com os seus filhos, seguiram no seu. Tal como foi a ida a Sevilha, por ocasião da feira de Abril, com passagem, por Aracena, onde almoçamos, no primeiro dia e visitámos umas grutas magníficas que muito entusiasmaram os mais novos, entre os quais, o Sebastião, o filho do meio daqueles companheiros, se encheu de perguntas a que o Manuel teve todo o gosto em responder. Gostei mais da grandeza plana desta cidade, tão importante à época de Cristóvão Colombo e as festas verdadeiramente imponentes, com as sevilhanas desfilando a rigor nos seus vestidos rodados e estampados e as bandeletes trabalhadas amparando os cabelos e os leques com as suas pinturas que se deixam ver à medida que aqueles se abrem e apesar de nada ter a ver com religiões, até eu concordei que vale a pena ver a procissão que o povo tanto acarinha, com a imagem impressionante dos que pretendem expiar pecados e penas vestidos com mantos brancos e as máscaras pontiagudas que apenas deixam espaço para a respiração e os olhos possam ver. E até já combinámos outra viagem por outras cidades mais a Sul, como Granada e Málaga que o José Pedro recomenda. Mas atenção que tanto numa como na outra há por lá muito pezinho que só não está descalço porque há o recurso das alpercatas que sempre disfarçam um pouco a pobreza que se vê e percebe em grande número de gente. Não foi pois a primeira vez que fomos ao estrangeiro, como as pessoas costumam dizer, mas foi a primeira vez que, para tanto, usámos a via aérea e assim voámos num moderno avião e é justamente isso que impõe a particularidade de um registo escrito. Eu sei que pode parecer infantil escrever isto, mas a verdade é que a ida a Bruxelas para visitarmos a exposição universal e o que, em três grupos diferentes e em outras tantas ocasiões, todos acabámos por fazer, logo desde o momento em que ficou estabelecido que aconteceria, começou por ser encarada como uma aventura fora do vulgar por implicar, precisamente, a utilização dos transportes aéreos e, naturalmente por isso, todos ouviram os conselhos preocupados da dona Noémia para que deixássemos os filhos em casa por receio de uma qualquer fatalidade e assim, no que nos diz respeito, pela primeira vez nos separámos dos nossos rebentos que, durante as duas semanas que estivemos lá, ficaram precisamente em casa do senhor Abel. Da cidade gostei, muito limpa e arrumada e muito bem servida por uma rede de transportes que as autoridades aproveitaram para modernizar a propósito de um acontecimento que reuniu povos e países praticamente do mundo inteiro que se fizeram representar em pavilhões, cada um mais digno de visita que o do vizinho e entre os quais, pelo que vi, teve especial afluência o da União Soviética se bem que, ao contrário do Quico que ali andou maravilhado e cheio de proselitismo palavroso, eu e o Manuel, bem como o Gustavo e a Viviana, tenhamos achado que não passou de um grande esforço de propaganda do regime, bem patente nos cartazes que acompanhavam imagens que nos queriam transmitir a visão de um povo feliz. Mas gostei muito mais de Bruges, com os seus canais e as suas casas antigas de tijoleira, ainda que tenha achado a praça central da capital mais elegante que a deste pequeno mas belo burgo. Em Antuérpia, onde os vestígios dos bombardeamentos da grande guerra estão praticamente apagados, é possível admirarmos pinturas de Rubens em algumas igrejas. Mas o que mais me empolgou foi o cenário humano de grande civilidade e fraternidade que se viveu nas alamedas da exposição, onde os naturais quiseram deixar uma marca de antevisão futurista com um edifício todo cromado e com a forma de um átomo de hidrogénio a que deram o nome de “Atomium”. Feito de esferas ligadas entre si por tubos que se percorrem por escadas rolantes e um elevador central, ali nos perdemos como simples crianças pela magia de um mundo de fantasia tecnológica e científica. Foi, para mim, o ponto alto de tudo aquilo. Mas devo dizer que apesar de toda a modernidade do aeroporto belga, onde aterrámos, depois de termos passado pelo inquietante formigueiro que sentimos no rosto durante a ascensão do avião e que chegou a assustar alguns de nós, para voltarmos a sentir as entranhas revoltas, então especialmente na barriga e passarmos ainda pelo sobressalto que me fez saltar no banco quando as rodas bateram no solo, o aeroporto de Lisboa nada fica a dever àquele em termos de eficiência e, com a sua esplanada debruçada sobre a pista, é até bem mais bonito. Seja como for, apesar de todos os cuidados com que as hospedeiras tratam os passageiros e de todo o requinte do serviço de bordo, não apreciei a viagem, mesmo tendo gostado de ver a superfície terrestre de tão alto e os pontinhos brancos no mar que, segundo um viajante mais experimentado, são os traços de espuma que as ondas fazem no meio do oceano. O barulho dos motores e das hélices é que é de tal maneira forte e omnipresente que as quase quatro horas e tal que demorou a viagem acabaram por ser um verdadeiro suplício auditivo. Não posso dizer que tivesse medo, mas quando o avião começou a elevar-se e a mim me pareceu que o estômago me sairia pela boca, não tendo chegado ao ponto de alguém desconhecido que ia no banco à minha frente e começou a gritar ai, ai, ai, não posso esconder que apertei a mão do Manuel com força e fechei os olhos e vi os rostos dos meus ricos filhos brincando na praça centrada pelo pequeno jardim onde erguemos aquilo que chamamos o nosso arco do triunfo e que consideramos o símbolo monumental desta nossa aventura e, por muito estranho que possa parecer mas foi tal e qual o que aconteceu, enquanto a aflição não passou, sucederam-se imagens no meu cérebro da ladeira ornamentada pelas nossas moradias salpicadas, em redor, do verde de árvores de fruto e das colorações floridas dos canteiros das frentes e que o depósito de água parece guardar, no cume da colina, agora rodeada de arvoredo numa das vertentes e um círculo relvado a demarcar-lhe a área e a entrada, bem como vi a vista da albufeira espelhando as nuvens e a sombra da pequena barbacã onde está instalada a piscina e vi também os arruamentos em l e o casario branco do bairro novo, ao lado da ala que o café e os outros estabelecimentos fazem e pensei que se morresse levaria comigo as imagens dos meus entes mais queridos e de um mundo que tenho contribuído para construir e onde me vim a encontrar feliz e cheia de vontade de viver. Depois o corpo voltou à normalidade e à medida que os minutos foram trazendo a primeira hora de voo, serenei completamente e creio ter usufruído bem do gozo das vistas que a janela me proporcionou. Mas quando finalmente voltei a pisar terra firme, confesso que suspirei de alívio.

segunda-feira, 11 de março de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (19)

A Casa Amarela, Vincent Van Gogh, 1888
Óleo sobre Tela 44x37,5cm

HISTÓRIA DE UM PINTOR

Aquele sou eu, deitado naquela cama, na fria brancura hospitalar. Estava cheio de dores, com tubos de drenagem na barriga, com agulhas que me injectavam soro nas veias, o peito mordido por pontos que ajudavam a juntar o esterno serrado e agrafado. Não me doía menos a perna esquerda, também cosida, depois de tirada a veia, grande safena, da qual, três segmentos foram ligados a outras tantas oclusões arteriais coronárias. Agora, não me apetece voltar: estou aqui tão bem, junto ao tecto, perto do
relógio cujo tic-tac abafa todos os sons, apaga todas as dores.
Não posso ficar a olhar para mim, eternamente. Poderei seguir a vereda luminosa que tenho à minha frente? O brilho é tão intenso, que não deixa ver onde termina aquele caminho ladeado por árvores de luz, que estranhamente parecem projectar sombras para o tornar mais apetecível de percorrer. Será que este fio de luz que me liga ao meu corpo, pode esticar o suficiente para eu o percorrer por inteiro?
O caminho faz-se, caminhando.
Curioso: o fim parece estar sempre à mesma distância, mas já não consigo ver o meu corpo. Será que ainda posso voltar? Tanta luz, tanta cor... Será que ainda quero voltar?
Começo a ouvir vozes. Melhor: sons que saem daqueles corpos de luz, envoltos por finas películas, como enormes bolas de sabão, com todas as cores do arco-íris e de outras que vejo pela primeira vez.
Estão a falar todos ao mesmo tempo. Sinto os sons na minha cabeça, só que não percebo o que dizem: como numa feira, com todos os amplificadores no máximo, mas mal sintonizados.
À medida que avanço, começo a entender alguns dos pensamentos sonoros, que as figuras trocam entre si. A cada momento, esta capacidade aumenta. Cada átomo do que sou deixa-se envolver pela carícia das mensagens trocadas.
Já não há árvores nem sombras, assim, sem transição. Estou numa clareira, imensa como um oceano de luz, num céu em que flutuam incontáveis películas que, ao aproximarem-se umas das outras soltam sons melodiosos e suaves que parecem comandar os tons luminosos das esferas, num concerto intraduzível, mas coerente, de luz e sons.
Dou por mim a movimentar-me ao compasso daquela música e, não sei como, os meus movimentos vão deixando no espaço réstias de luz que vão construindo o meu casulo.
Um som mais insistente sobrepõe-se a todos:
- Que fazes? Não podes ficar aqui!
Um casulo destaca-se dos outros. Parece formado por pétalas de girassol. Lá dentro distingo alguém com luminosos olhos verdes, com barba e cabelos ruivos, encimados por um chapéu de palha que lhe rodeia a cabeça como um halo. Um contraste de cores complementares, que me permite, sem esforço, identificar o meu interlocutor.
- Vai-te embora! Eu fico à tua espera na casa amarela.
E eu vi a casa! O pequeno terraço, o candeeiro, as mesas e as cadeiras, o toldo amarelo. De repente, a luz que penetrava tudo começou a desaparecer num turbilhão, como sugada por um vento cósmico gerado pelos ciprestes a roçar as estrelas desse céu exaltado e fantástico.
- Volto, quando? – pensava.
- Logo que estejas pronto, saberás.
Tal como a luz desaparecia, também o fio que me prendia ao meu corpo, parecia perder luminosidade.
Momentos antes, estava no paraíso; agora sentia uma urgência desesperada de regresso.
E regressei: rápido como a luz... para a luz, para a vida.
Fiquei com uma certeza: não posso desperdiçar um minuto. Não por mim – tenho a minha cadeira reservada no terraço da “Casa Amarela” – mas por algo que ainda tenho para fazer. Quando chegar o momento, saberei... e espero não falhar.
Há coisas que é melhor não sabermos – ou não as contar a ninguém!


António Tapadinhas

domingo, 10 de março de 2013

 
 

Foto de Edgar Cantante num pormenor de M.J. Croca


PARA A FOME, PÃO.  PARA A SEDE, ÁGUA.

 

Não quero agora falar.

Nada de relevante teria para dizer e falar banalidades? Para quê?

Não vale a pena.

Não se devem malbaratar as palavras pois isso só lhes retira substância e significado.

Porque é com palavras, também, que se explicam e organizam os sonhos - estádio transcendente dos pensamentos - e se clarificam posições.

Porque é com palavras, também, que se reza e se mimam os filhos, se declaram amores ou manifestam diferenças e vinculam antagonismos.

É, também, com palavras que nos despedimos ou estabelecemos pontes com o que nos queremos aproximar.

Com palavras, também, se faz a liberdade, sacodem mordaças, se constrói o futuro.

Também com palavras nos calamos ou soltamos o grito que nos embaraça.

Por isso devemos observar alguns cuidados ao uso que delas fazemos.

Há alturas em que devemos usar as palavras com a delicadeza que dedicamos às crianças ou a firmeza que o cirurgião aplica no bisturi.

A torrencialidade verbal resvala facilmente em demagogia que enfraquece o ferro e estilhaça o vidro.

E até mesmo as paredes que erigem o edifício em que cada um sempre se acolhe, se esboroam nas palavras que levianamente se soltam ao vento.

Pensar, reflectir, amassar numa mesma massa as ideias que se pensam no ritmo do pulsar dos sentimentos - que das entranhas nos sobem aos olhos e consciência em marés que o viver dita - e só depois nos permitirmos acrescentar ou completar o pensamento que buscamos concretizar, na obra que queremos construir.

Então, só então, devemos anunciar:

- Quero falar, tenho coisas a dizer.

Creio que será por aqui que nos conseguiremos afastar desta obscena feira onde se comercializam, com palavras, os princípios e os valores.

Não será?
 
E NO ENTRETANTO …
 
É tão possível outra canção…
É tão possível outra atitude…
Sem carpir mágoas nem lamentar o que se perdeu.
Porque é assim que, agora, somos é assim que, agora, nos damos.
O atrito, no soletrar das palavras, esbate a magia no encontro.
Por isso, só por isso, nos calamos.
Deixamos apenas o olhar para que, assim, todos nos possamos entender.
 
 
 
                                                             Manuel João Croca
 
 

sábado, 9 de março de 2013

Poemas que se encontram



AMORES

O perfume do jasmim
a cor da jabuticaba
a palavra áspera na despedida.
               
Os namoros breves
em breves namoros

bravo gesto alargado
em verbos caricatos
de perfumes e cores

                        resta a palavra
                        na inconsequência
                        do dizer: cada passo
                                  dado com você.

Pedro Du Bois, inédito




CASCAIS 2

Na praça aberta vejo o fundo da baía
ficam meus olhos bem no oceano do teu
corpo de hortelã e chocolate, procuro-te
no pontão de Cascais onde rebentam no
inverno as ondas que me trazem saudades

é um mar negro logo de manhã na calçada
branca como o céu - é inverno e procuro
a pele morena como na minha terra

oiço a tua musica mas quero só o mar
esse som eterno de rebolar contigo na areia

pelo mundo vou às 5 em ponto da manhã





PRESENÇA
Fernanda Leite Bião

Ele sempre me olhou.
Seu mistério se fez cá dentro.

Uma chama.
Um clarão
Uma lamparina.

Faíscas que ora transbordam.
Ora teimam em se apagar.
Mas aqui sempre está.

Lampejos de vida.
Acordes de esperança.
Hino salutar.

Nem sempre compreendido, às vezes sentido.
Sempre presente está.

O sol que irradia.
A noite, o repouso.
E a certeza do eterno renovar.


sexta-feira, 8 de março de 2013

Fado das Caravelas


FADO DAS CARAVELAS,
é uma das versões do possível aparecimento do FADO em Portugal.
Sem quaisquer pretenções desta ser a versão mais aceitável
inspirei-me todavia nesta teoria para compor este tema que
aqui vos deixo e poderão ver e ouvir neste link:

http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Fado_das_Caravelas/index.htm

As minhas mais cordiais saudações para todos vós






Euclides Cavaco
cavaco@sympatico.ca
www.euclidescavaco.com

quinta-feira, 7 de março de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

JARDIM DE PALÁCIO
 


CAROLA JUSTO

Acrílico 40x50
 

quarta-feira, 6 de março de 2013

Sambaqui


Foto: ( arquivo particular da autora)  


A imagem é de calma e beleza . Virada para a baía norte da ilha de Santa Catarina, olhando para o continente, a Praia do Sambaqui tem águas tranquilas que, em ondas pequenas,  se espraiam preguiçosas sobre a grossa areia de conchas milenares. No mar, sob o sol reluzente, pequenos barcos amarrados por fortes correntes balançam, dolentes, à espera que alguém os tire daquele marasmo e os faça de novo cortar as águas e o vento, à busca do peixe, sagrado alimento. No horizonte, ao longe,  montanhas azuis enfeitadas com um longo colar branco, como  pérolas,  dizem que para lá há cidade, mais gente...
Na estreita faixa de terra beira-mar , casas pequenas, antigas,  caiadas, de característica ilhoa, bordam o caminho, olham o mar. Quem sabe não esperam  o pescador , dono da casa,  chegar.... Colinas milenares, de conchas e esqueletos marinhos construídas, cemitérios magníficos de ancestrais indígenas, hoje cobertas por uma vegetação sempre verde e exuberante, aconchegam o local, servem de barreira às águas da baía, protegem os quintais. 
 Foi também no Sambaqui, lugar de nostalgia e  sossego, onde os espíritos dos povos semi-nômades que ali viveram desfrutam a paz e a beleza paradisíaca do lugar,   que açorianos chegados nas primeiras levas de imigração do século XVIII escolheram para morar.  Passeando por lá, me veio à ideia; quem sabe naquele tempo, sentado na praia, ao pôr do sol, algum faialense, como eu, ao ver a montanha -continente, em frente, deva ter fechado os olhos e, com saudades,  imaginado o Pico olhar!
Maria Eduarda Fagundes
Floripa, fevereiro/ 2013

terça-feira, 5 de março de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Sinceramente, continuo sem saber o que pensar a respeito do homem e nem o “-obviamente demito-o!” que pretenderia aplicar a Salazar me convenceu. Será que pensaria poder vir a alterar as bases do regime a partir do lugar de Presidente da República e apenas por via dos mecanismos institucionais e dos poderes que teria à sua disposição? Não me parece que tal fosse possível e a melhor prova disso é o facto de os pides terem voltado tão rapidamente a rondar por aí, neste pedacinho do céu que é nosso. Iria ele conseguir abrir a sociedade à vida e disputa dos partidos políticos e às liberdades em que a mesma se alicerça e se mantém? Perguntas que em face da derrota, quanto a mim, anunciada, ficarão por responder mas que eu persisto em não ser capaz de ver com desenvolvimentos positivos. É certo que houve uma enorme vaga de euforia em torno da sua candidatura e que depois de uma série de episódios mais ou menos pitorescos, até os comunistas parecem ter-se unido à figura que praticamente representou toda a oposição ao Estado Novo e não tenho a menor dúvida em tomar por pertinentes as suspeitas e acusações de fraude quanto aos resultados finais que deram a vitória ao candidato do regime. Seja como for, aquilo que eu diria ser o cesarismo manifesto nas atitudes e comportamentos do homem em relação à correlação de forças e as diversas individualidades que o apoiaram, deixa-me sérias reservas quanto à sua fidelidade aos ideais democráticos e ainda mais quanto à interiorização dos mesmos. Não viríamos nós a estar perante mais um daqueles casos em que um ditador se pretenderia substituir a outro? Bem, tenho que admitir que a esse nível, o Quico e outros, como o pacato e, por isso, insuspeito Artur, têm alguma razão quando me objectaram as reticências com o argumento que, caso tivesse sido eleito, o povo teria aí um papel determinante no desequilíbrio dos pratos a favor da democracia e que isso, efectivamente, poderia vir a ser um factor com que até o próprio general não teria contado aquando das negociações de apoios em que seguramente se envolveu. E a PIDE? Os militares e, porque não juntá-la a estes pilares da situação, a Igreja, iriam ficar quietos? Depois Humberto Delgado sempre foi um elemento do regime e desde a primeira hora pois, como é sabido, enquanto jovem oficial fez parte do movimento que, sob a chefia de Gomes da Costa, partiu de Braga para levar a cabo o vinte e oito de Maio que pôs um ponto final à república parlamentar e iniciou a ditadura nacional em que emergiu o salazarismo e o estado policial e sem partidos ou de partido único, pois a União Nacional é uma entidade política que exerce o poder, em que vivemos há mais de trinta anos. É verdade que, tal como defende o Manuel, ele viveu uma série de anos nos Estados Unidos da América e que essa experiência o pode ter convencido quanto às possibilidades de um mundo livre. Contudo não deixo de pensar se seria isso suficiente para criar um democrata e sobretudo se lhe daria a convicção necessária para afrontar o rol de defensores e fundamentos que o salazarismo tem ou de que se arroga. Com isto, de modo algum sequer estou a insinuar que possa ter ficado menos triste com a sua derrota. Estou apenas a registar que não partilhei a euforia que vi à minha volta e muito menos as expectativas quanto a uma mudança de fundo no país. Naturalmente lamento que o Contra-Almirante Américo Tomás, com a sua vitória mesmo fraudulenta nas urnas, possa agora personificar a continuidade de um estado de coisas em que Portugal permanece rodeado dos ventos de mudança e prosperidade que se fazem sentir na Europa saída da guerra, mas a verdade é que o regime está de pedra e cal e, avaliando pela reacção que teve a esta avalanche que agitou e encheu de esperança o quotidiano de tanta gente, dir-se-ia mais forte que nunca. E no contexto da rivalidade entre americanos e russos que o conflito na Coreia mostrou não se limitar às palavras, não continua Salazar a ser visto como um bom aliado na luta contra o comunismo? Como poderá este poder cair sem ser por via de uma revolução obrigatoriamente violenta? E alguém será capaz de defender a ideia de que um tal fenómeno possa estar eminente entre nós ou, pelo menos, seja concebível num prazo mais ou menos curto? Só em sonhos, pois se o defendêssemos, na realidade, seria pura fantasia. Em conversa de café, ontem, o Zé Pedro dizia esperar que o regime não volte a ser o mesmo, mas eu não acredito nisso e aquilo que vejo são os pides a incomodar os trabalhadores e a fazerem perguntas por aí –e agora sou eu que espero que o senhor Abel ou o Quico não tenham feito das deles e mesmo o José Pedro e o meu marido que, pela calada, também fazem das suas.
Já se avista o clarão com que a Lua Cheia se anuncia por detrás da colina. Vou ficar aqui a ver o espectáculo de como, a partir do alaranjado do fogo em que aparece, se transmuta em moeda de prata à medida que sobe pelo negrume do céu.
A noite é muito mais ruidosa que o dia. Apurando o ouvido, poderemos dar conta de múltiplos zunidos e grilares que no seu conjunto compõem uma verdadeira sinfonia de insectos.

segunda-feira, 4 de março de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (18)


Poema
 “O Grito”
‘Estava andando pela estrada com dois amigos
O sol se pondo com um céu vermelho sangue
Senti uma brisa de melancolia e parei
Paralisado, morto de cansaço…
… meus amigos continuaram andando - eu continuei parado
tremendo de ansiedade, senti o tremendo Grito da natureza’
 Edvard Munch


O grito, Edvard Munch, 
de 1893, numa técnica de óleo e pastel sobre cartão, 91x73.5 cm

 PEDRO

O Pedro era um homem comum. Todos os homens são comuns.
Era um homem lúcido, inteligente e sério.
Naquele dia, o Pedro espreitou. A janela estava fria e branca.
Do lado de fora, mas dentro.
O Pedro ficou gelado.
O Pedro, que era um homem inteligente, lúcido e sério, sorriu.
Devagar…
Um pouco mais.
Riu. Ruidoso e lúcido. Gelado e branco.
A vida tinha fugido.
Era nada.

Bebeu um copo.
Deitou-se.
E foi.
Não havia dentro.

Cá fora, chamavam a polícia. O Pedro estava louco e batia furiosamente com a cabeça na parede.
O pai do Pedro tirava fotografias.
Havia lá tanta gente… a ver.

Maria Teresa Bondoso

domingo, 3 de março de 2013

PORQUE AINDA É DOMINGO.
 
 
Sentirmo-nos em casa é permitirmo-nos os gestos que o amor cria
e a intimidade permite.
 
 
Foto: Edgar Cantante; Texto: Manuel João Croca





                                                       Pintura de Luís Delgado (óleo sobre tela)



ATRÁS DOS TEMPOS VÊM TEMPOS E OUTROS TEMPOS HÃO-DE VIR

Na sala do centro de emprego estava afixado um poster das Edições Itau.
Eu reconheci-o e a sua lembrança fez-me recuar no tempo, aos tempos da juventude, e às vivências que nos ajudavam a crescer bem, ou eu assim o considero, da Academia Musical e Recreativa 8 de Janeiro em Alhos Vedros.
O poster reproduzia uma fotografia e um poema.
A fotografia mostrava várias coisas.

Um casal de jovens adolescentes sentados no chão – ela com as pernas estendidas por entre e sob as pernas flectidas dele, troncos enlaçados, apertados – encostados a um muro de tijolo com vedação superior em ferro. Ao lado deles e encostada ao muro, uma bicicleta. Os jovens beijavam-se completamente apaixonados. Totalmente absorvidos naquele beijo.

O poema dizia:

“O amor é um pássaro verde num campo azul no alto da madrugada.”

O poema identificava o seu Autor:

Victor Pinho Moreira, 8 anos.

A espantosa clarividência luminosa das crianças…

No centro de emprego as pessoas estão normalmente carrancudas, maldispostas, aborrecidas e, por vezes, até zangadas.
Como, se calhar, até se compreende.
Algumas incomodaram-se com o poster e transmitiram isso mesmo, manifestando-se.
“Olha-me estes, só me faltava virem armados em poetas …”

E eu achei que, de facto, há circunstâncias que tornam difícil o bom gosto e a predisposição para a felicidade.
Poderá alguém ser condenado pelas infelicidades que lhe saem em sorte?



Texto: Manuel João Croca


sábado, 2 de março de 2013

União Europeia contra a Economia avançada do Mercado Social



VW distribui um prémio de 7.200 euros aos seus 100.000 Trabalhadores



António CD Justo

Muitos trabalhadores alemães ainda beneficiam da economia social de mercado, um modelo tendente a desaparecer devido às leis da EU (União Europeia) que implantam na europa um capitalismo agressivo à medida do modelo anglo-saxónico.

Na Alemanha, em 2013, mais de 100.000 empregados da VW recebem 7.200 € como prémio de comparticipação dos lucros da empresa, a acrescentar ao seu ordenado; em 2011 tinham recebido 7.500 €  e em 2006 já tinham recebido 2.710 €. 10% do lucro operativo da Empresa VW ( 22 mil milhões de  € em 2012) são pagos com prêmio aos trabalhadores. A Audi, em 2011, deu um prémio de 8.000 € aos seus 45 mil empregados; Porsche tinha dado um prémio de 7.600 € e a Mercedes Daimler 4.100 €. Com a comparticipação dos empregados nos lucros, a firma reconhece o seu trabalho e motiva o trabalhador pela positiva. A Troika procura, em nome do euro e com o apoio de governos incautos, impor à sociedade a abdicação de regalias “standards” duma economia desenvolvida.

Dólar contra o Euro

Na Europa assiste-se a uma luta desenfreada do turbocapitalismo anglo-saxónico contra o capitalismo (moderado) do mercado social.
A Comissão da EU levantou uma acção no Tribunal de Justiça Europeu (TJE) contra a” lei da VW” que não permite a um accionário ter mais que 20% dos direitos a voto reservando para o Estado da Baixa Saxônia uma quota de 20,2 %. Esta quota impede que accionários, só interessados nos lucros e na exploração da empresa e empregados assumam o senhoreio da empresa e a explore até à última. Com a acção em tribunal a EU quer destruir um modelo de economia, contempladora da pessoa, para impor o modelo anglo-saxónico (actual turbocapitalismo) que considera o operário também como mercadoria.
Os países do sul da Europa tornam-se as maiores vítimas desta política de mercado que destrói por completo a economia social do mercado e se demostra radical contra o modelo nórdico de economia (ainda mais beneficiador das classes operárias).

A economia social de mercado é um modelo económico sociopolítico que surgiu depois da segunda grande guerra e que pretendia uma economia competitiva mas de rosto humano baseado na doutrina social da Igreja (encíclicas sociais que consideram o ser humano como centro da ordem social). Ao modelo de economia social de mercado também se dá o nome de capitalismo renano (Rheinischen Kapitalismus) que é uma variante de capitalismo com rosto humano pretendendo ter uma equidade social o mais justa possível; contrapõe-se ao modelo anglo-saxónico que assenta em pleno liberalismo e vive das grandes desigualdades sociais. Assim se salvaguardam os princípios da solidariedade da subsidiariedade e da Justiça social

O capitalismo renano sentia-se responsável também pelo bem-comum e reconhecia o ser humano como o ponto central da vida social e económica. O capitalismo anglo-saxónico vem, através do desvio da EU favorecer os grandes capitalistas, entre eles também os alemães. O cómico da situação está no facto de a acção em tribunal, no caso da EU ganhar vir, por um lado, destruir na Alemanha dos trabalhadores os direitos adquiridos dos trabalhadores alemães para entregarem a VW à ganância brutal dos grandes capitalistas internacionais e alemães (tudo à custa dos direitos sociais do povo. Se a VW perder quererá isso significar que também a Alemanha (se aceitar a decisão do tribunal europeu) abdica totalmente do modelo da economia social de mercado.

Com a construção da EU à imagem dos USA, assistimos à destruição do modelo da economia social do mercado (capitalismo moderado) em favor dum capitalismo anglo-saxónico feroz.
A EU tem intenção de anular a lei da VW para dar a possibilidade aos monstros da economia de dominarem empresas e nações, tal como fazem agora com a Grécia, Portugal, Espanha, Itália, etc. que não têm capacidade económica para resistir ao redemoinho capitalista em voga e em que as suas elites se reservaram um pé-de-meia que brada aos céus, à custa do bem-comum e dum povo entregue à bicharada.

A luta concertada, a nível da EU (campanhas na opinião pública), contra o Papado não tem só a ver com as fraquezas do Vaticano mas especialmente com a tentativa de desacreditação da única entidade global que sem empenha na defesa duma sociedade justa e ainda tem força para o fazer. Neste sentido leiam-se também as encíclicas sociais da doutrina social da igreja católica, que são mais exigentes, na defesa dos trabalhadores que qualquer ideologia política.

António da Cunha Duarte Justo

sexta-feira, 1 de março de 2013

Não sou um bombista nem as suas vítimas na Síria


Não sou um bombista nem as suas vítimas na Síria
nem um tibetano a imolar-se por desespero na sua terra ocupada
Não sou um toureiro, um cavalo ou um touro com o lombo trespassado
numa arena de sangue, dor e morte
Também não estou na multidão em êxtase que paga para que isso aconteça
Não sou um especulador financeiro que enriquece com a miséria das populações
nem um ministro ou juiz que decide a favor dos poderosos
Não sou um cão ou gato abandonado por quem se cansou do meu amor
nem estou a tremer de medo e angústia num canil de abate
Não sou um porco, uma vaca ou um frango amontoado num campo de concentração
para oferecer vinte minutos de prazer aos humanos
e intoxicá-los com a minha carne envenenada
Não sou uma mãe separada dos filhos
com as tetas a escorrer pus escrava da ordenha mecânica
para que os humanos bebam o leite que não necessitam e os faz adoecer
Não sou um deputado pago para esquecer quem o elegeu
nem um primeiro-ministro ou presidente a vender o seu país aos senhores do mundo
Não sou um rato torturado e aberto em vida para que a ciência conclua que sofro
nem estou a ser morto à pancada para me retirarem a pele ainda vivo
Não sou um tigre nascido para a selva a definhar triste atrás de umas grades
um elefante espicaçado para mostrar habilidades
ou uma ave com asas de lonjura engaioladas
Não sou pago para veicular mentiras na rádio, tv e jornais
nem sou administrador, director ou accionista de empresas
que lucram com o trabalho escravo de mulheres, homens e crianças
Não sou um médico ao serviço da indústria farmacêutica
nem um profissional da alienação das consciências
Não sou uma mãe a ver os filhos despedaçados por mísseis
ou violados e mortos à sua frente
Não sou o presidente, o ministro ou o general
que no conforto do gabinete ordena o inferno para os outros
Não trabalho para empresas ávidas de lucro que poluem, devastam e destroem o planeta 
que pertence igualmente a todos os seres vivos
e às gerações futuras de humanos e não-humanos
Não trafico drogas nem ilusões
e não vendo receitas de felicidade
Não pertenço nem quero pertencer às corporações dos senhores do mundo
ocultos na sombra a mudar governos e manipular povos como marionetas
Não sou um terrorista camuflado nem engravatado, com armas, ideologias ou planos económico-financeiros
nem um eleitor que confunde a democracia com votar de vez em quando
e não ter controle sobre quem elege
Não sou também um activista que sucumbe ao ódio e ao desespero
e envenena as causas que defende
com a violência que lhe estreita a mente e devora o coração

Não, não sou nada disto
Não sou ninguém especial
Apenas alguém que pode reconhecer a imensa liberdade e oportunidade de que agora mesmo desfruta
para apreciar a vida sem esquecer o sofrimento do mundo
e concentrar-se no essencial enquanto há energia e a morte não chega:
despertar a mente e o coração
e tudo fazer para expulsar a ignorância, o sofrimento e o absurdo da face da Terra

Sim, é isso que sou
Sim, é isso que és
e connosco a grande maioria dos humanos:
sementes de um Mundo Novo

Juntemo-nos e germinemos pois!

Paulo Borges

25 de Fevereiro de 2013

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

AMAZÓNIA
 
 
 
 
 
 
CELESTE BEIRÃO
 
 
AMAZÓNIA, património perdido. A destruição das florestas tropicais é responsável por aproximadamente um quinto das emissões globais de gases do efeito estufa. A Amazónia a maior floresta tropical do planeta perdeu, só no Brasil, mais de 700.000 m2 nos últimos 40 anos. Sendo a EU importadora de quase metade da madeira amazónica. ..A peça apresentada é constituída por dois universos que representam uma dialéctica entre globalização e ambiente. Os conceitos explorados fundem-se em dois planos que formam o cenário onde decorre a acção. No primeiro apresento, através da utilização de uma mala de porão, a mobilidade, transportando-nos para o passado, mala essa que aprisiona memórias, folhas caídas prisioneiras de sonhos, árvores que brotam do seu interior como gritos. Numa outra leitura poderá significar o sacrifício do meio ambiente em prol de interesses económicos e da crescente necessidade de mobilidade das populações em busca da sobrevivência. Num segundo plano, como que constituindo o pano de fundo surge um conjunto de fragmentos que representam as vivências inerentes ao primeiro processo, um conjunto de 418 elementos onde a mancha assume o papel principal. O trabalho é composto por 418 quadrados de 10cmx10cm, em acrílico sobre papel, pintados separadamente e posteriormente agrupados resultando num painel, uma mala de porão, ramos de árvores e folhas. A sua dimensão poderá ser variável, adaptando-se ao espaço onde possa vir a ser exposto, sendo no entanto preferencialmente apresentado como nas fotos fornecidas 197 x 225 x 66 cm.