domingo, 10 de março de 2013

 
 

Foto de Edgar Cantante num pormenor de M.J. Croca


PARA A FOME, PÃO.  PARA A SEDE, ÁGUA.

 

Não quero agora falar.

Nada de relevante teria para dizer e falar banalidades? Para quê?

Não vale a pena.

Não se devem malbaratar as palavras pois isso só lhes retira substância e significado.

Porque é com palavras, também, que se explicam e organizam os sonhos - estádio transcendente dos pensamentos - e se clarificam posições.

Porque é com palavras, também, que se reza e se mimam os filhos, se declaram amores ou manifestam diferenças e vinculam antagonismos.

É, também, com palavras que nos despedimos ou estabelecemos pontes com o que nos queremos aproximar.

Com palavras, também, se faz a liberdade, sacodem mordaças, se constrói o futuro.

Também com palavras nos calamos ou soltamos o grito que nos embaraça.

Por isso devemos observar alguns cuidados ao uso que delas fazemos.

Há alturas em que devemos usar as palavras com a delicadeza que dedicamos às crianças ou a firmeza que o cirurgião aplica no bisturi.

A torrencialidade verbal resvala facilmente em demagogia que enfraquece o ferro e estilhaça o vidro.

E até mesmo as paredes que erigem o edifício em que cada um sempre se acolhe, se esboroam nas palavras que levianamente se soltam ao vento.

Pensar, reflectir, amassar numa mesma massa as ideias que se pensam no ritmo do pulsar dos sentimentos - que das entranhas nos sobem aos olhos e consciência em marés que o viver dita - e só depois nos permitirmos acrescentar ou completar o pensamento que buscamos concretizar, na obra que queremos construir.

Então, só então, devemos anunciar:

- Quero falar, tenho coisas a dizer.

Creio que será por aqui que nos conseguiremos afastar desta obscena feira onde se comercializam, com palavras, os princípios e os valores.

Não será?
 
E NO ENTRETANTO …
 
É tão possível outra canção…
É tão possível outra atitude…
Sem carpir mágoas nem lamentar o que se perdeu.
Porque é assim que, agora, somos é assim que, agora, nos damos.
O atrito, no soletrar das palavras, esbate a magia no encontro.
Por isso, só por isso, nos calamos.
Deixamos apenas o olhar para que, assim, todos nos possamos entender.
 
 
 
                                                             Manuel João Croca
 
 

10 comentários:

Diogo Correia disse...


Bela esta fotografia do Edgar!

Fotografar o céu, sim, mas com um simples rodar a maquina, que dá-lhe algo de muito original.

E com o belissímo texto do Croca, todo ele é poesia

PARABENS COMPANHEIROS

ABRAÇO
Diogo

Amélia Oliveira disse...

Também é com palavras que gostamos, como é hoje o caso!

Engraçado que tenhamos que usar palavras para pensar as palavras - porque só o que é verbalizado É, não concorda? Tudo o que É tem que ter um nome,todas as acções têm que ter um verbo, todas as qualidades um adjectivo! É o uso que fazemos destes verbos, nomes, adjectivos, que varia consoante os momentos, as pessoas, os sentimentos...
Eu gosto de Palavras, confesso! De umas mais e de outras menos! Verbalizar ajuda-me a pensar, tanto quanto ler ou ouvir o que pelos outros é dito ou escrito!

Mas concordo com o final do seu texto: também se pode ler nos olhares, como no voo dos pássaros, no despertar da natureza para uma Primavera que se anuncia ou, como na bela fotografia que o ilustra, nas nuvens que parecem mar!

Um bom domingo e obrigada pelo belo momento!

Amélia

luis santos disse...

Temos pensado nissso: a diferença entre a palavra dita e escrita, entre a delicadeza e a verborreia. A diferença entre a palavra feita verdade e a demagogia para uso privado, no arregimentar das clientelas. Magnífica a foto, preciosas as palavras. Abraços.

A.Tapadinhas disse...

Luz da fotografia, misturada com o som luminoso da palavras...

Sinfonia que os ilustres amigos dedicam, neste canto de beleza, a todos os visitantes.

Bem-hajam!

António

estudo geral disse...

Caros Amigos, fico muito contente por terem gostado do conjunto.

Cara Amélia, desta vez não estou de acordo consigo.
Muitas das vezes o que É não se consegue verbalizar.
Há coisas importantes, talvez mesmo fundamentais, que se não conseguem dizer.
Estão antes - ou talvez depois - das palavras sendo que, no caso, se antes ou se depois pouco importe.
Até pode ser uma limitação minha mas, ainda assim, não posso deixar de confessar: Há coisas que eu não sei dizer.

Mas gostei muito do seu comentário e não creio que esteja a cair em contradição.

Amigo Luís, voltamos a entender-nos pois claro.
Naturalmente não fiquei nada surpreendido com o facto.
Mesmo nada.
São assim as coisas...

A foto.
Bem, a foto é apenas um pequeno rectângulo que eu roubei do céu de uma foto do Amigo Edgar.
Ele com certeza que me permitirá o abuso e não ficará zangado.
Para mim foi uma cedência que fiz a um apelo irresistível para ilustrar um caminho que, acredito, mais não é que "A Procura da Luz".

Abraços Grandes.

Manuel João Croca

Luís F. de A. Gomes disse...

As palavras são as moléculas do entendimento. Conforme as soubermos combinar, melhor seremos capazes de descrever o envolvente ou não, do mesmo modo que seremos capazes de comunicar com mais ou menos eficácia. As palavras envelhecem porque o tempo não pára e as culturas vão-se alterando ao longo dele e por isso os contextos se alteram e, por vezes, os significados e usos de certas palavras podem ter perdido o enquadramento original e adquirido outras expressões ou até terem desaparecido de todo; aí diz-se que estarão mortas, mas eu prefiro dizer inertes, pois na morte ficarão aquelas que a memória jamais terá como recuperar ou até chegar a saber que alguma vez tenham sido proferidas. Mas as palavras não se gastam, apenas há aqueles que conjuntural e interesseiramente lhes querem baralhar significados e importâncias e a respectiva força das mesmas; contudo, mesmo quando isso acontece, as palavras permanecem, quais moléculas do entendimento, eternamente à espera das devidas combinações e isso depende da vontade dos homens – dos caracteres e dos valores de cada um – que, curiosamente, a expressam através das palavras, precisamente. A palavra, afinal, é como que uma fotografia de tudo o que existe nas culturas humanas, pois é através delas que expressamos, designamos, tudo o que possamos conhecer no Universo. É pois muito importante todo o cuidado que devemos ter com elas e é por aí que se começa quando queremos ser pessoas interventivas nas comunidades em que vivemos.

Tu expressaste isto mesmo de uma forma poética. Gosto mais da forma como o fizeste. É que as palavras, para além de tudo, ainda têm o poder do encantamento, a plasticidade do que é moldável a fim da beleza e aí são elas as moléculas da Arte em literatura e esse é o lado lúdico das palavras, a lembrar-nos que nós, os seres humanos, temos a propensão para o onírico na nossa natureza.

Aquele abraço, companheiro

Unknown disse...

A propósito das palavras, também a mim me acontecem poucas:

poucas as palavras
de certas
são muito

decerto
tão pessoas
tão vidas de ainda não
tão novas de terem sido
tão certas de muito ser
tão poucas
para dizer

palavras nenhumas.

Amélia Oliveira disse...

Boa noite, Manuel João!
Ainda bem que não concordou comigo - assim fez-me pensar mais um pouco sobre o que quis dizer. Suponho que pensei sobretudo num plano concreto, em que tem necessariamente que haver um nome para tudo o que existe, caso contrário não existe. Depois, o facto de não conseguirmos verbalizar não significa que não seja verbalizável - é algo que dependerá do sujeito e não do objecto.

Mas concordo consigo,claro, quando refere que há coisas que não sabemos dizer. Aliás, lembro-me de tal me ter acontecido (e acho que o referi) com a sua definição do 'sentir-se em casa': eu não o saberia definir, contudo as palavras existiam e o Manuel João combinou-as de uma forma belissima.

Espero ter sido clara - e um abraço!

Amélia

MJC disse...

Caro(a)s Amigo(a)s, bom dia.

Muito obrigado pelos vossos comentários.

É evidente que não ignoro a importância imprescindível das palavras. Seria completamente idiota da minha parte.
As palavras servem para tudo. Inclusivé para transmitir o conhecimento e muitas outras coisas boas.
Mas, há alturas em que parece que vamos explodir perante tanta verborreia,tanto cinismo e tanta falsidade. Perante tanto falar sem nada dizer.
Sei que são situações estranhas e desconhecidas aqui no nosso estimável Estudo Geral mas, como sabemos, uma andorinha não faz a Primavera.

Continuemos, pois, este saudável convívio, troca de experiências, reflexões e pensamentos que comummente nos enriquece e gratifica e entenda-se o meu texto como uma manifestação de repulsa pelos demagogos e comerciantes das palavras.

Um grande abraço e um resto de bom dia para todos.

Manuel João Croca

MJC disse...

Caro(a)s Amigo(a)s, bom dia.

Muito obrigado pelos vossos comentários.

É evidente que não ignoro a importância imprescindível das palavras. Seria completamente idiota da minha parte.
As palavras servem para tudo. Inclusivé para transmitir o conhecimento e muitas outras coisas boas.
Mas, há alturas em que parece que vamos explodir perante tanta verborreia,tanto cinismo e tanta falsidade. Perante tanto falar sem nada dizer.
Sei que são situações estranhas e desconhecidas aqui no nosso estimável Estudo Geral mas, como sabemos, uma andorinha não faz a Primavera.

Continuemos, pois, este saudável convívio, troca de experiências, reflexões e pensamentos que comummente nos enriquece e gratifica e entenda-se o meu texto como uma manifestação de repulsa pelos demagogos e comerciantes das palavras.

Um grande abraço e um resto de bom dia para todos.

Manuel João Croca