domingo, 3 de março de 2013





                                                       Pintura de Luís Delgado (óleo sobre tela)



ATRÁS DOS TEMPOS VÊM TEMPOS E OUTROS TEMPOS HÃO-DE VIR

Na sala do centro de emprego estava afixado um poster das Edições Itau.
Eu reconheci-o e a sua lembrança fez-me recuar no tempo, aos tempos da juventude, e às vivências que nos ajudavam a crescer bem, ou eu assim o considero, da Academia Musical e Recreativa 8 de Janeiro em Alhos Vedros.
O poster reproduzia uma fotografia e um poema.
A fotografia mostrava várias coisas.

Um casal de jovens adolescentes sentados no chão – ela com as pernas estendidas por entre e sob as pernas flectidas dele, troncos enlaçados, apertados – encostados a um muro de tijolo com vedação superior em ferro. Ao lado deles e encostada ao muro, uma bicicleta. Os jovens beijavam-se completamente apaixonados. Totalmente absorvidos naquele beijo.

O poema dizia:

“O amor é um pássaro verde num campo azul no alto da madrugada.”

O poema identificava o seu Autor:

Victor Pinho Moreira, 8 anos.

A espantosa clarividência luminosa das crianças…

No centro de emprego as pessoas estão normalmente carrancudas, maldispostas, aborrecidas e, por vezes, até zangadas.
Como, se calhar, até se compreende.
Algumas incomodaram-se com o poster e transmitiram isso mesmo, manifestando-se.
“Olha-me estes, só me faltava virem armados em poetas …”

E eu achei que, de facto, há circunstâncias que tornam difícil o bom gosto e a predisposição para a felicidade.
Poderá alguém ser condenado pelas infelicidades que lhe saem em sorte?



Texto: Manuel João Croca


5 comentários:

Unknown disse...

Fiquei a pensar que precisamente por haver "circunstâncias que tornam difícil o bom gosto e a predisposição para a felicidade", são tão importantes os poetas. E é preciso "poetar" bem alto... mesmo quando o poema incomoda, ou até por isso. Obrigada, Manuel João.

luis santos disse...


O centro de emprego, é um bom sítio para se ler um poema sobre o amor, ou qualquer outro tema que revele bom gosto como é o caso, ainda que a nossa predisposição não seja a melhor. Beleza e tristeza podem coexistir. Beleza poderá trazer alegria.

Quanto às infelicidades que lhe caem em sorte poderá, eventualmente, ser uma questão de perspetiva: aquilo que às vezes nos parece uma infelicidade poderá, em boa verdade, esconder por detrás algo de muito mais digno.

Numa resposta mais dentro do lugar comum, diremos que uma pessoa por si só nunca poderá ser totalmente independente do contexto social que a envolve, mas que, por outro lado, esse contexto social é o resultado da participação que o indivíduo exerce na sociedade.

Por isso, viva o amor e a beleza que trás felicidade, embora como dizia o poeta "sem um bocado de tristeza não se faz um samba não".

Abraço.

Amélia Oliveira disse...

Que bonito o que nos trouxe hoje, Manuel João! É bom reflectir sobre a importância da poesia nos tempos que correm, seja ela na forma de palavras ou noutra qualquer! O quadro do Luís Delgado também é um 'poema' muito bonito!
Obrigada!

Luís F. de A. Gomes disse...

Oh, companheiro, tocas no âmago, vais onde o sangue verte, em torrente, quando há corte.
Afinal que liberdade tem um sujeito com a barriga a dar horas, não é?

É claro que há o livre arbítrio; é claro que há o bom carácter; é claro que maneiras de ser e há as luvas que podemos ter para proteger as mãos; por isso, é claro que apesar de tudo, as pessoas podem estar tranquilas dentro de si, mesmo nas chamadas situações limite.
Mas também não deixa de ser claro que as circunstâncias podem trazer azedume aos mais desprevenidos e se atentarmos para as contingências das suas vidas, muitas vezes, por mais estranho que nos possa parecer, somos capazes de entender, compreender que a inquietação de uma vida se expresse de modo(s) que a cru poderíamos considerar menos inteligente.

Texto acutilante, portanto e profundo, Manuel João, muito mais profundo do que à primeira vista poderá parecer e ainda para mais, bonito, como diz a Amélia e justamente pelos motivos que ela diz.

Mesmo no tempo do indizível, poderemos manter a cabeça levantada e a lucidez do discernimento. Não é fácil, nem sempre o consegui(re)mos, é certo, mas, ainda assim, possível.

Obrigado por nos teres lembrado isso, hoje.

Aquele abraço, companheiro

Luís

MJC disse...

Caros Amigos e Companheiras da Blogosfera, vivam todos!!!

Em primeiro lugar quero agradecer-vos pelos vossos comentários. Gostei de todos.
Depois, sempre poderia ir dizendo:

à Teresa que, pois claro! para além de ser a síntese fundamental, a poesia é uma latitude indispensável à dimensão humana. Fico feliz e eu é que agradeço as suas palavras de Artista multifacetada;
ao Amigo Luis Carlos diria que gosto sempre do seu abraço e que é muito bom saber que sim, que é claro que nos entendemos e que o sorriso claro que está lá. E pronto. A jangada navega, vai. Abraço.
À Amélia, manifestar a minha alegria por ter gostado do que trouxe para partilhar com os Amigos que se vão tornando cada vez mais importantes pela substância que vai levedando, descobrindo-se;
Ao Amigo Luis Gomes porque a sua erudição sedimenta as pedras que constróiem a habitação onde se alojam os peregrinos dos princípios e dos valores.
É assim que nos entendemos e, isso, é tão bom...
Abraços.
Agradeço! Bem hajam!!!

Manuel João