domingo, 31 de março de 2013





Foto: Manuel João Croca


NA PÁSCOA


E foi assim que se passou.
Sentir uma vontade danada de ir ao encontro da natureza na sua forma mais pura – aquela em que a mão do homem ainda lhe não alterou a geografia original – sem pensar sequer no risco de se perder.
Sentir, e ir.

Saltar uma – ou a - cerca (as terras agora estão quase todas cercadas), e embrenhar-se pelo tapete verde que almofada o montado e sentir o verde, a imensidão daquela atmosfera verde.
Ouvir o som da água a correr caudalosa lá em baixo e aspirar o cheiro que sobe, evolando-se,  espargindo tudo. Observar os regos de água cruzando o montado numa maturação de humidade. As flores desabrochando em todos os tons, coelhos correndo espantados pelo invasor desconhecido, e o mistério da vida revelando-se na sua essência primordial sob a forma de uma onda de fecunda harmonia.

Quadros que poderiam ser transportados de épocas ancestrais, ainda não violados pela artificial fragmentação do tempo que marca o ritmo das nossas urbes, clones de outras urbes, de outras urbes, catedrais de consumos e artificialidades.
Tudo ali parecendo feito na hora, revelações apenas desfrutadas na medida em que se alarga o horizonte visual.
Uma eterna e renovada revelação.
Metamorfose ao ritmo das estações, dos dias e das horas sem introdução de mecânica artificial que permita a prepotente manipulação da expressão do tempo representado em directo.

Por isso, ali se sente o franquear de um santuário verdadeiro e se pode ouvir o que um Cristo fala, exaltação de uma verdade que já se não aprende nos livros – pois que está antes ou depois deles -, e que, na natural e estimulada contraposição aos propósitos e ritmos com que ocupamos os dias, nos confronta com uma praxis que conduz a um futuro inevitável, mas de que se regressa sem saudades, antes assombrados pela visão do que se não gosta mas nos é imposto pelo sentido da deriva colectiva.

A roda da história dirão, a roda da história dirá, porque um só homem não desenha ou contém o curso da diáspora colectiva ainda que a mesma possa ser refém de um olhar alienado e superficial, que se afasta do bom senso que indica que a um exterior corresponde um interior por vezes muito mais intricado do que a instantânea leitura da revelação a preto e branco sugerida por uma fotografia.

E é já como num lamento e sentimento de impotência que clama: “olhai os lírios do campo”, na expectativa irrealizável de que tal bastasse para que o homem se sentisse saciado.

Mas não, a percepção dessa paz e harmonia leva-o a procurar coisas, sempre mais coisas, de que se possa apropriar de forma privada, e pretendendo exclusiva, na tentativa de as recriar e tornar permanentes sem discernir, ainda, que o que procura não está nas coisas, antes em si, e na viagem que conseguir realizar com e no Mundo.

Manuel João Croca




Foto: Edgar Cantante

6 comentários:

Amélia Oliveira disse...

Quando tudo o resto parece falhar, ainda é à Natureza que se consegue arrancar esse sentimento de plenitude - o olhar 'os lírios do campo', as ondas que rebentam contra as rochas, os mantos amarelos e roxos que cobrem os campos...

Desejos de uma Boa Páscoa!
Amélia

luis santos disse...


Na Páscoa a divina natureza. Imanência e transcendência. Por dentro e por todo o lado. Abraço.

MJC disse...

Cara Amélia, obrigado pelo comentário.
A natureza é uma vitamina muito eficaz embora, tanto quanto sei, não funcione com todos.
O que é uma pena porque é grátis e está sempre disponível.

Gostei muito de nos termos conhecido pessoalmente. Ainda há surpresas agradáveis.

Desejo também uma óptima Páscoa.

Um abraço.

Manuel João

MJC disse...

Amigo Luís, fico sempre maravilhado (e confortado)com os abraços que a natureza oferece e que, sendo divina deveria também ser sagrada, nos dá tanto sem nada cobrar.
Imanência-transcendência, pois claro.
Já tinha escrito este post antes de teres publicado o teu. A meu ver articulam-se bem. Fiquei contente com isso.
Um abraço.

Manuel João

Amélia Oliveira disse...

Pois é, cada um funciona com diferentes 'vitaminas'...

Foi, de facto, uma muito agradável coincidência! Assim os nomes passam a ter rostos, não é verdade? Que bom!

Um abraço!
Amélia

MJC disse...

E é muito bom que cada um possa escolher as vitaminas que mais gosta ou resultam melhor. Oportunidade de escolha será em princípio uma coisa positiva.

Também gosto muito mais que os nomes tenham rostos. É mais colorido, sei lá.

Abraço.

Manuel João