terça-feira, 26 de março de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



E aqui está a força de um regime que não só não hesita em reprimir qualquer opositor, como, pela forma como reage às situações em que vê a sua legitimidade posta em causa, dá mostras de estar de pedra e cal, pelo menos, quanto a mim, enquanto Salazar for vivo. Continuo a pensar e os últimos desenvolvimentos apenas contribuem para reforçar essa convicção, houve uma grande ingenuidade da parte dos homens da oposição no modo como até pareceram estar convencidos que uma hipotética eleição do General Delgado para a presidência da república poderia levar a uma alteração e mesmo ao fim da actual situação. E a verdade é que a resposta não se fez esperar, a começar pela onda de prisões que se seguiu que foi de tal maneira avassaladora que levou à frente tudo e todos, incluindo aqueles que nenhum papel desempenharam para lá de terem mostrado o seu apoio e, entre aqueles que têm acesso ao voto, naturalmente o escolheram no boletim daquele acto eleitoral. Não contentes com uma tal violência que silenciou uma boa parte das vozes dissidentes, não se inibiram os nossos dirigentes em demitir a alta patente militar das suas funções e, não fosse o homem ter conseguido refúgio numa embaixada, em Lisboa, em vez do exílio no Brasil, para onde veio a seguir não sem antes um certo escândalo, estaria também ele agora atrás das grades e seguramente sujeito às mesmas humilhações e espancamentos que os seus apoiantes e os restantes prisioneiros políticos, em geral, sofreram. E foi este o resultado e o desfecho do sonho de uma alteração política no sentido da democracia, no país: repressão a rodos e o reforço do regime repressor. Que mais poderá agora fazer o General, só e distante, sem qualquer meio para intervir no quotidiano da sociedade portuguesa? E se são dias conturbados os que vamos vivendo, com o nosso império colonial sob a tensão das independências asiáticas e africanas e cada vez mais confrontado com as reivindicações da União Indiana sobre o Estado Português da Índia que há pouco viu os enclaves de Nagar Aveli e Dadrá ocupados por manifestações de pro-independentistas ou, para ser mais precisa, adeptos da integração naquele novo e imenso país que no fim da década passada se separou da coroa britânica. Não sei como virá a ser resolvido aquele problema e portanto não serei capaz de adivinhar se no fim serão os indianos ou os portugueses a ganhar. Uma coisa me parece evidente; Portugal não tem qualquer possibilidade de se defender de uma invasão e ocupação militar, mas não deixa de ser verdadeiro que as nossas autoridades têm sabido manusear o direito internacional para protelarem o mais possível, para não dizer evitarem tal acontecimento e, com efeito, têm conseguido dar conta do recado, pelo menos até ao momento. Até por não ser muito difícil de perceber que disso dependeria, em última instância, a manutenção de todos os territórios ultramarinos e, consequente e eventualmente, a própria sobrevivência do regime. A anexação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana abriria de certeza um precedente que rapidamente viria a ter repercussões nas colónias africanas, assim como em Macau e Timor que, respectivamente, a China comunista e a recém-independente Indonésia não deixarão de querer para si. Daí a minha descrença quanto às possibilidades de mudanças políticas pelas vias que tradicionalmente a oposição tem utilizado. Compreendo a raiva e a revolta, até o ódio com que o senhor Abel saiu desta prisão que sofreu. Duvido no entanto que as ideias que expressou aqui há uns dias sejam minimamente plausíveis. Honestamente creio que decorreram mais do sentimento de impotência que se tem apoderado de todos nós e dele, em particular, ainda que isso não admita, que de uma qualquer leitura razoável da realidade nacional. Bem, só espero que o meu querido amigo não cometa uma qualquer asneira grave por causa disso. Seja como for, não me parece que tenha alguma razão quando defende a ideia de que só através de um golpe militar será possível derrubar o Estado Novo e instaurar um poder democrático. Sinceramente não vejo como. Afinal já houveram tantos levantamentos e todos foram tão facilmente aniquilados e os responsáveis presos… Teria que haver um consenso de tal maneira alargado nas tropas, coisa que não parece existir, pois só dessa forma poderiam os revoltosos lograrem os seus intentos sem mergulharem o país numa guerra civil que só por fantasia pode alguém aspirar a conseguir o bom sucesso de uma operação como essa. E a grande verdade é que todas as tentativas até aqui falharam justamente por em nenhuma ocasião se ter atingido essa condição prévia de unanimidade entre as altas patentes. Aliás, dificilmente poderia ser de outro jeito uma vez que as forças armadas são, elas próprias, um dos pilares mais sólidos do regime. Depois acho que o próprio povo não está preparado para se erguer em massa contra a situação e com isso forçar a abertura do actual estado das coisas. A maioria dos portugueses permanece pobre e, pela ignorância, privada de meios para se organizar com o dito propósito e depois, apesar de tudo, temos de reconhecer que a nossa economia começa a dar sinais de desenvolvimento que hão-de produzir efeitos benéficos a prazo que, em conjunto com a emigração cada vez mais numerosa para alguns países europeus, acabará por trazer o pão às barriguinhas e o conforto aos corpos que, no fim de contas, sempre é e será o mais importante para a larguíssima maioria das pessoas. Assim, também por este lado vejo como muito pouco provável uma qualquer alteração da estrutura do poder em Portugal num horizonte próximo. Por muito que nos custe, por muito que me custe admitir, isto é o que penso, é este o pessimismo que me consome, embora esteja pronta a aceitar que bem pode haver aqui um dedinho próprio da idade e certamente pelo efeito daquilo que sucedeu ao Manuel, a malvadez por que passou, também.
O meu amor é que anda triste desde que os pides o libertaram, aí uma bem contada dúzia de dias depois de o terem prendido sem qualquer motivo consistente e plausível. Tudo aponta para que tenha preferido nunca falar daquilo que terá passado, como tem sido a regra desde que regressou a casa, mas desde então ficou taciturno, deixou de o acompanhar aquele ar alegre que, mesmo em períodos de fadiga próxima da exaustão, sempre transmite a certeza que por mais fortes que sejam as rajadas, há ali um corpo e ânimo para lhes fazer frente. E custa-me ver que os seus olhos perderam ou, pelo menos, ainda não recuperaram aquele brilho característico de um homem tranquilo e feliz. Tenho-lhe dado tantos carinhos, tenho-me entregado tanto nos seus braços sem que a mais leve chama se lhe tenha suscitado no peito e de certeza na alma. O que fizeram do meu amor que por isso sofre e definha em frente do olhar incrédulo dos nossos filhos? É isto que os criminosos que sustentam um regime de bestas fazem a um homem.
Como eu compreendo a revolta do senhor Abel e como eu gostaria que tivesse razão naquilo que diz.

4 comentários:

A.Tapadinhas disse...

"É isto que os criminosos que sustentam um regime de bestas fazem a um homem."

Perante a falta de esperança no futuro, não é preciso mudar muitas palavras para se aplicar hoje, aqui e agora, em 26 de Março de 2013...

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Nem calculas a raiva que sinto por me ver forçado a concordar contigo neste particular.

Aquele abraço, companheiro

Luís

Unknown disse...

"A maioria dos portugueses permanece pobre e (...) privada de meios para se organizar com o dito propósito e depois, apesar de tudo, temos de reconhecer que a nossa economia começa a dar sinais de desenvolvimento que hão-de produzir efeitos benéficos a prazo". Onde é que ouvi isto, mas há muito pouco tempo?
Assusta-me - e, às vezes, menos do que seria razoável - saber que o povo, mais informado e formado do que outrora (espero!) está agora mais "preparado para se erguer em massa contra a situação" mesmo que isso dificilmente "force a abertura do actual estado das coisas". É que hoje não há emigração que nos valha para trazer o pão às barriguinhas e o conforto aos corpos que, no fim de contas, sempre é e será o mais importante para a larguíssima maioria das pessoas. E já se nota! Já se nota, sim!

Luís F. de A. Gomes disse...

Infelizmente, hoje, como ontem, voltámos à situação em que teremos que morrer nas trincheiras da liberdade e da dignidade humana. De outra forma, não vejo como seja possível conter a ganância que em guerra se abate sobre aqueles que já nem têm emigração que lhes valha para aquilo que é o fundamental na vida de todos e que até os cegos são capazes de notar. Pior que isso, é o único caminho em que seremos capazes de manter a esperança, a esperança num mundo mais justo, pois a alternativa é a continuidade desta travessia insana que forçosamente terminará no estoiro das condições de Vida, tal como a conhecemos neste berlindezinho cósmico, por enquanto, o único lugar que temos para morar na imensidão deste Universo.