quarta-feira, 10 de agosto de 2016

MARGENS DA VIDA

Terminadas as férias deste ano, aqui regresso de novo com a minha
habitual publicação poema da semana. Hoje com este tema declamado
que nos convida a uma reflexão sobre a nossa fragilidade humana.
Veja e ouça este tema aqui neste link:

http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Margens_da_Vida/index.htm

terça-feira, 9 de agosto de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Eduardo Chevarnadze abdicou da presidência da Geórgia e rumou ao exílio, na Alemanha, onde é considerado bem vindo por homens que não esquecem o papel que teve para que a reunificação daquele país tivesse acontecido na dispensa da força das armas. 
E, mais uma vez, aquele líder que já pisou os palcos da História mundial como um dos seus principais intérpretes, possibilitou que a paz civil não sofresse alterações de mais e uma sua ex-protegida e presidente do parlamento sucedeu-lhe com todos os poderes e meios para manter a ordem e convocar a repetição das eleições daqui a quatro meses. 



Mas ontem à noite interrompi a leitura para atentar num interessante documentário sobre Robert Kennedy. 
Na qualidade de principal conselheiro e titular da justiça durante o mandato do seu irmão Jonh, foi ele a alma jovem que deu rosto à quimera de uma sociedade mais justa, tanto pela luta implacável que deu ao crime organizado, como pelo forte empenho na luta pelos direitos civis dos negros. 
Quem sabe se não foi o primeiro daqueles episódios que o perdeu. 
A verdade é que vimos imagens do todo poderoso líder dos sindicatos dos camionistas, Jimmy Hoffa, apodando Bob Kennedy de fascista. 

Onde é que nós já ouvimos isto? 

Só lamento não ter gravado o programa e nem mesmo ter ficado com as referências, mas não o acompanhei desde o início. 

Lição a reter. 
Lá como cá, então como agora, o crime organizado é um dos maiores inimigos do estado de direito e da civilização democrática. 


E muito a propósito aí está a entrevista do Engenheiro Leal Martins para o lembrar. 
É ler e chorar, não por mais mas de vergonha. 
O ex-Presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil denuncia um corrupio de corrupção que permite a certos grupos de interesse sugarem os dinheiros do estado. (1) 

Está na hora dos cidadãos se organizarem e correrem com esta cambada. 



A aula desta manhã, foi inteiramente dedicada à aprendizagem do número três. 



A noite está fria. 
Aquece o beijinho aos pardalitos que dormem. 


 Alhos Vedros 
  24/11/2003 


NOTA 

(1) Leal Martins, ENTREVISTA A, pp. 22/23 


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 


Leal Martins, ENTREVISTA A, In “Público”, nº. 4995, de 24/11/2003

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (215)

O Almoço do Trolha, Júlio Pomar, 1950
Óleo sobre Tela, 120x150 cm
O Portugal Futuro
O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

Ruy Belo, in 'Homem de Palavra[s]' 

Selecção de António Tapadinhas

sexta-feira, 5 de agosto de 2016


RECEITAS E DESPESAS DO ORÇAMENTO DA ALEMANHA PARA 2017

Travão da dívida - Receitas 328,7 mil milhões e despesas 328,7 mil milhões €

Por António Justo

Schäuble, ministro das finanças, conta com 328,7 mil milhões de euros de entradas nos cofres do Estado e pretende também em 2017 um orçamento federal equilibrado, sem recorrer a dívidas.
Receitas provenientes de impostos 301,8 mil milhões, outras entradas 26,9 mil milhões.

As despesas previstas distribuem-se 138,6 mil milhões para os departamentos “Trabalho e Social” (reformas, desemprego, etc); 36,6 mil milhões para “Defesa”; 26,8 mil milhões para “Transportes e infra-estrutura digital”; 20,1 mil milhões para a “Dívida” (juros); 17,6 mil milhões para “Educação e pesquisa”. Estes dados encontram-se mais detalhados no site do governo www.bundeshaushalt-info.de

Schäuble quer manter um orçamento de estado equilibrado em que o Estado só pode gastar tanto como o que recebe. Desde 2012 há na Alemanha a chamado “travão da dívida” que obriga os estados federais a não recorrerem a novas dívidas para o orçamento (excepção em caso de catástrofes da natureza e de situações de especial necessidade). Novas dívidas são tabus.

Para despesas com refugiados estão previstos 19 mil milhões. Foram também previstos 2,6 mil milhões para apoio da segurança em medidas de fomento da polícia como resposta à nova situação criada pelo terrorismo internacional que quer fazer da Europa um lugar do medo e do alarme. De facto, na Alemanha notam-se menos turistas dos USA e da Ásia devido ao medo do terrorismo.

Uma das razões porque a Alemanha anda sempre à frente

Os estados federais mais ricos pagam todos para um Fundo de compensação financeira do qual são distribuídas determinadas quantias para os estados alemães mais pobres.

Com o travão da dívida a Alemanha toma medidas de precaução em relação ao futuro para então conseguir encontrar-se em posição vantajosa aos outros Estados. Já fez o mesmo com a agenda 10, que a colocou a Alemanha em situação de concorrência a nível de produtos e de salários com outros países. A Agenda 2010 foi um programa de reforma do sistema de previdência alemão e do mercado de trabalho, criado e amplamente implementado de 2003 a 2005 pelo governo federal de esquerda que era então formado pelo SPD e pelos Verdes. Fizeram legislação muito incidente nos sectores da política económica, da política de educação, do mercado de trabalho, do seguro de saúde, das pensões e da política familiar.

Na Alemanha, também os partidos de Esquerda e os sindicatos são reivindicativos mas, quando se trata do bem da Alemanha e do povo alemão, todos se unem na defesa dos interesses nacionais. Embora de esquerda, aquele governo, foi o que elaborou mais medidas restritivas, em relação aos trabalhadores e aos contribuintes em geral. Independentemente de uma análise a favor ou contra diferentes políticas, refiro isto, no sentido de cada país tentar resolver os próprios problemas com diferentes políticas para não terem de andar sempre a lamentar-se atrás dos outros. Portugal e o Brasil precisam de desenvolver uma nova mentalidade política e social em que os interesses partidários, patronais e sindicais se subordinem aos interesses reais do país e da sua população.
Na Alemanha, a discussão séria pública circula toda ela em torno dos problemas reais da sociedade alemã no contexto internacional e nela tanto esquerda como direita se sentem comprometidos; ao contrário do que acontece noutros países em que se assiste mais a uma esquerda do “eu boto abaixo para poder arribar para cima”.

António da Cunha Duarte Justo


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Uma outra arte de José Gil


Abraço Sol e Sal
Baiuka

a minha esposa linda, Solange, nem longe nem perto,

Regresso com cerejas para os teus seios ao percurso S. João-Cascais
o alcatrão sensível nos regaços do mar escrevo na Baiuka num
abraço pelo oceano de Sol e de Sal, litoral do corpo
minha mão rente aos cabelos curtos de fogo
a vulnerabilidade da pluma,à tua volta,pulsões ocultas
num mar verde e azul transparente como a tua bondade

esperei muitos dias para chegar aos nossos dias de Agosto
linha de água possível para a frescura da hora quente

escrever é estender a vontade de viver rente ao teu corpo de  areia ,

2/8/2016
Cascais


José Gil

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Herança


Fazenda Invernada de 1822 (em reforma) Morro Agudo-SP
                                                                          Fonte: Informativo (Jornal da Carol) 2005                                                                   
                                                
É triste ver cidades com séculos de existência destruírem o seu patrimônio histórico-arquitetônico em nome do tão sonhado progresso. Derrubada de casarões e de edifícios de época é feita da noite para o dia, sem a menor consciência. Que desenvolvimento é esse que apaga da sua história as marcas e caminhos percorridos por seus antepassados? Como exigir dos cidadãos de agora amor e respeito ao solo que os viu nascer se eles não têm referencias e exemplos a seguir? Como desenvolver sentimentos de identidade, pertença e orgulho, se eles não conhecem suas raízes, passado, lutas e conquistas! Como formar indivíduos briosos e valentes se eles não sabem de quem provêm, de onde vêm e para onde vão! Como poderão avaliar a força do gene que cada um traz em si, e que foi capaz de mobilizar gerações a ir atrás do sonho? 
                
É na sequência de gerações que o caminho se faz e se aprimora.  É nas marcas deixadas por elas que o orgulho de pertença aparece. É na herança que o passado nos deixa que o futuro se assenta e o progresso acontece.

A história interiorana é tão rica quanto seu solo.  Nele  se achou ouro, diamantes, pedras preciosas. Plantou-se e criou-se gado. Gente aventureira, desbravadora e destemida se instalou em seu território, fez coisas boas e más, aos trancos e barrancos, acertando e errando, trouxe progresso.

Longe do Poder Central e da civilização, os portugueses, depois de lutas, mortes e expulsões, conquistaram a região. Abriram com a ajuda dos índios aculturados picadas e caminhos, vararam rios e florestas, fundaram arraias e vilas, destruíram tribos e quilombos.  Ganharam sesmarias, compraram e se apossaram de terras, fizeram grandes fazendas onde desenvolveram latifúndios que, com ajuda do escravo e do caboclo, mais tarde dominaram a política do interior brasileiro.

Há quase duzentos anos, uma das famílias que marcou esse espaço fundou em Morro Agudo, na margem esquerda do Ribeirão do Carmo, a Fazenda Invernada.

                                                  Fazenda Invernada (de 1864) Morro Agudo-PS
 Fonte: Informativo (Jornal da Carol) Maio/2005

A idéia inicial do Tenente Francisco Antonio Junqueira, do seu irmão João Francisco, e do seu cunhado o alferes João José de Carvalho era pousar para invernar, mas gostaram tanto do local que ficaram e construíram uma fazenda que subsiste até os nossos tempos.  Nela Francisco Antonio estabeleceu-se definitivamente, criou seus 21 filhos (dos quais sobreviveram sete), criou gado e produziu queijos para a venda. Um dos seus filhos, Francisco Marcolino Diniz Junqueira, herdeiro que ficou com a Fazenda Invernada, se tornou um grande produtor de bovinos, porcos, muares e cavalos. Foi dessa geração que saíram os protótipos dos Mangalarga, orgulho da raça eqüina do interior. Nestes quase 200 anos de gerações da família o patrimônio cresceu e o conjunto arquitetônico da fazenda (casa grande, senzala, dependências de serviço,...) foi preservado (1822/1864) e reformado para orgulho da Família Junqueira de Morro Agudo SP.

Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 28/07/16

Fonte dos dados:
Jornal da Carol (Maio/2005)

terça-feira, 2 de agosto de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

TRABALHOS DE PAI

Bem, este está a ser um fim-de-semana prolongado para as minhas gatinhas. A greve geral da função pública, na sexta-feira, permitiu uma folga inesperada que, pelos vistos, muito bem aproveitada foi com brincadeiras e jogos que têm durado até para lá das dez da noite. Rica vida. Como a Matilde cumpriu os deveres na tarde de quinta e a Margarida teve a sorte suplementar de não ter trabalho de casa para fazer, as preocupações deram lugar à fantasia que tanta falta faz ao bem crescer. E entre o sótão da Beatriz e os espaços desta casa, assim se têm feito as horas do lar. 


Ontem à tarde, a Margarida completou o trabalho sobre a História de Alhos Vedros no que não gastou mais que duas horas. 
Por motivos óbvios, fui eu quem dactilografou os textos que ela elaborou sobre alguns dos edifícios e construções mais antigas da Vila. Naturalmente respeitei o manuscrito e, para lá desta pequena ajuda, não tive qualquer outra interferência na realização do projecto. 

Atribulações de pai que assim teve que interromper a leitura vespertina. 

Mas devo dizer que o piolhinho merece nota máxima. 

O pai é claro, logo se encheu com um sorriso interior. 

O certo é que a miúda pensou e pôs em prática um trabalho a respeito das antiguidades do lugar, para o que escreveu pequenos textos a partir de fontes orais, escritas e de observação. Assim, após o conjunto das notas referentes aos objectos narrados, transcreveu a entrevista que fez ao senhor Padre Carlos e que lhe serviu de base principal dos dados processados. Tudo isto foi compilado num arranjo de folhas de acetato e a respectiva baguete a fazer de lombada, devidamente decorado com uma capa desenhada a cores e com o título manuscrito, “Álbum das Recordações Antigas de Alhos Vedros”. Embora o meu anjinho tivesse preferido usar as fotografias em conjunto com as palavras, respeitou a sugestão da colega de grupo e apresentou-as sob a forma de um placard em cartolina. 
Não se vê, mas ela consultou um livro para obter elementos sobre a Misericórdia e a pretensa cadeia e, para além das fotos, visitou o cemitério da Vila onde registou o ano da inauguração, visível no portão de entrada e, pelas datas mais recentes que observou nas campas, induziu o fim da sua utilização. 

Que encanto. 
Este meu tesouro aplica os conhecimentos com toda a naturalidade. 



Eduardo Chevarnadze parece estar prestes a abdicar da presidência. 
Felizmente, ainda que sob mediação do ministro dos negócios estrangeiros da Rússia, a transição do poder não implicará derrame de sangue. 
O propósito será repetir as eleições para o cargo de Presidente e para o Parlamento. 
Faço votos para que isto signifique o reforço dos hábitos democráticos naquele estado, embora deva confessar que nada sei sobre a situação naquela ex-república soviética. 

À época, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, Chevarnadze coadjuvou Gorbatchov no desmantelamento do império soviético que o deixou cair sob pressão dos sectores mais conservadores do então Partido Comunista da União Soviética 
Por um ou outro artigo de sua autoria que na altura tive oportunidade de ler na nossa imprensa, pareceu-me ser um homem sinceramente empenhado nas ideias democráticas. 
O que o dia a dia georgiano lhe permitiu, não sei. 
Daí o desejo, a esperança, sem qualquer fundamento que aquelas gentes possam encontrar o caminho da liberdade. 



Na quinta-feira, o último dia da semana estudantil, a aula foi mais curta que o habitual e centrou-se nos exercícios em torno da palavra sapato. 
Depois do almoço, os alunos regressaram à escola para se deslocarem ao pavilhão da Vélhinha onde participaram numa sessão sobre prevenção rodoviária. 
E a verdade é que ontem, no regresso da hora da natação, a pardalada veio a falar sobre o significado dos sinais de trânsito. 



E nessa noite desloquei-me à Escola Básica do segundo e terceiro ciclos José Afonso, a fim de assistir a uma assembleia de encarregados de educação do agrupamento vertical com o mesmo nome que engloba todas as escolas do ensino obrigatório em Alhos Vedros e ainda os jardins-de- infância da rede pública, supostamente para discussão de uma futura associação de pais correspondente àquela estrutura organizativa. 
Pois perdi o meu tempo. A reunião não teve qualquer preparação prévia por parte da comissão organizadora e, seria fatal, foi mal conduzida. A maior parte da sessão falou-se dos problemas disciplinares do estabelecimento anfitrião e das tricas comportamentais da escola primária da Quinta da Fonte da Prata; chegamos ao ponto de assistir a recriminações entre os presentes a propósito dos gestos civilizados dos respectivos filhinhos e, não fossem as palavras de uns professores da comissão executiva do novel agrupamento, só nos minutos finais teríamos abordado o tema do encontro – que, singularmente, nem teve ordem de trabalhos – e tão só para deixar que alguém se oferecesse para fazer parte dos corpos directivos da futura associação. 

Para já vamos esperar para ver. 
Haja o que houver, será este o primeiro ano de actividade pelo que não tem qualquer termo comparativo. Será, por isso, o ponto de referência para futuros propósitos e práticas. 
Aparentemente, não existe qualquer ideia nem modelo exequível para coordenar os trabalhos que, necessariamente, terão que desenvolver-se nas diferentes unidades de ensino do conjunto. 
Em conformidade, não será de mais pedir que seja esse o saldo deste primeiro mandato. Seria suficiente para lhe atribuirmos nota positiva. 
Sinceramente, receio bem que tal não venha a acontecer. 

Mas a história começa mal. 
Aquelas pessoas nem tinham conhecimento da existência da Associação de Pais da Escola Básica nº. 1 que está legalmente constituída e responde por um triénio de trabalho com provas dadas e balanço altamente positivo. Ora se é verdade que isto só lhes fica mal, não deixa de evidenciar a ausência de uma visão de conjunto para aquilo que se espera. 

Cá para mim não será desajustado se não perdermos de vista a utilidade daquele organismo que muito colaborou para que as melhorias na escolinha da Margarida permitam agora à Matilde a experimentação de um ensino em condições mais confortáveis. 
Oxalá que este sucesso se repita. 



A temperatura desceu. 
O Sol esconso dos últimos dois dias deixou que às chuvas sucedesse um vento frio sob uma luz que já não tem força para aquecer o ar. 
Só as nuvens se acinzentam para decorar o azul. 



A desonestidade intelectual em torno do problema iraquiano continua. 
Só falta o descaramento que permita dar vivas pelas balas iraquianas. 
Mas ninguém aponta uma alternativa para a guerra ao terrorismo e ninguém é capaz de mostrar que este não é um perigo letal para o nosso modo de vida. 
Esta guerra começou a onze de Setembro e foi desencadeada pela Al-Qaeda com os massacres que, nessa manhã de vergonha, operacionais daquela rede terrorista levaram a cabo em Nova York e Washington. Esquecer este pormenor é faltar à verdade. Não compreendê-lo representa a impossibilidade de requerer e apoiar a união das democracias ocidentais neste combate, sem a qual nos arriscamos a permanecer sob o efeito de uma chantagem insuportável. 

E nós não podemos ficar reféns de fanáticos imbuídos de uma visão do mundo em que a sharia é a única lei aceitável. 


Em França, o poder político já está manietado pela pressão que o integrismo exerce sobre os cinco milhões de muçulmanos que actualmente residem naquele território. A falta de firmeza com que o estado laico lidou com o problema dos chadores nas escolas públicas é disso uma prova. 

Deus queira que eu esteja redondamente enganado. 



Portugal continua a sua bolinagem sem rumo à vista, em velocidade de cruzeiro, até que algo extraordinário aconteça. 



A Matilde já usa a escrita nas brincadeiras. 


E eu vou buscar a Margarida que às cinco deixei na festa de aniversário da Sara, uma colega de escola. 
E aproveitarei o que resta do Domingo para ler. 
Aqui voltarei amanhã. 


 Alhos Vedros 
  23/11/2003

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (214)

 

Amanhecer nos Moinhos, Autor, António Tapadinhas
2009, Acrílico sobre Tela, 40x30 cm

É bom estar desperto
Logo que amanhecer
Para que entre a felicidade
Quando à minha porta bater.

António Tapadinhas


sexta-feira, 29 de julho de 2016

Pedro Du Bois, inédito


FORÇA E PODER
(Pedro Du Bois, inédito)

Na força
o desprezo
pelo arco em aliança

tenho no poder
a força que utilizo
em proveito

aproveito o esplendor
e me destaco perante
inimigos baratos e frágeis

no desprezo
a força do arco
sem aliança

a vista turva o alcance
do poder transferido em pedaços.

STRENGTH AND POWER
(Marina Du Bois, English version)

In strenght
the contempt
by the alliance arc

I have in power
the strength I use
in benefit

I enjoy the splendor
and highlight myself before
cheap and fragile enemies

in contempt
the strenght from the arc
without alliance

the blurred view to reaching
the power transferred in pieces.

 Outros poemas:

quarta-feira, 27 de julho de 2016

terça-feira, 26 de julho de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

PREÇOS DA APRENDIZAGEM

E no “Diário de Notícias” do passado Domingo lá continuou o diálogo epistolar entre o Cardeal Patriarca de Lisboa e o Professor Prado Coelho que apresentou a sua segunda carta. 

Desta vez melhorou um pouco, ainda que permaneça fora das questões mais pertinentes que se prenderiam com a concepção que hoje poderemos fazer de Deus. De qualquer forma, lá ficou no tinteiro o grosso daquela tralha sobre a hipocrisia da Igreja e como o discurso se debruçou mais sobre o transcendente, a contribuição ganhou um interesse que a primeira missiva não teve. 
Só é pena que o senhor seja pobrezinho de argumentos que praticamente se resumem às autoridades das citações. 
Delicioso é o termo, será o recurso a um Antigo para a primazia ao empirismo mais radical – “(…) todo o conhecimento, segundo Aristóteles, parte dos sentidos (…) (1)” – o que, de facto, a Física de Neils Bohr consente. Mas há uma certa infantilidade em pensar que é a Fé que nos escolhe. Somos nós que nos deixamos tocar por ela. Como e porque acontece? É um mistério que provavelmente nunca conseguiremos resolver e por isso admitimos que o mesmo sucede por Sua graça. Precisamente por isso faz sentido a objecção kierkegaardiana que o mestre cita sobre a irrelevância de um questionamento da Fé em termos individuais. 
Contudo há que fazer uma ressalva ou, se quisermos, um ponto prévio. 
São Tomás de Aquino tem razão ao sustentar que não podemos dizer o que é Deus. Só que não é disso que se trata quando queremos falar sobre Ele, pois não estamos com isso a procurar estabelecer uma verdade objectiva – grande arrogância, não? – apenas queremos apresentar de uma forma inteligível o nosso entendimento da Divindade, isto é, a nossa ideia de Deus que, como todas as ideias humanas, está sujeita à influência do nosso aparato cultural. 

E o tema que dá corpo ao título merece-me o seguinte reparo. 

Nós devemos abdicar de tudo o que sirva para humilhar a outrem, aquilo que possa ferir a dignidade do nosso semelhante. 
Nesse sentido, uma tal ideia de abdicação estará no centro de um pensar religioso sobre a Humanidade – mas também devemos acrescentar que não necessariamente apenas nesse; igualmente encontramos aquele como pedra angular de um qualquer humanismo que não se limite a mera retórica. Mas isso significa que abordamos o outro como irmão pela filiação divina, pelo que não podemos conceber a possibilidade de o maltratar, daí que ponhamos de parte, prescindamos, procuremos evitar qualquer que seja o instrumento, a palavra, a atitude que tenham por consequência o aviltamento dos outros seres humanos como nós. 
Ora aqui não se trata de um sacrifício, antes de um acto de alegria pois é com o coração cheio dela que assim agimos, com consciência de por o fazermos estarmos em comunhão com Deus. 
O sacrifício será outra coisa, de facto mais em conformidade com o que possa suceder no celibato dos padres católicos, aquele acontece quando em alternativa a nos realizarmos de um determinado modo, por amor a Ele arrepiamos o caminho em outra direcção que pondo em causa certos interesses, certos prazeres momentâneos, nos possa fazer sentir o gosto de caminhar ao Seu encontro. No entanto, aqui não se abdica para obter, abdica-se para partir, para dar. Se alguém abdicasse para obter algo em troca, dificilmente poderíamos estar a falar da alegria de dar, partilhar, mas antes numa visão utilitária da satisfação de um interesse. 

No próximo Domingo teremos a resposta do Senhor Cardeal Patriarca. 



Hoje a Margarida foi devidamente castigada pela Professora e eu tive que assinar uma comunicação alusiva ao seu mau comportamento. 
É claro que tanto eu como a mãe lhe fizemos ver que a punição foi merecida, pois a atitude foi grave; depois de ter perturbado uma visita de estudo a uma exposição na escola do segundo e terceiro ciclos da Vila, ainda teve a insensatez de, fugindo ao controle da Mestra, sob cuja responsabilidade naturalmente se encontrava, acompanhar outros colegas numa correria em direcção à sua escola. 
Tudo indica que a cachopa compreendeu o erro que cometeu uma vez que pediu desculpa à Professora e quando contou à mãe o sucedido, também ela tomou aquilo como uma palermice. 
No entanto, ao almoço, depois de ela me contar os acontecimentos e apresentar as suas razões, eu fiz-lhe ver que só não a castigo porque, por um lado a Professora já tratara do assunto que, uma vez reconhecido o erro, sentido o arrependimento, pedidas as devidas desculpas se poderia considerar encerrado, mas também, por outro lado e com grau idêntico de importância, por ela ter contado a verdade e falado com os pais, algo que sempre mereceria reconhecimento. 

A paternidade também é isto, saber avaliar com justiça. 



Por sua vez, na aula desta manhã, a Matilde continuou os exercícios em torno da palavra sapato. 



De visita de estado a Londres, sob medidas de máxima segurança, George W. Bush defendeu que as forças da coligação permanecerão no Iraque e apelou aos dirigentes europeus para que retirem todo e qualquer apoio às correntes e aos líderes palestinianos mais radicais. 

Infelizmente, a paz no Médio Oriente tem muitos inimigos. 



Sexta-feira há greve geral na função pública e os meus anjinhos não terão escola. 


 Alhos Vedros 
  19/11/2003 


NOTA 

(1) Prado Coelho, Eduardo do, ACEITO MAL A CENTRALIDADE DO SACRIFÍCIO, p. 8 


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 

Prado Coelho, Eduardo do, ACEITO MAL A CENTRALIDADE DO SACRFÍCIO, In “Diário de Notícias”, nº. 49177, de 16/11/2003

segunda-feira, 25 de julho de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (213)

Attempting the Impossible,  Magritte, 1928
Óleo sobre Tela, 81x105,6 cm

ONDE ESTÁ A MINHA ALMA
visto-me
de nada
nada tenho
triunfo no meu berço
imerso
ergo os braços
ao infinito
pergunto ao universo 
que me viu nascer
onde está a minha alma 
que se esconde nos teus céus
Carlos Fernando Bondoso

Selecção de António Tapadinhas


sexta-feira, 22 de julho de 2016

ETNOGRAFAR a ARTE de RUA (XXIII)


Graffitar a Literatura





Graffiters fotografados por Luís Souta, 2016
Bairro da Torre, Cascais


«É preciso fazer todo o esforço pela acção artística.»
(Amadeo de Souza-Cardoso)

O Muraliza, na sua 3ª edição - 2016, centrou-se, exclusivamente, no bairro social da Torre (Cascais). Tal como vem sucedendo noutros locais de Portugal e do estrangeiro, as autoridades municipais começam a investir na street art como forma de abertura desses espaços urbanos que o tempo (ou uma génese atamancada) guetizou socialmente. Seis murais de grandes dimensões, nas fachadas laterais dos prédios, foram pintados, entre 27 de Junho e 5 de Julho, por uma espanhola (Paula Bonet), um italiano (Moneyless), e quatro portugueses (Daniel Eme, Kruella D’Enfer, Mar e Add Fuel).

As fotos que encimam este texto foram obtidas numa das minhas visitas ao bairro, em fase ainda inicial dos trabalhos, numa tarde de sol intenso (29/06), com os artistas (alcandorados) em plena actividade criativa.

Mário Cláudio ganhou em 1984 o Grande Prémio do Romance e Novela com Amadeo (viria a bisar o prémio em 2014 com Retrato de Rapaz), uma biografia sobre o pintor minhoto Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). Este ano (de 20 de Abril a 18 de Julho) organizou-se uma importante retrospectiva no Grand Palais, em Paris que reuniu mais de 200 obras suas (pintura, desenho, colagem e fotografia).

Helena de Freitas, comissária dessa exposição, afirma sobre o artista de Manhufe: «A diversidade, que chega a ser comovedora, é uma das suas maiores marcas […] artista que sabe estar no centro das rupturas do seu tempo, recusando escolas e etiquetas. […] Cubismo, futurismo, modernismo, expressionismo – nada disto e um pouco de tudo isto» (Ípsilon, 15/04/16, pp. 28-9).
«O obstáculo maior, nessas academias congestionadas de jovens que se buscavam, comprimindo os lábios na determinação do risco mais rigoroso ou distendendo-os na confecção do mais vibrante dos tons, estava em adaptar o próprio rumo aos que já vinham ministrados ou sugeridos. Assim no estúdio da catalão Anglada Camarasa, a que Amadeo vai desaguar, com um corpo discente que se garante um estatuto pelo uso de uma boina quatrocentesca de veludo antracite, tombada sobre a orelha. […] Camarasa vinha passear de cavalete em cavalete, aqui apontando um empaste abusado, sinalizando além uma torpeza de desenho. E a tarde de Montparnasse ingressava pelos grandes vidros quadrangulares, asfixiando as telas numa cinza dispersa e fininha, como se a pintura equivalesse ao absoluto da impossibilidade.» (p. 46-7)

Mário Cláudio, pseudónimo de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido no Porto, em 1941, é um romancista-biógrafo – Amadeo (1984), Guilhermina (1986), Rosa (1988), O Fotógrafo e a Rapariga (2015),… – e, numa entrevista ao Ípsilon (16/10/15, pp. 4-8), justifica essa simbiose: «Alguém disse que um ficcionista a partir de dado momento só devia ler biografias, e eu concordo. As histórias estão todas inventadas, e uma biografia é tão inventada como um livro de memórias ou uma autobiografia.»
A 3ª edição de Amadeo (a que possuo, da IN-CM, 1986) inclui documentos vários (fotos, reproduções de pinturas e desenhos, cartas); numa dessas missivas, datada de 1908, escreve a sua mãe:
«Hoje também recebi uma carta do tio Chico; espero-o ansiosamente, como se espera um companheiro raro com quem se reparte a nossa vida d’arte. Sim, porque a arte é a única forma de vida superior, só para certos espíritos, inacessível à burguesia.» e esclarece sobre essa burguesia «É a geral sociedade, essa que vive animalmente, isto é, aquela em que os sentimentos animais é tudo e os espirituais nada. É uma sociedade de alma animal.» (p. 58)

A exposição de 2016, no Grand Palais, foi um acontecimento muito in com a elite política nacional [leia-se a tal burguesia] a ‘colar-se’ ao evento (o 10 de Junho, desta vez, também ‘emigrara’, pleno de afectos, para França, prolongando-se na festa do nosso contentamento – o Campeonato Europeu da ‘arte’ do chuto na bola); por lá passaram o Primeiro Ministro e o Presidente da República com as suas respectivas ‘cortes’, e até o ex-Presidente, avesso à cultura. A imprensa não nos informou se o ultra premiado Mário Cláudio, actual presidente da Mesa da Assembleia Geral da APE, esteve entre os muitos convivas oficiais…


Luís Souta

quinta-feira, 21 de julho de 2016

"l'amour", por Kity Amaral




l'amour

Da série: do baú...
Nanquim & Lápis de Cor Sobre Papel Canson

Kity Amaral



Rêver un impossible rêve;
Porter le chagrin des départs;
Brûler d'une possible fièvre;
Aimer jusqu?à à la déchirure;
Aimer, même trop, même mal;
Tenter, sans force et sans armure;
D' atteindre l'inacessible étoile:
Telle est ma quête...

Jaques Brel


Nota importante: Este desenho faz-se acompanhar por poema e música. Para ouvir música clique AQUI. 

quarta-feira, 20 de julho de 2016

terça-feira, 19 de julho de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Hoje esteve um dia tão bonito. 
Os verdes que dão para o rio, com as nuvens bem lá no fundo, sobre a outra margem, mereceram marcha lenta na rua que vai do cais ao Largo da Graça quando fui esperar a Margarida à saída da escola. 



“-Eu já consegui escrever a palavra sino.” –Disse-me a mais nova, quando a recebi depois de mais uma manhã de trabalho. 
Depois do ma, me, mi, mo, mu, relativamente às palavras menina e menino, seguiu-se o sa, se, si, so, su e do juntar as letras do vocábulo sino. 
Eis o tema da aula de que não resultou trabalho para casa. 



A renovação do parque informático da empresa e da sua rede de comunicações interna remeteu-me para o pós-laboral e deixou-me sem possibilidade de fazer uma série de coisas que ficaram para amanhã. 



A Margarida pôs a revelar as fotografias que tirou, no Domingo, para o trabalho sobre o passado de Alhos Vedros. 
E eu dou graças a Deus pelas filhas que tenho. 


 Alhos Vedros 
  18/11/2003

segunda-feira, 18 de julho de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (212)

O Músico, Mário Dionísio, 1948
Tinta de Esmalte sobre Tela, 130x97 cm
Pior que não Cantar
Pior que não cantar
é cantar sem saber o que se canta

Pior que não gritar
é gritar só porque um grito algures se levanta

Pior que não andar
é ir andando atrás de alguém que manda

Sem amor e sem raiva as bandeiras são pano
que só vento electriza
em ruidosa confusão
de engano

A Revolução
não se burocratiza

Mário Dionísio, in 'Terceira Idade' 



sábado, 16 de julho de 2016

PROGRAMA CPLP AUDIOVISUAL / Programa "Nossa Língua"


O Programa CPLP Audiovisual é um programa da CPLP que visa a produção de conteúdos nos países membros e a sua divulgação nesses países e fora da Comunidade.

O Programa Nossa Língua, parte integrante do Programa CPLP Audiovisual, constitui uma iniciativa estratégica de colaboração entre as emissoras públicas de televisão dos Estados-Membros da CPLP para a composição de uma faixa comum de programação, a ser difundida simultaneamente nos diversos territórios nacionais, composta por documentários capazes de oferecer ao público telespectador uma visão contemporânea da diversidade cultural, social e política do mundo de língua portuguesa.

Para o efeito, os Polos da Rede CPLP Audiovisual selecionaram uma carteira de títulos para a ilustração das respetivas realidades nacionais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, somando cerca de 4 horas de programação por país, para serem exibidos nas emissoras públicas dos Estados-Membros da CPLP.

Será exibido um documentário por semana:

ORDEM DE EXIBIÇÃO DOS DOCUMENTÁRIOS PROGRAMA NOSSA LÍNGUA:
(SEMANA)
10 – 16/07/2016 - A Rota dos Escravos
17 – 23/07/2016 - Kamatembas Da Humpata
24 – 30/07/2016 - Xinguilamento: A Força dos Ancestrais
31/7 – 06/08.2016 - Raízes do Carnaval de Luanda
07 – 13/08/2016 - A Trama do Olhar
14 – 20/08/2016 - Álbum de Família
21 - 27/08/2016 - Avenida Brasília Formosa
28/08 – 03/09/2016 - Depois Rola o Mocotó
04 – 10/09/2016 - São Tomé e Príncipe, Minha Terra, Minha Mãe, Minha Madrasta (CV)
11 – 17/09/2016 - Rua Banana, Cidade Velha (CV)
18 – 24/09/2016 - Batuque - A Alma de Um Povo (CV)
25/09 – 01/10/2016 - Espelho de Prata (CV)
02 – 08/10/2016 - José Carlos Schwartz
09 - 15/10/2016 - O Rio da Verdcade
16 – 22/10/2016 - A Campanha do Cajú
23 – 29/10/2016 - Bissau D´Isabel
30/10–5/11/2016 - Tchuma Tchato
06–12/11/2016 - Timbila Marimba Chope
SEMANA


Mais informações no site da CPLP: https://pav.cplp.org/noticias/mostrar/34

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Pela Sibéria espanhola


75º Congresso Espanhol de Esperanto

Herrera del Duque
Mais uma vez o Esperanto constituiu o motivo próximo que nos permitiu viajar, conhecer, conviver e aprender … aprender sempre.
Provavelmente, a maior parte dos leitores jamais ouviu falar de Herrera del Duque, escasso povoado perdido na Sibéria. Atenção que nos estamos referindo a uma comarca sita na Extremadura Espanhola, no extremo nordeste da Província de Badajoz. É a região menos povoada do país e daí talvez, a origem do nome por similitude, mais psicológica do que física, com a extensíssima Sibéria Russa. A pequena cidade que terá no máximo uns 4 mil habitantes é, no entanto, dotada de tudo o que é necessário para se poder considerar uma povoação com boa qualidade de vida: estabelecimentos comerciais, escolas, centro de saúde, hotéis (ou hostales), palácio da cultura, tranquilidade q.b. e gente simpática e acolhedora. Em nossa modesta opinião, andou bem a Federação Espanhola de Esperanto ao escolher este local para a realização do seu 75º congresso. Foi uma forma inteligente de divulgar uma região turisticamente pouco conhecida mas cheia de surpreendentes encantos.

O Congresso
O magnífico Palácio da Cultura, muito confortável e espaçoso, acolheu os 150 participantes oriundos de toda a Espanha mas também da Alemanha, Bélgica, Brasil, Congo, Croácia, EUA, França, Holanda, Lituânia, Luxemburgo, Polónia, Roménia, Rússia, Senegal, Sérvia … e seis de Portugal. De 30 de junho a 4 de julho foi um desfilar incessante de novidades e agradáveis surpresas, um banho de cultura, um convívio inesquecível onde a poesia, a música, o canto e a dança tiveram lugares privilegiados. Não foi possível, por falta de ubiquidade, estar em todos os eventos, visto que alguns aconteciam em simultâneo. Mencionemos alguns de forma breve e sucinta:
- Com grande pompa, a sessão solene de inauguração do Congresso e o seu encerramento tiveram a presença das autoridades locais e regionais que receberam (e ofereceram) prendas e elogios pelos apoios concedidos.
- Apresentação de uma edição em esperanto de “Don Quixote de la Mancha”, incluindo uma versão informática, no ano em que se comemora o IV Centenário da morte de Cervantes.
- Leitura de poemas de Jorge Camacho que foi, na altura, homenageado, e descrição de romances do profícuo esperantista russo, Mikael Bronsxtein.
- Palestra proferida pelo professor José Salguero sobre as influências recebidas pelo castelhano falado na Extremadura: leonesa a norte, andaluza a sul e portuguesa a oeste.
- Conferência sobre literatura esperantista pelo professor doutor Duncan Charters que apresentou uma brilhante argumentação, clara e concisa, sobre as vantagens do uso do idioma internacional. Pena foi que o tempo fosse insuficiente para ler e refletir sobre os vários quadros “power point” que projetou, todos de inegável interesse.
- Mesa redonda sobre a origem e o percurso da chamada “Ibera Skolo” com os escritores Jorge Camacho, Miguel Fernandez, António Valén, Javier Romero, António del Barrio e outros. Como curiosidade, destaque-se a referência elogiosa ao nosso compatriota Gonçalo Neves.
- Palestra do nosso jovem amigo do Brasil, Lucas Barbosa, sobre os idiomas tupi e guarani, a qual encantou os participantes sequiosos de curiosidades linguísticas.
- Espetáculos de grande nível apresentados no auditório do Palácio da Cultura. Destaque para as atuações de Jomo, Jxomart kaj Natasxa, Sepa kaj Asorti, orquestra ligeira de jovens locais e para a peça de teatro “la Kredito” pelos atores Georgo e Sasa.

Visita a Guadalupe
Remotamente, já tínhamos ouvido falar do santuário mariano de Guadalupe mas não suspeitávamos das ramificações portuguesas deste local medieval de culto e peregrinação. Parece que foi no século XIV que a virgem apareceu a um boieiro (guardador de bois e de vacas, entenda-se). Tal episódio encheu de vaidade este modesto escriba com o mesmo apelido que antes se convencera que a santa só aparecia a inocentes pastorinhos. Segundo apreendemos, a citada deusa tornou a surgir várias vezes pelo que o local foi consagrado com a construção do “Real Monasterio”. Para além da virgem, outras figuras ilustres vieram aqui para orar e pedir favores. O nosso rei D. Sebastião também aqui esteve antes da desgraçada batalha de Alcácer-Quibir, mas o pedido não foi aceite por eventual burocracia divina e foi o desastre que se soube. Isabel, a Católica, visitava o santuário, amiudadas vezes (consta-se que foram 26) e parece que resultou. No átrio da entrada principal lá está o seu busto e a designação “Monumento de la Hispanidad”.
Nos claustros, único local em que se pode tirar fotografias, encontram-se diversas pinturas das quais se destaca a da batalha do Salado em que o rei D. Afonso V, o Africano, veio dar uma ajuda preciosa ao rei castelhano e, juntos, derrotaram o exército sarraceno. A presença portuguesa está bem patente numa das capelas que ostenta vários brasões lusos, no túmulo da Duquesa de Aveiro, Dona Maria de Guadalupe de Lencastre, nascida em Azeitão no ano de 1630, na pintura dedicada a Fernando de Pinha, cavaleiro e cronista da corte do rei de Portugal ao qual a virgem apareceu por três vezes (que sorte!).
Depois de percorrermos os espaços museológicos dedicados aos paramentos religiosos bordados a ouro e prata, casulas e quejandas, os enormes livros “miniados”, a parte das pinturas dos famosos Zubarán e el Grieco, a sacristia, os relicários, a capela de São Jerónimo, fomos almoçar a um dos restaurantes da Hospedaria del Monasterio, antiga hospedaria real, construída nos finais do século XV.
E sobre o mosteiro não se acrescenta nada mais, visto que nos folhetos e livros turísticos há informação bastante para quem queira aprofundar a temática.

Concerto do Grupo Acetre
Após o lauto almoço na Hospedaria do Mosteiro, recebemos detalhadas informações históricas de Guadalupe, que em árabe significa “rio escondido”, fornecidas pelo incansável professor de Don Benito, José Salguero. Seguiu-se uma atuação musical de Mikaelo Bronsxtejn. Voltando aos autocarros, excursionámos pelas imediações de Talarrubias e Valdecaballeros e parámos numa das muitas barragens do Guadiana. Foi no Embalse de Garcia de Sola, em cuja praia adjacente deu (a quem a isso se dispôs) tomar uma banhoca com água agradavelmente tépida. Sempre divisando planos de água, seguimos para Peloche, localidade de apenas 600 habitantes que dista 8 km de Herrera. Foi aí que tivemos uma noite memorável proporcionada pelo grupo Acetre (6 homens e três mulheres) proveniente de Olivença, a que se juntou episodicamente a famosa cantora de Herrera, Célia Romero.
Com uma excelente orquestração baseada em instrumentos tradicionais a que nem faltou o adufe e melodiosas vozes, o grupo surpreendeu-nos não só pela qualidade artística mas também porque a maior parte das canções tinham origem portuguesa. A sua atuação, que, a pedido do público, terminou com dois “encore”, durou mais de duas horas e foi fabulosa. Iniciaram com a “Senhora do Almurtão” a quem se recomendava, como diz a respetiva letra, “para virar costas a Castela e não querer ser castelhana”. Emocionaram-se os quatro portugueses presentes e vibraram os espetadores locais e visitantes que encheram o anfiteatro natural da praça principal da povoação.

A vegetação da Sibéria Estremenha
Entre os raios da roda de uma carroça disposta na horizontal em cima de uma mesa baixa, a ornamentar um dos vestíbulos do hostal, podia-se ver as plantas, já secas, típicas da região: olivo (oliveira), quejigo (carvalho-cerquinho), acacia (acácia), lentisca (lentisco), encina (azinheira), jara (esteva), madroño (medronheiro), arrijanera (aroeira), pino (pinheiro), arbulaga (tojo), romero (alecrim), tomillo (tomilho), berezo (urze), alcornoque (sobreiro), álamo negro (choupo-negro), coscoja (carrasqueiro). Eis pois a síntese da flora de influência mediterrânica que aqui existe.
Na digressão efetuada a Guadalupe as únicas plantas abundantemente floridas neste mês de julho eram os loendros, se excetuarmos, obviamente a vegetação ripícola dos ribeiros e das lagoas originadas pelos vários “embalses” do Guadiana, cuja etimologia é simplesmente “rio” em versão dupla (ana – “rio” na linguagem primitiva e guad – “rio” em árabe). As azinheiras, em povoamentos pouco densos e irregulares, constituíam a principal espécie que resistia à canícula que rondava os 40 graus. Viam-se também extensos olivais, alguns sobreiros e pinheiros mansos e bravos. Na vegetação rasteira abundavam as estevas (curiosamente são também conhecidas como jaras na região de Portalegre), os silvados ainda a querer florir, as giestas já sem flor, as milfuradas já sem flor, os catacuzes secos … Irrigados por canais ladeados por tabuas (atenção não são tábuas mas tabuas, espécies lacustres) divisavam-se arrozais e milheirais. A subir a encosta xistosa para o Mosteiro podiam-se ver alguns castanheiros e frutíferas (ameixeiras, pessegueiros, vinhas).

A viagem e a companhia
Viajar com pessoas espirituosas e inteligentes ajuda a exercitar o cérebro e a, tendencialmente, sermos como elas, inteligentes.
Apesar das altíssimas temperaturas que se fizeram sentir numa região que se diz ter 6 meses de inverno e 6 meses de inferno (alguém convencionou que o inferno seria terrivelmente quente), foi muito agradável a viagem. No regresso aproveitámos para visitar dois teatros romanos: um em Medellín e outro, obviamente em Mérida. Foram lições vivas de História, suscetíveis de agilizar compreensões sobre o evoluir da Humanidade.
Uma breve referência ao almoço do derradeiro dia no restaurante “El Mosquito”, em Medellín, numa das margens do Guadiana. Num pequeno cartaz estava descrita uma pequena e espirituosa fábula do famoso escritor castelhano, Quevedo:
 “Le dijo el mosquito a la rana: mas vale morrir en el vino que vivir en el agua”.
Ao jovem Lucas Barbosa, notável linguista apesar dos seus escassos 19 anos, que connosco conviveu ao abrigo do “Pasaporta Servo”, ao Rui Vaz Pinto, à Alexandrina Timóteo e à Manuela (minha esposa), as homenagens e agradecimentos deste cronista de meia tigela.

Julho de 2016
Miguel Boieiro