quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

d´Arte - Conversas na Galeria LXXIV

A Vespa, a Taça e os Pregos Autor António Tapadinhas
Óleo sobre tela 35x27cm

Pronto! Já tenho um computador novo! O coração (o disco) do outro estragou-se. Não sei onde este guarda os seus segredos, onde esconde algumas das imagens que foram recuperadas, os endereços dos amigos… Vai ser um relacionamento difícil, até nos conhecermos! Ela (a máquina) e eu vamos ter de mudar alguns dos nossos hábitos. A vida é feita de mudança e qualquer relacionamento, para resultar, é mais feito de cedências do que de vitórias…
Aí está o segundo quadro da prometida série de três. Todos os elementos essenciais para manter o referido desassossego paranóico-crítico de Dali, lá continuam,agora reforçado pela ameaça latente protagonizada pela vespa.
Pedi inspiração a António Aleixo para concluir com uma quadra:

Uma vespa sem pudor
Pica com a mesma energia
Na cabeça de um doutor
Ou na bunda da Maria.

3 comentários:

Luís F. de A. Gomes disse...

Sempre gostei das Festas e na memória da infância lá estão guardadas as tardes em que a casa era limpa e preparada para receber a família que, no momento adequado, se sentaria à mesa para, justamente, festejar.

Pois desse gostar sempre fez parte o quanto me encantava olhar a mesa posta, com pratos e talheres a preceito e o centro que normalmente era feito e pontuado por um arranjo de flores.
Mas eram os brilhos das transparências dos cálices e copos o que mais prazer me conferia de me entreter a vê-lo. Era tão bela de ver e decomposição da luz branca que em felizes acasos se conseguiam perceber naqueles apetrechos, tão serenos, esperando a água ou o vinho da consagração da alegria...

Talvez por isso sempre tenha gostado de ver estas pinturas e este teu cálice mais uma vez me remeteu para essa viagem no tempo de encantamentos de antanho.

E na medida em que a Arte sempre se materializa no seguimento de tradições que lhe vão dando corpo à sua História e por ser da opinião que é aí que o Artista lhe poderá conferir os toques da singularidade e da linguagem pessoal, diria que este conjunto teria que fazer parte da tua obra.

E acrescentaria, para finalizar, estarmos perante uma pequena delícia, pela luz, pela composição, pela construção que nos permite estender a mão e retirar o cálice, certamente para brindarmos à benção infinita que é esta aventura da Vida, das nossas vidas.

Aquele abraço, companheiro
Luís

A.Tapadinhas disse...

“Pai, afasta de mim esse cálice”. Esta é a frase bíblica que Jesus Cristo pronunciou quando, após o término da Última Ceia, se retirou para orar, já que previa sua Paixão iminente.

Cálice, de Gilberto Gil em parceria com Chico Buarque, composta em 1973, diz: “Pai, afasta de mim esse cálice, de vinho tinto de sangue”. Eram ainda os anos da ditadura no Brasil, e a música foi composta numa Sexta-feira Santa. Ninguém suspeitaria de um texto bíblico, que diz Cálice em vez de cale-se!

Cristo, ditadura, pregos, tortura, vespa, sangue... Nada disso te assusta... e vais pegar no cálice...

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Erro de palmatória, o meu, pois é um facto que os pregos estão lá e, na verdade, conheço a canção que referes desde que saiu a público, entre nós e nem vem em meu abono, o alheamento das tradições cristãs. Diria então que, desta vez, é a Arte sublinhando a ignorância do comentador.

Quanto à ditadura, assusta-me, claro que me assusta, ou não estivesse hoje assistindo à sedimentação de uma e a sentir-lhe os subtis e perniciosos efeitos, esta ditadura dos mercados e do pensamento único em seu redor que já conseguiu reduzir o cidadão à condição de consumidor, sem polícia política nem tortura, por desnecessárias, pois a dignidade está sendo vilipendiada aos seres humanos sob a forma de desemprego, de precariedade, mais que do trabalho, das condições de vida.
Ditadura diversa e diferente dessas outras ditaduras que afinal – e aqui, em Portugal, isso foi bem patente – pesem embora as muitas vozes dissonantes, sempre gozaram da complacência desse legado de Paulo que é a Igreja e isto, provavelmente, numa interpretação indevida de quem defendeu para César o que a César pertence.

Conta Amos Oz que uma das suas avós dizia que a diferença entre um cristão e um judeu reside na particularidade de um ter por adquirida a ideia que o Messias já esteve entre nós e o outro permanecer na esperança da Sua vinda. Num certo sentido terá razão. Mas eu sinto-me mais tentado a concordar com David Abram, para quem aquela diferença é mais profunda e atrevo-me até a dizer que essa reside precisamente no âmbito da visão decisiva de Jesus da Nazaré que dizia não ser deste mundo o seu Reino. Ainda que a bondade seja valor importante para o segundo, é a justiça para ele a pedra primordial e enquanto aos primeiros sempre acudiu a tentação de se desligarem do mundo – o monaquismo, sempre foi disso um exemplo- e de verem a salvação no Céu – e isto sem prejuízo dos muitos Fiéis que pensarem poder construir esse mesmo Reino na Terra e a isso dedicaram o melhor dos seus esforços e das suas vidas e aqui recordaria o nosso Vieira que foi Padre – já entre os segundos esse apelo da justiça entre e para os homens e, mesmo registando a curiosidade de essa obra paradigmática da utopia comunista, “A Mãe” do Gorki, nos mostrar Pável a pendurar um ícone do Nazareno na parede do quarto, não foi por acaso que muitos foram os judeus que abraçaram o bolchevismo nas suas origens, muito antes de se saber das ditaduras totalitárias que em seu nome haveriam de se abater sobre os homens.

E tudo isto a propósito de um cálice que também poderia querer dizer-se Graal, na tal espiritualidade que busca a Salvação fora desta Terra em que, para o bem e para o mal, temos vivido nestes últimos duzentos mil anos, o mesmo é dizer, neste longo caminho que temos percorrido ao encontro da dignidade dos homens, na demanda de um mundo de justiça que a nenhum deixe de incluir.

Aquele abraço, companheiro
Luís