sábado, 7 de janeiro de 2012

EMIGRANTES - O MEU PARTIDO É PORTUGAL


Boicote do Envio de Remessas de Emigrantes – Um Apelo ao Gosto mediático mas infeliz

António Justo

"Osnabrück Não Desiste" surgiu, como protesto contra o encerramento do respectivo vice-consulado a efectuar-se a 13 de Janeiro. Ultimamente veio para a arena política com uma campanha que apela ao bloqueio de envio de remessas para Portugal. "Nantes não desiste" seguiu nas suas pegadas. Esta é uma reacção contra os cortes do governo efectuados nos postos consulares e no ensino.

Recomendar que se envie ou deixe de enviar dinheiro para Portugal é problemático, porque em toda a parte o dinheiro pode ser investido de forma produtiva ou de forma estéril e com esta iniciativa não se ajudam os portugueses nem Portugal.

Iniciar assim uma forma de campanha contra o Governo também não convence por instrumentalizar partidariamente um tema a favor da oposição, quando governo e oposição, no fundo, nunca tomaram a sério os emigrantes. Em nome de interesses parciais vai-se contra o todo. O factor/tema económico migrante tornar-se-ia relevante se integrado numa política estruturada de fomento regional.

A emigração sempre foi uma chaga aberta na nação. Foi sempre uma fonte lucrativa para o Estado para assim poder equilibrar o seu orçamento e, ao mesmo tempo, um meio de fomento gratuito/espontâneo das regiões do interior e uma maneira de não deixar cair muitas famílias na miséria.

"Osnabrück Não Desiste" fundamenta a sua iniciativa afirmando: "Quando o nosso país, a nossa pátria, nos vira as costas, vemo-nos forçados a fazer o mesmo, não enviando dinheiro para Portugal, não investindo em Portugal". Este apelo é demagógico e partidário. O nosso país, a nossa pátria não se pode identificar com o programa dum governo nem com os interesses duma oposição em combatê-lo. Governo e oposição são Portugal, numa perspectiva de terra livre de coutadas. (O PS deveria distanciar-se desta campanha organizada em cima dos joelhos por membros seus).

Sim, o meu partido é Portugal e o seu povo também. Portugal e os cidadãos têm andado demasiadamente preocupados com problemas de estômago e de vaidade para poderem estar atentos à sua missão histórica. Perderam-na de vista com o enterro de Camões.
Não seria legítimo reduzir os emigrantes a portugueses de desobriga nem utilizá-los para fins escuros.

O economista Pascoal de Lima, referindo-se à iniciativa de os portugueses emigrantes boicotarem o envio de remessas para Portugal diz: "É claro que pode ter um efeito teórico, e sobretudo a três níveis: aumentaria a pobreza, diminuiria o bem-estar das famílias e teria impacto na redistribuição das riquezas no país; representaria uma diminuição do crescimento, do emprego e da produtividade do trabalho e do capital; e pioraria a situação do défice da balança comercial portuguesa".

De facto, os emigrantes/lusodescendentes, em 2010 enviaram para Portugal 2.400 milhões de Euros. Os emigrantes portugueses da Alemanha, de momento 114.552, enviaram 120 milhões de Euros; o valor das remessas da França, com um milhão de portugueses, foi cerca de 180 milhões de euros.

Um sistema que produz emigrantes nunca é favorável ao emigrante. A má consciência nacional quer esquecê-los e o consequente sentimento de culpa quer desprezá-los.
Aqueles que saem são estigmatizados por uma inércia comodista que não tem nem faz por ter. A emigração, num país, já com valores mínimos de natalidade na Europa, fomenta a entropia, a inveja e o ressentimento. A emigração também tem contribuído, em Portugal, para o fomento dum espírito civil rotineiro, acomodado e oportunista. Ela condiz à letargia da nação que, em vez de se habituar a encarar os problemas de frente, foge deles, vivendo do subterfúgio. De facto, ao sair do país o potencial contestador dinâmico que criaria um clima de protesto contra as instituições estatais, evita-se a insurreição e propaga-se a acalmia. A força renovadora e crítica que poderia surgir da insatisfação dissolve-se no tubo de escape da nação que é a emigração.

A ostentação do dinheiro dos migrantes e a experiência acrescentada que trazem, da maior intervenção cívica dos países onde trabalham e da maior correcção cívica de instituições sociais e jurídicas, leva-os, quando estão de férias, a criticar um status quo que se sente provocado e se quer aceite. Isto acirra a inveja nos que ficam e conduz a uma agressão latente que se traduz num ignorá-los nos meios de comunicação social, interessados, quando muito, em histórias de coitadinhos.

A administração pública portuguesa, embora uma das mais modernas no mundo, a nível de dados e de serviços computadorizados, continua com um funcionalismo frequentemente antiquado, a nível de mentalidade.
O senhor licenciado que tem cargo é o senhor doutor e o outro que se encontra do outro lado do balcão é frequentemente reduzido a cliente ignorante que se procura despachar mas não servir.

Muitas repartições públicas ainda funcionam como um sistema a fundos perdidos. O “sistema dos amigos, e da companhia limitada dos camaradas” emperra o sistema.

É a lei do progresso na continuidade: a máquina do poder instituído em Portugal, antigamente, favorecia a burguesia; a partir da República favorece os parasitas e os oportunos. Antigamente, viam-se obrigados a sair, os pobres e os voluntariosos, hoje, o que é mais grave, são obrigados a sair também os académicos.

A situação de Portugal é tão séria que não será possível levantar-se sozinho dum pântano financeiro em que os crocodilos se encontram por todo o lado à cuca. Interessante seria se todas as comunidades portuguesas na Alemanha e na França levantassem a sua voz perante a opinião pública dos respectivos países solicitando que invistam em Portugal. Só o investimento estrangeiro poderá tornar-se numa medida racional que evite a bancarrota dos estados da periferia. Todas as outras medidas podem revelar-se num atentado à democracia.

António da Cunha Duarte Justo

1 comentário:

Luís F. de A. Gomes disse...

Má prenda de anos, direi eu, essa do encerramento do Consulado em Osnabrück, pois coincide com o dia do meu nascimento. Mas isso é o que não importa, perante mais um sinal de tempos teimosa e secularmente persistentes, em que as elites de poder dão corpo e continuidade a uma cultura que substituiu o dever do serviço público pelo jeito do serviço aos interesses particulares. É uma tristeza, um vil e dolorosa tristeza, embora seja essa a maré que heroicamente teremos que vencer e aqui, a primeira pessoa do plural dirá respeito a todos os que se sentem no orgulho de serem portugueses, falarem, pensarem e sonharem em português e se reverem nesse legado antigo que, afinal, tantos mundos deu ao mundo.

Mas permita o Senhor Professor que manifeste a minha alegria por ter a oportunidade de compartilhar as palavras e pensamentos que tão generosamente aqui tem deixado à nossa disposição, num exemplo de um verdadeiro altruísmo cheio de sentido cívico e que, na sua esfera de influência, por mui reduzida que o seja, conflui em contributo para que nós, os simples, os portugas sem poder, possamos dar mais um(ns) passo(s) nessa lenta caminhada da civilidade que alicerça um quotidiano melhor. E peço também que aceite a opinião quanto ao olhar certeiro que nos apresenta, feito de ideias advindas de uma rara lucidez e que eu, na minha modéstia, só poderei subscrever.
Virá o tempo, certamente, em que ao(s) emigrante(s) será reconhecido o papel do herói da maior epopeia portuguesa do século passado, justamente a emigração. Pena que a literatura, salvo raras excepções -algumas bem antigas, como esse imortal "Viúvas de Vivos" do esquecido Lagoeiro- ainda não se tenha debruçado sobre esse aprofundamento.
Seja como for, textos como este, também servem para chamar a atenção para isso. Por tanto, resta-me deixar o meu agradecimento.

E permita-me ainda que lhe deixe aquele abraço, não levando a mal, por demasiadamente ousado, o companheiro.

Luís Gomes