Escravos numa fazenda, Rugendas,
1830
Fonte: Wikipedia livre
Escravos e
seus filhos numa fazenda de café (1885)
Fonte: Wikipédia Livre
Marc Ferez
A escravidão
no Brasil foi mais que um marco histórico, foi fator determinante na cultura e
genética da sociedade brasileira. Foi o regime produtivo que utilizou a força
de trabalho dos escravos, índio e africano, para viabilizar economicamente o
país quando colônia e império. À principio, após o descobrimento, o
branco conseguiu com o índio, através de escambo, elementos comerciáveis;
ervas, plantas exóticas e animais que levava às Cortes européias com grande
alarido. O pau-brasil, árvore tintureira, produzia um produto usado na
coloração de peças e tapeçaria que atingia bons preços no Velho Mundo. Era
adquirido com o índio que o trocava por quinquilharias, machados e facões com
portugueses e estrangeiros, principalmente franceses. Quando os olhos da coroa
portuguesa se voltaram finalmente para a sua colônia americana, no sentido de
produção econômica, o plantio de cana-de-açúcar, já experimentado nas ilhas
atlânticas (Madeira e Açores) se apresentou como o caminho. Precisou-se, então,
de braços para a lavoura. Portugal na ocasião não devia ter mais que dois
milhões de habitantes. Já espoliado de gente que trabalhava nas outras colônias
periféricas e Oriente, a solução foi procurar na exploração da escravidão
americana e africana mão-de-obra para o serviço.
Durante
três séculos, os índios foram caçados, escravizados e aculturados. Obrigados à
lida que feria seus conceitos de trabalho e liberdade, revoltavam-se, fugiam,
pereciam rapidamente. Usados como guias nas florestas, matrizes dos primeiros
bandeirantes brasileiros, desbravadores intrépidos e alargadores de fronteiras,
porém não resistiam aos iniciais contactos com o europeu. A vírus
imunologicamente deficientes, contraíam doenças comuns aos brancos que os
dizimavam aos “montes”. Só as gerações que se seguiram às primeiras
miscigenações, herdaram de seu pai branco a imunidade de que precisavam. Até o
século XVII o índio foi o suporte maior da força de trabalho do país.
Nas
plantações de cana-de-açúcar e engenhos do nordeste, nos garimpos, nas minas de
ouro e pedras preciosas do centro-oeste, na lida do dia-a-dia das fazendas dos
barões do café, nas regiões urbanas do sul e sudeste, a mão-de-obra escrava
estava sempre presente. Era preciso cada vez mais gente. O escravo africano foi
a resposta à demanda brasileira.
Mais
adaptados ao trabalho duro, eram trazidos para o Brasil em condições
degradantes e insalubres nos porões dos navios negreiros. Amontoados, muitos
morriam na viagem atlântica, que durava perto de dois meses, em percentagens
que variavam de 20 a 50% da carga humana. Mesmo assim eram solicitados em
quantidades crescentes de Angola, Mina, Moçambique, à medida que as áreas de
plantações aumentavam e a riqueza mineira se expandia. Traficado, quando os
interesses da Inglaterra proibiam a escravidão no alvor da era industrial, num
Brasil reticente ao emprego da mão- de- obra livre e de economia dependente da
escravidão, seu preço crescia a cada travessia. Ter escravos era sinal de
distinção social, ostentação e abastança. Ao senhor proprietário conferia-se
mais facilmente até sesmarias, pois se subentendia que tinha condições,
financeira e humana, de ocupá-las e explorá-las, expandindo o território
produtivo e a riqueza nacional.
Se para o europeu (do norte) o trabalho era fator dignificante e autonômico,
para o branco, latino, era indicador de categoria social. Quem estava no topo
se obrigava a submeter o dominado através da opressão e do trabalho
forçado. Trabalho manual era para os oprimidos e escravos, era degradação
maior na escala social. Para o escravo o trabalho era a evidência dessa
situação, da submissão, do sacrifício, da falta de liberdade, da
desestruturação familiar, do desrespeito entre os homens e suas vontades. Para
o escravo a liberdade era a ausência de obrigações e de servidão. A escravidão
subvertia o sentido do trabalho, degradava-o.
No Brasil
escravagista, senhores e escravos conviviam numa associação de produção e
afetividade onde os valores morais e a ética entravam em choque com as
dificuldades e culturas de cada grupo social. O resultado é que depois de
tantos anos de convivência e miscigenação houve um caldeamento
genético-cultural, aonde atitudes e pensamentos vão se refletir na formação da
sociedade brasileira como um todo na pós- abolição.
A
escravidão propiciava à promiscuidade nas senzalas e aos relacionamentos
escusos entre o senhor e a escrava. Incitava à poligamia e à fragilidade
afetiva, gerando uma família mestiça, ignorada, paralela à oficial, sem laços
estreitos ou reconhecidos entre pais e filhos. Separados da família escrava, ao
serem vendidos, negros e mulatos, sem direitos, acesso à educação e à
paternidade assumida, sofrendo preconceito racial de ambos os lados, ficavam à
margem da sociedade ao ganharem a liberdade, na alforria ou na
pós-abolição. Nas periferias, subúrbios e morros das cidades, os pobres,
imigrantes miseráveis e ex-escravos, se abrigavam nos “bairros africanos”,
embriões das futuras favelas que surgiram e tomaram identidade com a ocupação
do Morro da Providencia (RJ) pelos esquecidos e abandonados soldados da nação,
que retornaram da guerra dos Canudos em 1897.
Nas roças
do interior mineiro, liberto, o negro africano muitas vezes ficava como
agregado. Não era incomum haver entre o dono da terra e ele laços de
amizade. Possuidores de pouca cultura e cabedal, trabalhavam lado a lado na
luta pela subsistência, moravam em casas rústicas, nas mesmas áreas. Só os
grandes senhores, ricos fazendeiros e latifundiários viviam com conforto,
cercados de gente que lhes mantinha a segurança e o poder. Muitos dos seus ex-
escravos e ex-escravas, mesmo depois da abolição, continuaram como peões,
vaqueiros, cozinheiras, amas-de-leite, arrumadeiras, passadeiras, dos seus
antigos senhores, agora como empregados. No interior sertanejo não havia outras
opções a fazer; ficar no mesmo lugar, como empregado/ou agregado, se o patrão
permitisse, ou cair na estrada sem rumo certo...
No Brasil,
a escravidão seguiu a rota da economia. Em 1822, ano da independência
brasileira, no país havia um população de 1 347.000 brancos e 3.993000 negros e
mestiços. Os cativos eram mais concentrados em Pernambuco, Bahia, Minas Gerais,
e Rio de Janeiro. A lavoura e a mineração pediam muitos braços para a
lida. Até a abolição de escravatura, a força de trabalho no país foi majoritariamente
escrava.
A partir de
1850, no auge da produção açucareira, o trafico negreiro foi severamente
reprimido por leis internacionais policiadas pela Inglaterra. Os grandes
plantadores, dependentes da escravatura, necessitaram de outras forças de trabalho,
que surgiram com mobilização dos escravos internos, nascidos ou não no país. Os
ladinos conhecedores das manhas e língua portuguesa, os escravos boçais,
naturais da África, e os imigrantes europeus, passaram a labutar lado a lado,
com discordâncias, com erros e acertos, até que o trabalho assalariado
assumisse de vez a sua função.
Com o
inicio da era industrial e a forte concorrência brasileira ao açúcar da Guiana
Inglesa, a vigilância estrangeira ao tráfico negreiro se fazia cada vez mais
intensa, nos mares e nos portos. Interessava gente livre para consumir e menos
braços no Brasil para produzir! Enquanto os ingleses obrigavam e
condicionavam o reconhecimento da independência brasileira ao fim do tráfico de
escravos (que continuava de forma crescente para responder à demanda mineradora
e lavoureira), as companhias inglesas de mineração em Minas Gerais (Congo Seco,
Morro velho, Cata Branca, São João Del Rey) mantinham uma vasta população de
escravos na extração do ouro...
A
poderosa economia cafeeira, consumidora voraz de braços negros, mantinha o
tráfico negreiro apesar da repressão inglesa e das leis do governo imperial.
Buscavam-se escravos no nordeste e aonde houvesse.
Mas com o
tempo, a situação pouco a pouco mudava. As constantes fugas de escravos
estimuladas pelos abolicionistas, as revoltas com mortes nas fazendas, anteviam
a proximidade da abolição. Os baixos salários dos trabalhadores livres, e os
altos preços dos escravos, tornaram o investimento no negro africano de pouca
valia. Contratos com imigrantes europeus (ilhéus, portugueses, italianos,
alemães,...) para trabalhar nas plantações de cana e café, já experimentados,
foram incrementados. A mão-de-obra livre nacional, apesar de acessível, não era
bem vista, tinha fama de ser preguiçosa e avessa ao trabalho. Era pouco
procurada.
No inicio a
contratação de imigrantes para substituir a mão de obra escrava teve
dificuldades pela má propaganda que os governos europeus (da Suíça, Alemanha,
França e Itália) faziam do tratamento que os fazendeiros dispensavam aos seus
colonos. Diziam que seus compatriotas eram tratados como escravos. Ao que
parece só os ilhéus aceitavam dividir as tarefas com os negros.
Finalmente, com a abolição da escravidão, abertura de estradas, melhoria dos
transportes, maquinarias, e adequações do trabalho livre nas áreas rurais e
urbanas, o país entrou na era agroindustrial.
De
1831 a 1850 perdurou o tráfico negreiro. Apesar das leis imperiais (Ventre
livre em 1871 e dos Sexagenários em 1884), que tiveram pouca repercussão na
pratica, só a 13 de maio 1888, a princesa Isabel, assinou a Lei Áurea, com a
abolição definitiva da escravidão no Brasil. Porém, o ex-escravo sem apoio
legal e projetos de inserção social, sem estar preparado para concorrer a vagas
de trabalho assalariado, no inicio da industrialização e da urbanização do
país, viu-se marginalizado pela sociedade, executando serviços sem qualificação
profissional, de baixa renumeração e projeção social. Até hoje os herdeiros dos
quilombos e descendentes dos escravos, que são a maioria da população
brasileira, lutam para combater as desigualdades sociais que só desaparecerão
quando os governos da república derem educação pública de qualidade para todas
as suas crianças.
Maria
Eduarda Fagundes
Uberaba,
26/02/15
Fonte dos
dados:
Wikipédia
Da Senzala
À Colônia (Viotti da Costa)
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