(Esta rubrica não respeita as regras do acordo ortográfico.)
MIRADOURO 13 / 2015
ESPARGOS
(Asparagus)
Cheguei
cedo ao terreno da Cristina e propus-me ir apanhar alguns espargos antes do almoço.
Munido de navalha e saco embrenhei-me pelos pinhais que ali há, acompanhado pelo
cão que, ainda que velhote e invadido de reumático, quis ir comigo.
Fui andando
e apanhando, aqui e ali e mais além, outro e outro e mais outro depressa
consegui colher um molhinho. Andava nisto, quando me deparei com um homem já
idoso dedicado à mesma ocupação. Aproximei-me e perguntei-lhe se gostava de
espargos. Disse que gostava muito e que a sua mulher logo decidiria como os
cozinhar. Gostei do homem, era simpático e já um pouco trôpego. Espreitei para
o balde que trazia e concluí que dificilmente conseguiria colheita que
permitisse a confecção de qualquer refeição. Ofereci-lhe os que tinha apanhado
dizendo-lhe que juntos talvez já dessem para fazer umas migas, passando a explicar-lhe
como se faziam as migas lá minha terra. Agradeceu, ouviu interessado, fez
algumas perguntas e concluiu-se com um «deve ser bom ».
Continuando a conversa
fiquei a saber que se chamava Manuel, que nascera perto de Loulé há já 85 anos,
que havia sido carpinteiro e que agora vivia com a filha porque as finanças lhe
tinham ficado com uma pequena vivenda de que era proprietário e onde morava,
devido a algumas dívidas que não conseguira pagar. Tinha sido proprietário de
uma pequena carpintaria mas com a crise …, a filha era divorciada e viviam com
algumas dificuldades, já que as reformas eram pequenas. Soube ainda que tinha
umas vértebras de metal, que já fora operado à próstata e a uns pólipos - «cortaram-me
vinte centímetros de intestino» - e que na próxima 2ª fª ia ser internado para
nova operação aos intestinos.
Disse-lhe
algumas palavras de ânimo relativizando a operação próxima e fui à cata de mais
espargos para ver se se conseguiriam as tais migas. O homem por ali ficou
deambulando lentamente.
Simpatizei
com o velhote e, mais do que a delicada operação, seguia incomodado com o facto
de lhe terem tirado a casa. Mesmo sem saber os pormenores nem a dimensão das
culpas que eventualmente lhe caberiam, incomodava-me o facto de cada vez ser
mais frequente no nosso país este tipo de ocorrência. Tirar o lar a uma família
em dificuldades????! só em situações muito extremas, quando estivessem
esgotados todos os procedimentos possíveis para resolver o problema e, mesmo
assim…
Nos
tempos presentes o mundo pensante que nos des-manda propõe-se tirar-nos cada
vez mais direitos, regalias, até mesmo o sustento se o conseguirem. Empobrecer-nos,
em suma.
Em
contraponto, o mundo não pensante, a Natureza sempre generosa, oferta-nos e permite-nos
sempre alguma colheita.
Precisamos
ultrapassar rapidamente esta fase, esta ordem e este sistema, encontrar outros e
novos intérpretes, nós, todos nós, e aprender mais com a Natureza e as lições
que nos deixa
Procurei
o Ti Manel (tenho a certeza que ele não se ofenderá com este tratamento
familiar) e ofereci-lhe o novo molhinho que tinha colhido. Ficou todo contente
e eu também. Apertámos as mãos e seguimos cada um para as nossas casas.
Quando
cheguei a minha mulher perguntou «então os espargos, não havia?», «havia mas
dei-os a um amigo» e fomos almoçar.
Manuel João Croca
(fotos retiradas da
internet)
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