MEDITAÇÃO
Abdul Cadre
Histon, Cambridge, 02 AGO
2015
Com propriedade ou sem ela, há muita prática mental a que,
não o sendo verdadeiramente, ou não o sendo no sentido do êxtase, da
contemplação, é uso chamar de meditação.
Muitas dessas práticas não ultrapassam o nível de exercícios
de pacificação e condicionamento mental, caracterizando-se comummente pelo uso
da auto-hipnose, do pensamento criativo, da reprogramação neuro-psíquica e toda
a sorte de induções imagéticas.
Ora, todas estas práticas, independentemente do método ou
sistema seguido têm um handy cap incontornável: carecem da liberdade
essencial que constitui a não sujeição a modelos. Estabelecer ou aderir a
condições prévias impede o verdadeiro estado meditativo, ou êxtase.
Contorcionismo, posições exóticas, mantras, música celestial
podem induzir um relaxamento profundo, mas não nos livram da tagarelice da
corrente do pensamento nem do desejo de alcançar algo, de ter um objectivo,
quando o verdadeiro estado meditativo se caracteriza pela morte do eu que o pensamento
inventou com a cumplicidade do tempo. Querer calar o pensamento é todavia
pensar e esta mesma intenção é de qualquer forma um desejo, o assumir de um
objectivo.
A meditação exige um estado contemplativo (um estado
inclusivo de observador, observado e circunstância) proporcionado pelo silêncio
e pela atenção; uma ausência de conflito, o qual é inevitável quando o
pensamento joga a sua dialéctica do prazer e do remorso.
De meditação, sobram os gurus que a moda acomoda e sobram os
processos ilusórios de fuga e rendição.
Faz alguns anos, naqueles encontros havidos na casa do
Professor Agostinho da Silva, apareceu por lá um desses gurus em sobra, tido
como destacado dirigente de um certo grupo esotérico (?) que resolveu, vejam
bem, ensinar o Professor a meditar. «Ó Professor, faça assim, ponha as mãos
assado». Até que o visado, incomodado com tanta presunção e estontearia,
exclamou: «Ó homem, deixe-me! O que é que pensa que eu faço todo o dia?»
É isso. A meditação só pode ser o que fazemos todo o dia, tem
de estar em todos os nossos actos, num modo de atenção e percepção que nos
conduza ao autoconhecimento, porém, o autoconhecimento não é o que mais
comumente se pensa que seja.
Ilude-se aquele que afirma conhecer-se – eu conheço-me muito
bem – porque só se conhece quem não julga nem se julga, quem não projecta no eu
os seus desejos e crenças, a sua sombra, na linguagem junguiana. No
autoconhecimento não se fazem conjecturas nem juízos morais sobre o que somos
ou não somos, apenas se percebe o que somos com todas as nossas características
indivisíveis em conceitos de vícios e virtudes.
Não há meditação sem autoconhecimento nem este sem aquela.
Sem autoconhecimento, o que quer que se entenda ou faça como meditação é do
domínio do ilusório, da sujeição aos caprichos, aos modelos, às crenças, às
superstições, tudo coisas que nos limitam, quando a verdadeira meditação, que
podemos chamar de êxtase, ou de contemplação implica liberdade plena. Tal
liberdade exige romper com o fluxo do pensamento e quebrar as cadeias do
próprio conhecimento, todo ele feito de memórias encadeadas e raciocínios
tramados pelo tempo passado. Todo o conhecimento produzido pelo intelecto é uma
arqueologia, um reviver do passado, uma coisa morta – todo o passado é morte –
uma negação da eternidade. Damos de barato que é a nossa circunstância, mas
contrapomos que não é a nossa natureza mais íntima, a qual só perscrutamos
quando o tempo se dissolve, o pensamento se detém e a mente se aquieta.
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