O FUTURO DO MUNDO É O AMOR
Querem conhecer Portugal?
Madredeus é quanto basta. Está lá tudo o que nos distingue ou, se quisermos, caracteriza. O misto entre a permanência activa do passado no presente e a capacidade de antecipar futuros que se bem se enquadram, muito melhoram o tempo corrente. E não me estou a referir apenas aos aspectos musicais, propriamente ditos, em que são evidentes o fado e os ritmos antigos do nosso folclore. Estou antes a pensar no conjunto, nas letras e nas ambiências que as combinações dos sons e das palavras sugerem; aí residem o passado e o futuro e a nostalgia de um paradigma quimericamente perdido. É um canto, uma presença, de aqui e de toda a parte e a certeza que livres de constrangimentos e de artificiais proteccionismos que as clientelas servem, também os portugueses acrescentam o belo ao mundo, naturalmente, pelo que nada há de trágico nas misérias que vivemos na actualidade e só de nós depende o caminho do que melhor a vida possa ter para nos dar.
Sim, nós somos do país dos Madredeus.
E o concerto de ontem foi uma pura delícia.
O futuro do mundo é o amor.
Com o jogo de holofotes, atrás dos músicos, criando cenas de ténues luzes coloridas, onde suaves nuvens de fumo caleidoscopavam, como se estivéssemos no céu.
Três violas e sintetizadores e uma voz solando, soprando como o vento de norte sempre nos trouxe o cheiro e a humidade do mar, para temperar o aquecimento da terra que só o suor faz ser amistosa. Asas cadenciadas, serenas, evoluindo num azul infinito.
Belo serão que a família teve no Centro Cultural de Belém.
A Margarida não gostou, como seria de esperar, sabendo nós que ela prefere o pop anglo-saxónico do momento, do género das Shakiras e das Britney Spears ou da Avril Lavigne e outros dos muitos estilos que perfazem as horas de muitas estações radiofónicas e televisivas. E não é de estranhar que lhes saiba dizer os nomes e que a sua colecção pessoal de cds esteja em conformidade. A Matilde acabou por adormecer, a meio da segunda parte; o cansaço não perdoa e ela veio da primeira semana completa de trabalho. Aparentemente gostou, uma vez que sempre esteve atenta e sossegada e, no fim de cada tema, aplaudia com entusiasmo. A Luísa, embora não aprecie muito o grupo, cuja música acha repetitiva, também saiu agradada.
Eu estive numa das maravilhas da Humanidade.
“-Era disto que andavas à procura?” –Sorrindo, com o seu ar brincalhão bem estampado na intencionalidade da interrogação, ao mesmo tempo que destacava, entre os dedos, o estojo de óculos que ontem à tarde procurei e, como é óbvio, não encontrei. E devolvendo o objecto ao sítio do repouso, em acto contínuo, acrescentou: “-Pois, mas agora é preciso aqui para umas coisas e tu já há muito tempo que não precisavas dela.”
E lá foi a Matilde com o que eu tinha procurado na mão.
Ainda se sentem as ondas de choque da palhaçada que foi o Porto Capital Cultural Europeia, em dois mil e um.
A Casa da Música que deveria ter sido inaugurada com o início daquela oportunidade perdida continua em construção e, como se isto não fosse suficientemente vergonhoso, até já serviu de palco para guerrinhas de coutadas em que vimos a desfaçatez de implicados desde o início do projecto defenderem os seus vínculos, como se o que aconteceu tivesse sido apenas o ligeiro atraso na imaginação de um chafariz; aquele que deveria ter sido o principal legado para a cidade daquela organização, está na contingência de ser tapado, pelo lado mar, é claro, por um outro edifício para o Banco Português de Negócios.
Tratam-se de projectos aprovados pelos presidentes anteriores, os Engenheiros Fernando Gomes e Nuno Cardoso e parece que a actual gestão camarária necessitará de uma verba a rondar os dez milhões de euros para evitar que tal aconteça.
É este o tal passado activo que persiste e insiste em nos querer ver na valeta para melhor nos sugar o sangue e o tutano.
E para a gente que assim decidiu, pelo que valem e merecem, tudo teria sido mais fácil e barato se tivessem ficado por uma estátua, para aí com uns cento e tal metros de altura, de Pinto da Costa no lugar dos leões da Boavista.
Vamos a ver o que fica do circo quando a tenda for desmontada.
Amina Laval, a tal nigeriana que há uns anos foi condenada à morte por um tribunal islâmico foi agora perdoada pelos juízes que analisaram o seu recurso, não porque tenham deixado de considerar crime o facto de ela ter sido mãe após o divórcio e sem estar casada com o pai da criança, antes fundamentando o perdão em erros processuais do género de não ter tido advogado de defesa e de ter sido julgada por apenas um e não três juízes como a lei determina. A sharia continua de pé, abatendo-se sobre a população civil de muitos estados da federação nigeriana.
O que terão a dizer sobre isto os relativistas culturais?
Por cá, este é o fim-de-semana do congresso do CDS que, naturalmente, consagrará a actual direcção e a sua política de aliança com o PSD de cujo governo aquele partido também faz parte.
E a tarde serena, se bem que cheia de piares e chilreados, já não conta com o planar das andorinhas.
Ontem foi a manifestação silenciosa contra o abuso e a exploração sexual de crianças, bem como contra a constelação de crimes que a isso andam associados.
Só não fomos porque a fadiga semanal foi muita e o São Pedro dava ares de quem queria pingar o chão e como já tínhamos os bilhetes para o recital da noite, pareceu-nos preferível o recato do lar.
Aquela foi uma marcha de consciências.
O que serão todos aqueles que – para lá da família e não sendo os advogados das respectivas defesas e correspondentes e necessários stafes laborais – deem o mínimo contributo que seja para que os implicados naqueles males vivam sem punição e libertos para continuarem a praticar os actos hediondos?
O futuro do mundo é o amor.
O que não será possível se, entre outras coisas, continuarmos a violentar crianças desta maneira.
Bem e hoje foi um Domingo de descanso.
Agora as miúdas estão no parque infantil, com a mãe e, no que resta da tarde, eu vou aproveitar para acabar de ler a aventura dos primeiros homens na Lua.
Saiu ontem o segundo volume. (1)
Alhos Vedros
28/09/2003
NOTA
(1) Herge, EXPLORANDO A LUA
CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Herge, EXPLORANDO A LUA, Difusão Verbo/Público, Lisboa, 2003
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