quinta-feira, 14 de abril de 2016

"AGOSTINHO DA SILVA: FILOSOFIA E ESPIRITUALIDADE, EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA", de Luís Carlos dos Santos: Recensão do livro


por PEDRO MARTINS

Que a educação de uma geração se deduz das opções filosóficas, já o sabiam, há um século, os homens da Renascença Portuguesa, matriz de onde emerge o vulto de Agostinho da Silva. De modo parecido, a adopção, filosoficamente motivada, de determinada orientação pedagógica e didáctica projecta-se, nas gerações seguintes, no curso da vida política.
A tese de doutoramento em Filosofia da Educação que Luís Carlos dos Santos (LCS) acaba de dar à estampa na Euedito versa essencialmente a primeira daquelas relações condicionantes no pensamento e na obra do autor de Considerações.   
Sendo certo que, para Agostinho, a filosofia é ancilar da teologia, entendeu o autor deste estudo alargar-lhe o âmbito ao domínio, mais vasto, da espiritualidade, evitando assim restringir-se à religião. Justifica-o o ecumenismo agostiniano, na sua pretensão de abarcar e abraçar tradições como o budismo, onde a ausência de Deus pode levar a questionar se se trata ainda de uma religião, ou correntes como o materialismo ateu, e aqui lembrarei, com António Quadros, o mistério metafísico do poder demiúrgico que o marxismo atribui à Matéria, essa Deusa Mãe.
Lucidamente, acentua o autor a ideia de Deus como a pedra de toque e de fecho do pensamento de Agostinho, para quem a plena sacratização da vida é imperativo dirigido aos homens. Posta esta prioridade, não será decisivo apurar se George foi, ou não, filósofo. Porventura um sage, como propôs João Maria de Freitas Branco, ou um profeta, como sugere Pinharanda Gomes, o filólogo que radicou na literatura boa parte do seu filosofar encarece em “O valor actual das Faculdades de Filosofia”, escrito na Paraíba, a importância destas escolas, guardando-lhes, no dizer de LCS, «o papel de guardiãs dos caminhos do espírito rumo à eternidade». A citação aproxima-nos do que um Álvaro Ribeiro defendera em O Problema da Filosofia Portuguesa, ao entrever na Faculdade de Filosofia a cúpula do sistema educativo.
Mérito maior deste estudo, em que se rasga uma panorâmica da evolução espiritual de Agostinho rumo ao ecumenismo que culmina o seu pensamento, é o modo como, neste, o autor averigua as influências sofridas, caso de Teixeira Rego, cuja Nova Teoria do Sacrifício muito contribuiu para uma acepção “alimentar” do pecado original como a que A Comédia Latina, marco miliário da filosofia da história agostiniana, vem propor. Legítima, também, a suposição de que, através de Rego, a ideação de Sampaio (Bruno), seu mestre, se insinuou na de Agostinho. Bem que este nos pareça avesso ao gnosticismo, é de crer que não tenha enjeitado o fundo franciscano da ética cósmica brunina, visando a redenção integral de um Universo a reintegrar na eternidade do Espírito puro, origem, condição e destino da Humanidade. A observação atenta de lugares singelos da obra agostiniana, como o são as quadras, mostra que a angelologia, axial no autor de A Ideia de Deus, permite caracetrizar o misticismo de Agostinho, aproximando-o de Álvaro Ribeiro e António Telmo.
Entre as influições levantadas, uma se destaca pela sua certeza: a de Jaime Cortesão, cujo percurso biográfico aliás antecipa, como que o anunciando, o do próprio Agostinho, para o cruzar no plano dos laços familiares. Tão tributário é o pensamento de Agostinho da historiografia de seu sogro que ao lermos Reflexão nela reconhecemos, como num espelho, tópicos vários de Os Factores Democráticos na Formação de Portugal ou O Humanismo Universalista dos Portugueses.
Neste sentido, o livro de LCS vem enfatizar um paradigma. Por aluvial que seja O Estranhíssimo Colosso, não o apartemos da bacia hidrográfica que nele transborda, pois a sua originalidade assenta, porventura, em problematizar as tendências mentais que, partindo do movimento renascente, informam o século XX português, para as devolver harmonizadas numa síntese enriquecida. A árvore desenvolve-se em ramos; mas todos crescem para a luz. Onde Álvaro Ribeiro apela à realização do homem integral pela tríade Civilização, Cultura, Culto, responde, ou corresponde, Agostinho da Silva com seu Servir, Criar, Rezar
O vasto legado da sua produção teórica no domínio pedagógico e didáctico e a obra assombrosa que em inúmeras experiências educativas concretizou surgem-nos, neste livro de estrutura dual, consequentemente iluminados pelas premissas filosóficas subjacentes. O estudo de Montaigne, e a influência da Escola Nova, mediada pelo convívio com António Sérgio, ou da Escola Moderna, confluindo na centralidade activa que, por um processo educativo libertário, se reconhece à criança convergem, na ideação agostiniana, para o sacral simbolismo do Menino coroado Imperador no culto popular do Divino Espírito Santo, para aqui se tocar o seu cerne profético e messiânico. Tudo isto nos é demonstrado num livro cuja fluência estilística o torna acessível ao comum dos leitores, sem perda de rigor ou objectividade. Denotando enorme admiração sentida pelo autor estudado, LCS, exemplarmente, não incorre no perigo, em que outros já sucumbiram, de lhe hipertrofiar facetas ao sabor das próprias convicções. Só por isso lhe ficaríamos já gratos.


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