sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Amoreira, por Miguel Boieiro


Nasci no campo, numa casa de paredes de adobe, telha vã, chão de barro batido, com uma só porta e uma só janela. O quarto tinha uma cortina a separá-lo da cozinha. Não havia eletricidade, nem esgoto, tampouco água canalizada. O poço donde se tirava a água através duma corda de sisal com roldana e um balde zincado ficava a duzentos metros do casebre. Vivi lá até aos quatro anos porque os meus pais finalmente arranjaram (pediram emprestado) 20 contos e com eles compraram um terreno onde construíram uma casa nova com paredes de adobe, chão de barro, sem eletricidade e sem água canalizada. Mas o poço ficava quase encostado à habitação.

Lembro-me de alguns ingénuos episódios de infante, uns com mais nitidez, outros com menos. Por vezes, esgueirava-me da minha humilde moradia para a faustosa quinta do Valbom da família Quintela que ficava mesmo ao lado. Ao pé do palácio, onde hoje existe o pavilhão gimnodesportivo municipal, havia uma enorme amoreira com um dos troncos dispostos na horizontal. E se tal recordo é porque as sensações que aí obtive com quatro anos me marcaram perenemente. Sentava-me no tronco, à sombra da frondosa árvore e fartava-me de saborear as rubras e sumarentas amoras. A outra sensação que me marcou foi a das fartas tareias que apanhei porque o bibe ficava todo cheio de nódoas, impróprio, segundo a minha mãe, para um menino pobre mas asseado.

Começo assim esta croniqueta para realçar que era muito comum haver amoreiras nas quintas da gente rica. Elas proporcionavam uma espécie de estatuto social superior aos seus proprietários. Hoje isso já não acontece. Arrancaram a maior parte das centenárias árvores talvez por ocuparem demasiado espaço e encontraram outras formas de ostentar o seu poder. Adiante!

A Morus spp é uma árvore caducifólia da família das Moraceae proveniente da Ásia que tem mais de cem espécies espalhadas em todo o mundo. Entre nós as variedades mais conhecidas são, consoante os seus frutos, a Morus nigra (amora preta), a Morus alba (amora branca) e a Morus rubra (amora vermelha). Possui folhas alternas, dentadas, ovais ou cordiformes. A árvore, de crescimento rápido e resistente, é monóica o que significa que contém os dois sexos na mesma unidade.

Os frutos da amoreira-negra têm forma alongada, quase desprovidos de pedúnculo, ficando agridoces após a maturação. Os da amoreira-branca são pequenos e muito pedunculados, mais doces e sem qualquer acidez.

Não obstante o potencial das amoras, que à frente pormenorizaremos, as amoreiras lograram importância económica por via das suas folhas, exclusivo alimento dos bichos-da seda. Isso, creio que toda a gente sabe. Interessa agora analisar as virtudes da planta no campo da fitoterapia.

As amoras são ricas em vitaminas, sobretudo a vitamina C. Possuem açúcares, ferro, cálcio, fósforo, magnésio, potássio, ácido málico, pectina, betacaroteno, tanino, essências e altas taxas de antioxidantes. Foi recentemente detetada a existência de resveratrol, importante polifenol que favorece a produção de colesterol HDL e previne as doenças cardiovasculares.

Os saborosos frutos são tónicos, refrigerantes, laxativos, excelentes para debelar constipações, gripes, tosses, dores de garganta e anemias. Regularizam o funcionamento dos intestinos e possuem ação contra o envelhecimento.

Em culinária são vastas as hipóteses de utilização: bolos, sorvetes, geleias, doces cristalizados, licores, xaropes e compotas. Temos feito compotas de amoras brancas que requerem paciência para lhes retirarmos os pedúnculos.

 Parece, no entanto, que são as folhas que se encontram atualmente na moda e constituem algo de milagroso. Descobriram que o “chá” das folhas é muito eficaz para aliviar os problemas da menopausa (e porque não também da andropausa?). Para além disso, combate a hipertensão, desinflama os pulmões e alivia os transtornos respiratórios, as dores de cabeça, as insónias, a depressão, a diabetes e a osteoporose.
E vejam lá, os rebentos tenros são edíveis!

Para terminar e à laia de curiosidade, eis uma tisana antiga para a sarna, extraída da “Medicina pelas Plantas” do Dr. Oliveira Feijão: cozimento concentrado das folhas secas e das cascas (60 g para um litro de água) a que se adiciona raiz de romãzeira. Aplicar topicamente.


Miguel Boieiro

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