Nasci no campo, numa casa de paredes de adobe, telha vã, chão
de barro batido, com uma só porta e uma só janela. O quarto tinha uma cortina a
separá-lo da cozinha. Não havia eletricidade, nem esgoto, tampouco água
canalizada. O poço donde se tirava a água através duma corda de sisal com roldana
e um balde zincado ficava a duzentos metros do casebre. Vivi lá até aos quatro
anos porque os meus pais finalmente arranjaram (pediram emprestado) 20 contos e
com eles compraram um terreno onde construíram uma casa nova com paredes de
adobe, chão de barro, sem eletricidade e sem água canalizada. Mas o poço ficava
quase encostado à habitação.
Lembro-me de alguns ingénuos episódios de infante, uns com
mais nitidez, outros com menos. Por vezes, esgueirava-me da minha humilde
moradia para a faustosa quinta do Valbom da família Quintela que ficava mesmo
ao lado. Ao pé do palácio, onde hoje existe o pavilhão gimnodesportivo
municipal, havia uma enorme amoreira com um dos troncos dispostos na
horizontal. E se tal recordo é porque as sensações que aí obtive com quatro
anos me marcaram perenemente. Sentava-me no tronco, à sombra da frondosa árvore
e fartava-me de saborear as rubras e sumarentas amoras. A outra sensação que me
marcou foi a das fartas tareias que apanhei porque o bibe ficava todo cheio de
nódoas, impróprio, segundo a minha mãe, para um menino pobre mas asseado.
Começo assim esta croniqueta para realçar que era muito comum
haver amoreiras nas quintas da gente rica. Elas proporcionavam uma espécie de
estatuto social superior aos seus proprietários. Hoje isso já não acontece.
Arrancaram a maior parte das centenárias árvores talvez por ocuparem demasiado
espaço e encontraram outras formas de ostentar o seu poder. Adiante!
A Morus spp é uma
árvore caducifólia da família das Moraceae
proveniente da Ásia que tem mais de cem espécies espalhadas em todo o mundo.
Entre nós as variedades mais conhecidas são, consoante os seus frutos, a Morus nigra (amora preta), a Morus alba (amora branca) e a Morus rubra (amora vermelha). Possui
folhas alternas, dentadas, ovais ou cordiformes. A árvore, de crescimento
rápido e resistente, é monóica o que significa que contém os dois sexos na
mesma unidade.
Os frutos da amoreira-negra têm forma alongada, quase
desprovidos de pedúnculo, ficando agridoces após a maturação. Os da
amoreira-branca são pequenos e muito pedunculados, mais doces e sem qualquer
acidez.
Não obstante o potencial das amoras, que à frente
pormenorizaremos, as amoreiras lograram importância económica por via das suas folhas,
exclusivo alimento dos bichos-da seda. Isso, creio que toda a gente sabe.
Interessa agora analisar as virtudes da planta no campo da fitoterapia.
As amoras são ricas em vitaminas, sobretudo a vitamina C.
Possuem açúcares, ferro, cálcio, fósforo, magnésio, potássio, ácido málico,
pectina, betacaroteno, tanino, essências e altas taxas de antioxidantes. Foi
recentemente detetada a existência de resveratrol, importante polifenol
que favorece a produção de colesterol HDL e previne as doenças cardiovasculares.
Os saborosos frutos são tónicos, refrigerantes, laxativos,
excelentes para debelar constipações, gripes, tosses, dores de garganta e
anemias. Regularizam o funcionamento dos intestinos e possuem ação contra o
envelhecimento.
Em culinária são vastas as hipóteses de utilização: bolos,
sorvetes, geleias, doces cristalizados, licores, xaropes e compotas. Temos
feito compotas de amoras brancas que requerem paciência para lhes retirarmos os
pedúnculos.
Parece, no entanto,
que são as folhas que se encontram atualmente na moda e constituem algo de
milagroso. Descobriram que o “chá” das folhas é muito eficaz para aliviar os
problemas da menopausa (e porque não também da andropausa?). Para além disso,
combate a hipertensão, desinflama os pulmões e alivia os transtornos
respiratórios, as dores de cabeça, as insónias, a depressão, a diabetes e a
osteoporose.
E vejam lá, os rebentos tenros são edíveis!
Para terminar e à laia de curiosidade, eis uma tisana antiga
para a sarna, extraída da “Medicina pelas Plantas” do Dr. Oliveira Feijão:
cozimento concentrado das folhas secas e das cascas (60 g para um litro de
água) a que se adiciona raiz de romãzeira. Aplicar topicamente.
Miguel Boieiro
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