quinta-feira, 29 de junho de 2017

O Império Português, 500 anos...


Francisco Gomes Amorim
http://fgamorim.blogspot.pt/

Texto polémico o que se segue. Mas o que há de melhor do que polemizar... para mais nos compreendermos e entendermos? Polémico e o resumo do resumo!

É sabido que em 1483 Diogo Cão chegou à foz do rio Zaire, onde tomou conhecimento de um potentado africano, o Manicongo. Desembarcam e são festivamente recebidos pela população. Para não interromper a viagem de exploração do Atlântico, segue para o Sul até ao Cabo de Santa Maria, mas manda emissários ao rei do Congo. No regresso não encontra os emissários e leva alguns congoleses até Portugal. Regressa no ano seguinte, trazendo de volta os africanos que levara, e é ele quem vai cumprimentar o rei do Congo, na sua embala, a cerca de 200 quilômetros da costa. O reino englobava algumas áreas a que depois se deram nomes “europeus”: ducados, marquesados e condados.

Para ajudar o novo “irmão” do rei D. Manuel, não tardou a que soldados portugueses tivessem que entrar em guerras entre os vários nobres da região, procurando que entre todos houvesse paz. Portugal queria parceiros comerciais e só com paz haveria comércio. Jamais houve.

Entretanto, um pouco a sul, o N‘Gola, sabendo do convívio dos portugueses com o rei do Congo, manda uma mensagem ao rei de Portugal pedindo-lhe missionários. E vai Paulo Dias de Novais, como embaixador, acompanhado de quatro missionários, desembarca em Luanda e segue ao encontro do chefe indígena. Já não era o que tinha escrito a carta, mas um filho seu. Paulo Dias acaba prisioneiro durante cinco anos!

E as guerras entre os vários sobas e destes com os portugueses, não acabam nunca. Ora se alinhavam de um lado ora de outro.

Sem que se conheçam as suas procedências e suas histórias, algumas centenas de portugueses já se haviam espalhado por Angola, negociando diretamente com os povos indígenas. Desde o Congo até Benguela, e para o interior, esses foram, por sua conta e risco, os primeiros europeus a habitarem a África negra.
Por influência destes e de alguns relatórios dos jesuítas, em Portugal era grande o sonho da prata que Angola teria. Nunca teve.

Em 1498, a caminho da Índia, chegam os portugueses a Moçambique. O objetivo desta viagem era muito mais importante do que o hipotético comércio com Angola. A Índia e as suas especiarias, negócio altamente rendoso, na Europa nas mãos de venezianos e genoveses e nos mares até à Europa com os árabes, muçulmanos, inimigos da cristandade, que havia pouco tinham sido despejados da Península Ibérica. O objetivo era tomar esse negócio das suas mãos, e fazer de Lisboa o centro de distribuição dessas especiarias para toda a Europa.

Em Moçambique, a Ilha, era o ponto obrigatório de passagem de todos os comércios com a Índia, e apesar de pequena, era já povoada por árabes e macuas islamizados. A partir desta visita, Portugal consegue uma pequena parte, cria uma Misericórdia para aí deixar doentes, e ter o seu apoio logístico.
Começa a ganância. Naus cada vez maiores e com mais naufrágios, em poucos anos o custo da “Índia” era superior ao seu rendimento e, além de se endividar, Portugal começou por proibir a instalação de colonos nas terras a que se outorgou possuidor, por terem sido “descobertas” pelas suas caravelas.

Assim que o Brasil se mostrou colonizável, Angola passou a viver do negócio da escravatura. Escravos era a principal “mercadoria” que todos encontravam em África. Além disso, Angola, pouco mais tinha: um pouco de cera, para iluminação e para as igrejas, um tiquinho de marfim, e prata... zero.

Na costa Oriental, tudo quanto Portugal pretendia era ter livre o acesso ao Monomotapa. Ao ouro do Monomotapa! Nada de colonizações. Mas arrogava-se o direito de ser senhor das terras primeiro visitadas e depois daquelas em que, em permanência, se batia com os árabes, ali instalados há vários séculos, para garantirem o comércio do precioso metal, e para combaterem o negócio de escravos.

Além do ouro tinha muito marfim, normalmente enviado para a Índia onde era trabalhado por artistas artesãos. Da Índia saíam os principais produtos que serviam de troca com o nativo moçambicano.

E durante séculos as colônias africanas era “propriedade” dos reis de Portugal, mas limitadas a uma pequena faixa de terra litorânea e a algumas capitanias em portos onde pudesse haver negócio.

Lourenço Marques “descobre” a “Baía da Lagoa, que mais tarde teve o seu nome, mas onde durante uns dois séculos não residia nem um único português ou colono.

Foi assaltada por austríacos, ingleses e franceses, porque ali o negócio de marfim era importante. Mas sempre Portugal reclamava que aquelas terras lhe pertenciam porque fora o primeiro a descobri-las!

Em 1781 o ministro Martinho de Melo e Castro mandou povoar o interior de Sofala, porque na fortaleza só havia uma dúzia de famílias portuguesas, todas já mestiçadas ou de origem goesa. Em 1885 Gungunhana afirmava ao Conselheiro Almeida que a fronteira portuguesa passava a duas léguas de Sofala e para o interior o território era dele.

Em Angola a situação diferia um pouco, mas todo o interior pouco mais gente tinha do que um outro sertanejo como o famoso Silva Porto.

Na Zambézia, Portugal criou uma invenção curiosa: para poder arrecadar mais algum imposto passou a conceder “Prazos”, praticamente sempre a famílias mestiças e/ou também de origem goesa, mas neles não exercia nenhum domínio.

As lutas sustentadas contra os nativos não foram provocadas, até final do século XIX por lutas entre portugueses e africanos, mas por necessidade de apoiar um ou outro régulo afim de manter a paz no interior e assim o comércio poder fluir.

É o olho gordo dos ingleses que querem as melhores regiões de África para expandirem a sua “religião” comercial que provocam grande instabilidade. Estavam em plena revolução industrial e descobriram que só para cima de Moçambique havia mais de quarenta milhões de africanos que não usavam calçado nem camisa, o que pressupunha uma imensa possibilidade de negócio.

A partir daí, quando os portugueses, que tanto em Angola como em Moçambique sempre tinham precisado da autorização dos sobas e régulos para comerciarem, o que implicitamente reconhecia a soberania destes, a Conferência de Berlim, estimulada também pela ganância do rei dos belgas, determina que só ficam com direito a terras em África os países que os ocupem militar e administrativamente.

Virou-se o jogo. Agora eram os sobas e régulos que dependiam de Portugal, e isso foi um imenso desastre.

Portugal que até essa altura não admitia, sobretudo em Moçambique, colonizar esses “seus” territórios, começou a “vendê-lo” em parcelas. E mais, se não admitira nunca estrangeiros, teve que os ir buscar, porque, sempre pobre e endividado, não dispunha de capitais para desenvolver as “novas” colônias.
E assim nascem a Companhia dos Diamantes de Angola, com capitais portugueses (pouquíssimo), mas de maioria belgas, americanos, ingleses e sul-africanos, a Companhia Agrícola de Angola - CADA -  financiada por capitais belgas, em Moçambique as Companhias Majestáticas como a Cia. de Moçambique, Cia. da Zambézia, Cia. do Niassa, Cia. do Boror, todas com capitais estrangeiros, que quando viram que o negócio agrícola não era rentável, começaram a vender trabalhadores para as minas de ouro da África do Sul, e outras várias.

Depois lembrou-se de fundar o Banco Nacional Ultramarino, visando o desenvolvimento colonial, mas que se verificou ter sido um elemento de falência para os incautos e entusiastas que se lembraram de a ele recorrer para a agricultura.

Angola rendeu, sobretudo para os traficantes, enquanto floresceu a escravatura, em Moçambique lutava-se contra esse tráfico. O Brasil já independente teimava em traficar e, como sempre, os contrabandistas e desonestos, conseguem durante muito tempo ainda negociar, vergonhosamente, gente.

No século XIX e Portugal, sempre pobrezinho e mal governado, decide defender as colónias, sobretudo das forças de países europeus, e luta sobretudo contra os alemães.

As poucas e mal pagas e mal treinadas tropas da metrópole, auxiliadas por soldados africanos lutaram valentemente. Foi a época dos heróis, brancos e negros, que procuravam pacificar os territórios que lhe foram “oferecidos”!

O século XX abre os olhos da metrópole e começa a desenvolver-se Angola e Moçambique, já sem recursos a escravaria, marfim, ouro ou a imaginada prata, sempre por iniciativa privada, e não por ação e planificação do “reino”, que nem no pequenino espaço europeu se entendia.

Este surto de desenvolvimento, que cresce de forma importante sobretudo a partir do final da II Guerra Mundial, marca profundamente a economia dos dois países que, logo a seguir ascendiam à sua independência.

O que é inimaginável para qualquer outro povo é que o grande surto de desenvolvimento se dá com o começo da guerra colonial, a partir de 1961.

Em 1974 acabam as colónias.
Os 500 anos tão badalados sumiram na bruma do tempo.
Em todo o lado por onde andou Portugal deixou a sua marca própria de convivência, desde Cabo Verde a Timor, Malásia, Indonésia e Índia, e sobretudo em Angola e Moçambique.

Não foram 500 anos de ocupação ou colonização. É um sofisma chorarem os portugueses pelos cinco séculos que “perderam, assim como o é também dos africanos dizerem que sofreram cinco séculos de dominação.

Ainda hoje, em Angola o nome mais respeitado de governante daquela terra, incluindo todos os que vieram depois da independência, é o de Dom Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho.

Por Moçambique também passaram grandes homens: Mouzinho, Freire de Andrade, João de Azevedo Coutinho, e outros.

Os sofismados “500 anos” foram, isso sim, cinco séculos de muita vivência, convivência, apesar de haver páginas tristes, como sempre houve em todo o lado e, infelizmente, continuará a haver.
Cada vez que se falar em “500 anos
em África” devemos celebrá-los como sendo “500 anos a conviver” com irmãos mesmo que por vezes desavindos.

Eu estive por lá pouco mais de vinte.
E como guardo toda aquela África no coração.

12/07/2017

quarta-feira, 28 de junho de 2017

SEQUELAS DO TESSIQUEZAPE


Abdul Cadre
abdul.cadre@gmail.com


ROMPER BARREIRAS, como é óbvio e a própria palavra romper no-lo diz, implica violência, o que varia em cada acto é o grau e a justificação (ou a desculpa).
A violência está profundamente enraizada na natureza, na humanidade, em cada um de nós. Nascer é uma violência e morrer é-o também. Na pragmática, no acaso e na transcendência há uma constante de violência. Concebemos o parto sem dor para as nossas crias, mas não o soubemos inventar para a reprodução dos dias.
Olhando o passado distante, poucos se apercebem do facto de ter sido há milhares de anos que o homem rompeu a barreira do som pela primeira vez. Verdade, isso mesmo, há milhares de anos, sem qualquer introdução aqui de realismo fantástico. Há milhares de anos, quando era ainda impensável voar, coisa que apenas atribuíamos aos insectos, às aves e aos anjos, embora o morcego, que não pertencia nem pertence a nenhuma destas categorias, também voasse. E bem. E continua a voar.
Há milhares de anos, repetimos, quando não havia imagem sonhada sequer de aviãozinho de pau-e-corda, quanto mais de supersonorização.
Foi há milhares de anos quando, digamos que por desfastio ou necessidade de afirmação, inventámos o chicote. Dava um prazer dos diachos ouvir aquele tessiquezape, mas não foi pelo prazer dessa música concreta que o inventámos. Não. O que nos moveu — o que sempre nos move — foi pensar no que lucraríamos com o castigo do lombo das bestas e dos escravos submetidos aos interesses da nossa tripa e do nosso ócio. Ontem como hoje, é a tripa que mais ordena, que tudo condiciona.
À luz do que sabemos hoje, torna-se perfeitamente evidente que rompíamos então a barreira do som apenas do lado de fora, e é claro que, a partir daí, aperfeiçoámos imenso a técnica do tessiquezape. E não confundamos as coisas: nos seus voos entre Paris e Nova Iorque, o Concorde, entretanto falecido e descontinuado, mais não foi do que um fait-divers, porque afinal, bem lá no fundo, o que nos movia era o insofismável desejo do abate seguro e rápido do inimigo em voo, ou o seu churrasco, quando rastejante, não o devaneio transcrito nos jornais de chegar ao destino antes da hora da partida. 
Pois é: contrariamente ao que fingem pensar certas almas piedosas, do parto ao genocídio há o exercício constante da violência e toda a acção humana se caracteriza pela ruptura de barreiras reais ou imaginárias: o romper das águas. ´
Será uma maldição?
Não e sim! É a maldição da besta, porque ao homem, assim o presumimos, caberia tomar consciência dos medos escondidos nos seus porões, a desocultação dos seus atavismos e a sublimação dos seus actos pela iluminação do gesto. Palpita-nos, porém, que isto não seja muito bom para o share e seja demasiado prejudicial para o mercado...
E é de temer — sem dúvida que sim — que se confunda iluminação do gesto com o incêndio das cidades, à bomba ou por archote, e a iluminação do homem pela sua submissão a qualquer doutrina salvífica que pseudo-iluminados de ocasião decretem. 
Faz muito tempo, um judeu de origem portuguesa, nascido não se sabe muito bem onde, inventou uma consigna que se tornou emblemática para aquela que viria a tornar-se na mais ecuménica das revoluções triunfantes, mas todavia ainda não completamente realizada, dada a grande dificuldade da quase quadratura do círculo que é manter inseparáveis Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
É comum etiquetar-se de francesa esta revolução, mas não devíamos chamar-lhe assim. O ter-se tornado tão contagiosa deveu muito à ganância e à intrepidez napoleónicas, mas Napoleão não era originariamente francês, era corso. Burguesa, sim, é que ela foi e não deixou de ter presente o tessiquezape do nosso atavismo, como não poderia deixar de ser. Se beneficiamos hoje — e muito — dos seus aspectos mais positivos, tal não deve impedir de nos lembrarmos das grandes iniquidades perpetradas e de ter presente que toda a rebelião, como disse alguém, é um invento que serve para substituir uma forma de tirania por outra.
Por aquilo que já dissemos e pelo que digamos mais adiante, poderá inferir-se que somos pessimistas, mas colocamos aqui este parêntesis para afiançar que não. Aliás, como sabem, pessimistas e optimistas cabem na tal parábola do copo meio cheio e do copo meio vazio. Também se poderá pensar que achamos que o mundo esteja hoje pior do que no passado. Não está. Além disso, o homem está bem melhor e, sob o ponto de vista material, nunca esteve tão confortavelmente instalado quanto hoje. O que acontece é que chegámos a um fim de ciclo, as nossas instituições caminham para a putrefacção e ainda não arregaçámos as mangas para nos reorganizarmos para uma nova era e um novo mundo. Só isto, que não é pouco. 
Assim, que não se assustem os leitores, porque é evidente que, apesar da pesada atracção da nossa animalidade, progredimos alguma coisa no sentido da rejeição dos infernos que fomos criando ao longo da nossa caminhada. Todavia, descuidámos muitos valores que pareciam conquistas seguras. Por exemplo, falar em honra, respeito e verdade provoca comummente o riso e o desdém; são conceitos incomportáveis para o discurso em uso, o discurso que o mercado determina e a apatia consente.
Quanto ao que progredimos, poderíamos dizer que do atavismo reproduzido na tradição oral, da pragmática da tribo, dos tabus, da união pelo sangue e pelo chefe, das entoações mágicas e guerreiras, da agressividade de sobrevivência e domínio progredimos para a História, a Filosofia, a Religião, a Política, a Poesia, o Canto, a Dança, o Desporto, mas do atavismo guerreiro forjado na irmandade e na entreajuda, da hospitalidade, da caridade, da religiosidade, da força física, da inteligência emocional, regredimos ou subvertemos perigosamente para a destruição massiva, o individualismo, a competitividade, a bastardia, o condomínio fechado; desdenhámos o sem-abrigo e enaltecemos o mercenário, vergámos a cerviz ante o poder do dinheiro, mergulhámos no estranho fanatismo da indiferença, detestámos as manhãs e inundámos as noites de néon...
E vejam como, para além de subsistir por toda a parte a velha escravatura stricto sensu, surgiram novas formas de escravatura e de dependência com características feudo-vassálicas: o trabalho temporário, o desemprego técnico, o migrante em fuga, os recursos humanos descartáveis...
Recursos humanos! Como se humano fosse coisa.
Em nome de um sistema que a si próprio se nega, estamos a tornar o mundo um lugar de ostracismo habitado por supranumerários; uma selva pós-moderna com selvagens reciclados, tudo isto embrulhado em apatia e justificado pela cibernética, porque só a cibernética pode explicar que é, aquilo que não é. A montante e a jusante da nossa apatia, os incendiários de sempre põem todo o zelo em que não falte nunca a devida ração de medo. Que sejamos avestruzes é o seu descanso, que não nos interroguemos sobre os nossos direitos de cidadania, a nossa liberdade, a nossa realização e a nossa felicidade é a sua garantia de conservação do poder, de manutenção dos privilégios.
Se a decadência de todas as instituições se acentua a cada dia que passa neste tempo que apodrece, que legitimidade sobra aos governos, sufragados ou não?

CONVITE - Arte na ARCÁDIA , Quinta Outeiro da Luz, Chaque-Branca, Albergaria-a-Velha, Sábado dia 1 de Julho






No próximo dia um de Julho, pelas 17 horas, na Branca, Quinta da Luz, a Arcádia-Associação de Cultura em Diálogo, promove mais um evento cultural onde se misturam a música, a poesia e um convívio saudável.
Na apresentação do livro “ Poemas Vadios” de Manuela Peixoto, Eduardo Pereira e Magui Ramalho, a cargo do Professor Mário Rui, serão lidos poemas pelas vozes de Rita Vizinho, Maria Luísa Peixoto e Abílio Tavares.
O espaço musical terá a colaboração de Felisberto Neves; Grupo Os Madrigais, da Universidade Sénior de Oliveira de Azeméis; as Violinistas, Sofia Vizinho Santana e Ana Lúcia Magano.
Haverá ainda a colaboração especial de Inês Rodrigues Freire e Cláudia Duarte, na Dança.
Com um Porto de honra a ajudar a animar o convívio, o Presidente da Arcádia, Dr. António Duarte Justo, convida todos para este encontro de amigos, onde o prazer dos sentidos se cruza com as emoções da alma!

terça-feira, 27 de junho de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Coisa arrepiante; um jogador do Benfica, o húngaro Micklos Féher teve uma paragem cardíaca no decurso do jogo com o Guimarães. 
Estatelou-se inanimado. Espera-se o pior. 



Mas isto foi verdadeiramente um Domingo negro. 
Como na sexta-feira foi confirmado o acórdão do Tribunal Constitucional que considerou ilegal a destituição de Fátima Felgueiras da presidência do executivo da câmara municipal de Felgueiras, temos agora ilegalmente destituída uma mulher que fugiu à justiça e invectiva a investigação que levou o Juiz de Instrução a decretar-lhe a prisão preventiva, à qual se furtou através de uma fuga que teve o aspecto de estar atempadamente preparada. 
É claro que a espertalhona veio logo para os telefones das nossas televisõezinhas ávidas de sangue e arenas, precisamente para proclamar a injustiça de se ver uma edil, legitimamente eleita, ilegalmente impedida de continuar no exercício das suas funções. 
Naturalmente silencia o pormenor de ser arguida num caso de alta corrupção em face do qual fugiu à justiça. 
Temos assim uma foragida a dar conferências pelo telefone. 

Mas o pior foi a carta aberta que a mulher escreveu ao Presidente da República na qual diz que, à semelhança da mais alta figura do estado, também ela foi vítima de uma carta anónima. 

Portugal não está mal, já só não passa de uma opereta de terceira categoria. 



“-Ó pai, o rock’roll é o género de música que os Rolling Stones tocam?” –Perguntou-me a Margarida.
“-Também, mas eles não tocaram só rock’roll. Aliás, dentro da música ligeira, os Stones tocaram todos os estilos de música.” –Respondi. 
“-O quê? Também tocaram fado?” –Intrometeu-se a Matilde. 
“-Bem, fado não.” –Corrigi. “-Quando disse todos os estilos, estava a referir-me à música anglo-saxónica…” –Comecei a explicar, mas a Matilde interrompeu-me. 
“-É que eu não estava nada a ver os Rolling a tocar fado.” 



E o pior aconteceu. 
Micky Féher morreu, aos vinte e quatro anos de idade. 
Deus guarde a sua alma. 

Esta noite estamos todos com a dor dos benfiquistas. Estamos de luto. 
A noite desportiva terminou em tragédia. 

E por isso hoje fico por aqui. A hora agora é de recolhimento. 


 Alhos Vedros 
  25/01/2004

segunda-feira, 26 de junho de 2017

REAL... IRREAL... SURREAL... (260)


J.M.W. Turner


Amor é fogo que arde sem se ver;


Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;


É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;


É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.


Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Luís de Camões

Selecção de António Tapadinhas


sábado, 24 de junho de 2017

"Um rosto algo apático"





"Um rosto algo apático, ou introspectivo"

Ecoline sobre cartão tamanho A4

Ana Pereira

...afinal  Férias não é só  festa  e o descanso  também é  beber por dentro  outros azuis  talvez  celestes. 

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Ouro Preto


duetos luso-brasileiros




Fotografia: Kity Amaral
Texto: Luís Santos

OURO PRETO

 ...também em simbólica
homenagem às vítimas, e aos que lhes são mais próximos, do violento incêndio que se fez sentir nos últimos dias em Pedrógão Grande, coração de Portugal.

Reconheço de imediato essas cores. Portadas e véus. Nunca lá estive, mas tenho uma bandeira igual no vão da minha janela. Arquitetos do universo, pedreiros livres, triângulos em cima de quadrados. Da embarcação 5-15 para vera cruz, nossa terra.
Lembro-me de como era dantes, dos garimpeiros e dos bandeirantes. Do ouro preto da pele que era a minha. Do sonho que então tive com um reino divino, que vinha depois de vir, e dos escravos agrilhoados, a minha família. Daqueles índios, daquela índia.
Ajudámos a fazer um país e demos um grito que foi até ao fundo do mundo, pela libertação da alma de todos, pelo querer fraterno de todos em um, um sentimento de nascermos todos à mesma hora. Do que nos é justo afinal.
A tempestade amainou. Cessou a trovoado seca e o vento enrodilhado das chamas. Mas o desesperante cheiro de carne queimada ficou. O sacrifício foi pesado e, depois, um novo dia nasceu, estranhamente, em paz. O paradoxo é que tudo faz parte e o motivo é uma razão maior, do claro dia.
Hoje somos, e como diz o acaso da foto, rebuscamos "motivos para ser feliz" (como se alternativa houvesse...). A essa feliz cidade, a essa idade feliz. A natureza é assim, e que tempestade é essa? O preço a pagar por termos mantido a discórdia.
Ai, saudade… Foi por ela.

E a música é? - https://youtu.be/hc0QISkjKZs

quarta-feira, 21 de junho de 2017

“De Calças Rasgadas Nas Algibeiras Cheias De Brilhantes Olhos Índigo”


Corro com as calças rotas nas pregas
Falta-me a pureza do ar nas algibeiras
No fundo faltam-me fundos e o fundamental

Deambulo pelo Sol feito um vagabundo
Como a luz que dele sai com garfo e faca
Alimento-me de pura energia heliográfica

Materializo pecados incomuns e idiotas
Arrependo-me momentos ou dias depois
Arrasto-me pelas esquinas beijando mãos

Pego-me mesmo sem cola a olhos brilhantes
Perco-me imediatamente na falta de gravidade
Oscilo como um indeciso pendulo instável

Marco horas e mudo tudo a meio caminho
Idealizo e cumpro nem metade dos objectivos
Dá-me a preguiça e sigo-a hipnotizado a passo

Ronco à noite que nem um Adamastor
Ressono como um troglodita das cavernas
Acendo o candelabro para vêr se está tudo bem

Conduzo o camião pesado como um robô
Descrevo movimentos sincronizados nas rectas
Paraliso antes de chegar às curvas mais apertadas

Toco numa banda de música para não adormecer
Canto a ler o jornal do avesso ao início da madrugada
Qualquer coisa serve como instrumento musical

Escrevo e leio para adultos e crianças índigo
Revelo mensagens de lento despertar suave
Provoco paradoxais polémicas psíquicas de propósito…

Abro um canal receptivo para o interior da compreensão…

Escrito por Manuel (D’Angola) de Sousa, a 17 de Junho de 2017, Celebrando o que a alegria, a sabedorias, o amor, a tenacidade, a tolerância, a compaixão, o perdão, o bom senso e o sentimento de paz, a fraternidade e todos os benefícios, encerram e têm de melhor, de benéfico, de construtivo, de evolutivo e de positivo para toda a Humanidade…

terça-feira, 20 de junho de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

ONTEM FOI FIA DE GREVE

Com o Sol, mesmo tímido, voltamos a usufruir da companhia das asas planantes das andorinhas. 

São inspirações para o diário de uma filha adorada. 



Ontem à noite realizou-se mais uma Assembleia Geral na Vélhinha, para a eleição dos corpos gerentes para o próximo ano e, tendo sido eleito na única lista que se apresentou a escrutínio, cumprirei mais um mandato como Vice-Presidente da Mesa da Assembleia. 

O biénio anterior foi positivo e a colectividade continua pujante nas actividades que desenvolve. Mas permanece com a Biblioteca desactivada e eu sei que ali há boas colecções de literatura de meados do século passado. É uma pena que assim seja e por isso tenho em mente vir a proceder à recuperação daquele espaço de leitura; se o fizer, será o meu contributo para a vida daquela associação por ocasião desta minha passagem por funções directivas, na medida em que pelos finais da década de oitenta fui co-autor dos estatutos que actualmente ainda estão em vigor, ocupando então o mesmo cargo do presente e, ao longo da minha adolescência, dei o meu esforço nos trabalhos de algumas comissões culturais, para além de ter representado as suas cores pela equipa de futebol de salão por esses mesmos anos juvenis. 

Para mim é um orgulho pessoal participar neste género de actividades cívicas. 
Fundamentalmente, trata-se de uma forma de intervenção na sociedade civil que tão importante é para a civilização democrática. 
Para além disso, é com todo o respeito por um dever relativo aos valores familiares; a seu tempo, tanto o meu avô paterno como o meu pai foram Presidentes da Mesa da Assembleia Geral e os meus bisavós, sempre do lado paterno, não só foram directores como músicos da banda em cuja fundação participaram os seus pais. 

Não estranharia e muito me alegraria se alguma das minhas filhas viesse a deixar o seu testemunho naquela história centenária que no conjunto das similares está no grupo das mais antigas do país. 
Para já, ali se iniciaram na educação física. 



Mas este foi um dos motivos porque fiz gazeta a estas páginas. 
O outro foi a greve da função pública que à Matilde proporcionou um dia de folga o que não teve mal algum e proporcionou uma manhã para descanso. 


Na quinta-feira passada, os alunos realizaram exercícios e fichas sobre os números e as palavras dadas. 
Trouxeram trabalho para casa que a minha filha já resolveu com todo o zelo e correcção. 



A sonda europeia “Mars Express” confirmou a existência de gelo no polo sul marciano. 
Aquilo de que há muito se suspeitava obteve agora as provas directas que as fotografias daquelas regiões possibilitam. 
Há dióxido de carbono gelado mas também foi encontrada a assinatura da molécula de água, tal como a conhecemos, sob a forma de H2O. Se alguma vez esteve no estado líquido à superfície do planeta, se bem que alhures hajam alguns indícios disso, ainda não é possível saber. Parece que a quantidade de gelo, embora considerável, apenas formaria uma película com alguns metros de profundidade o que, comparado com a Terra, seria uma gota. De qualquer forma, não deixa de ser uma descoberta importante e depois tem sempre aquele lado empolgante de deixar em aberto a possibilidade de, num hipotético passado húmido, ter surgido alguma forma de vida extra-terrestre. 

À parte dos aspectos quiméricos, a existência de água permite encarar com maior realismo a fixação de populações humanas naquele planeta que assim ganha potencialidades para vir a constituir uma base avançada para a exploração do sistema solar e, posteriormente, do espaço intra e inter-galáctico. 
É essencialmente por isto que esta descoberta é relevante. 
A prospecção cósmica está para o futuro da nossa espécie como a colonização da superfície terrestre esteve para os nossos mais remotos antepassados que um dia saíram de África. 

Se às estrelas devemos uma parte daquilo que somos, provavelmente estaremos a responder a um apelo para que as exploremos. 



Por cá é que a pouca vergonha continua. 

Começou uma nova fase da campanha publicitária ao Euro 2004 e não tem qualificação o despudor com que os comentadores de um programa de debate político, na RTP 1, encomiaram o spot que nos dá a imagem de um país que pára por causa do futebol; até um padre aparece com toques de Rivelino.

O maior desperdício de todos os tempos ganha assim fóruns de culto da irresponsabilidade. 
Devíamos alterar o nome do país para Pintogal. 



E de Itália continuam os sinais perturbantes. 

Entre nós, a palhaçada regionalista tem num dos seus lóbis o gosto pela comparação com a Catalunha e a cidade de Barcelona, mas aos democratas daria mais resultado se usassem os transalpinos como termo de comparação e fonte de ensinamentos. 
A esquerdazinha europeia e a versão lusitana também, falaram muito da xenofobia e do populismo de Haider, na Áustria e os burocratas e políticos de Bruxelas fizeram o chinfrim que se viu com reprimendas àquele país, mas é de Itália e do poder de Berlusconi que vêm os maiores desafios e os piores perigos para a democracia e a própria União Europeia enquanto comunidade de liberdade tal como hoje a conhecemos. São as máfias organizadas – tenham a cor e o timbre que tiverem – que podem sempre usurpar o poder democrático e pô-lo ao serviço dos seus interesses e conveniências. E como nos lembra Darendhorf, podemos sempre eleger não democratas. (1) 

Pois agora o homem pretende descentralizar o poder para as regiões com o que, naturalmente, diminuirá a capacidade e importância do Parlamento, ao mesmo tempo que pretende ver reforçados os atributos do executivo. 
Sabendo nós que este sujeito domina o panorama audio-visual italiano e até já tentou fazer aprovar leis que lhe garantissem imunidade face a processos judiciais em que está envolvido, não estará ele a preparar alguma forma de se perpetuar na cadeira que ocupa, pois não? 

O enfraquecimento do estado com a menorização do parlamento e o reforço dos governos, eis um desafio cheio de perigos para uma sociedade democrática. 
O discurso demagógico será o invólucro em que se processará um tal regresso encapotado à tirania. 
Hoje em dia já existe o exército de políticos que impregnados de pragmatismo permitirão ao condotieri fazer valer as suas vontades. 

Vivemos na era do homo maniatábilis. 


E vejam lá se não é uma coisa parecida o que pretende aquela canalha do Porto que fala em nome do norte? De prática já temos o eloquente exemplo do Senhor Alberto João que já se dá ao luxo de fazer reconhecer uma dívida do estado à região autónoma no valor de trezentos milhões de euros. Deviam enviar-me o recibo da percentagem que anualmente me cabe no orçamento do Marítimo. 



Há um tecto de nuvens que progressivamente se coloca entre nós e as estrelas. 


 Alhos Vedros 
  24/01/2004 


NOTA 

(1) Darendhorf, Ralph, DEMOCRACIA SEM DEMOCRATAS, p. 8 


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 

Darendhorf, Ralph, DEMOCRACIA SEM DEMOCRATAS, In “Público”, nº. 5054, de 24/01/2004

segunda-feira, 19 de junho de 2017

REAL... IRREAL... SURREAL... (259)

Pessoa - Álvaro de Campos Ode Triunfal

Desenho de Pedro Sousa Pereira


Selecção de António Tapadinhas


sexta-feira, 16 de junho de 2017

José Flórido


Não creio que se tenha sempre uma ideia correta do fenómeno cultural na nossa vida. Mas, quase todos nós falamos sobre a importância da Cultura: Às vezes, por exemplo, dizemos que determinado programa, apresentado num canal televisivo, é "cultural" e que outro o não é; outras vezes, empregamos a expressão "cultura geral" (sem que se saiba bem o que isso é), quase sempre de acordo com a ideia de "acumulação" de conhecimentos, básicos e geralmente superficiais, sobre variados ramos do saber. E se consultamos um dicionário, vamos encontrar, entre outras aceções, o conceito de Cultura como um conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes, etc. Mas, talvez a ideia mais precisa de Cultura surja associada a Agricultura, que é, como sabemos, a atividade que tem por objetivo a preparação do solo, tendo em vista a produção de vegetais úteis ao homem.. De facto, sem uma cuidada preparação do terreno, as sementes lançadas à terra não poderão produzir plantas de boa qualidade. E o mesmo acontece connosco: Se a preparação intelectual, ética e estética for insuficiente, é impossível que os conhecimentos e as informações adquiridos, produzam pensamentos e obras de valor elevado. Pretendo com isto dizer que a Cultura não deve apenas ser concebida de um ponto de vista quantitativo, mas, sobretudo, qualitativo. A Cultura fundamenta-se em valores, expressa-se como valores e promove valores. Os valores são o património da humanidade ou de um povo, a experiência adquirida ao longo dos séculos, materializada nas suas realizações técnicas, científicas e artísricas. E o que devem promover esses valores? Devem promover a justiça, a paz, a beleza, a verdade e o amor. Contudo, não devemos perder de vista a relatividade dos valores. A lei do progresso implica muitas vezes a negação do que é, a ultrapassagem do que já foi adquirido e a sua substituição por novas realidades.
Concebida apenas de um ponto de vista quantitativo, a Cultura tem vindo a perder a sua dimensão espiritual, dando lugar ao "culto das exterioridades", porque a simples acumulação de conhecimentos, de factos, de informações e de "coisas" apenas pode contribuir para degenerar ou eliminar a nossa capacidade criadora. Tem razão, por isso, a tradição budista quando afirma que "o acúmulo de conhecimento sobre conhecimento serve somente para aumentar a ignorância".

José Flórido
(Facebook)

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Curso de Tarot (por Skype)




Caros Amigos,

O próximo *Curso de Tarot - O Caminho dos 22 Arcanos Maiores*
será por Skype! :) no conforto da sua casa.... :)


Estudo teórico: jornada simbológica, numerológica e meditativa;
Estudo prático: tiragens diversas abrangendo todas as áreas da vida humana: material, psicológica e espiritual.
O curso tem a duração total de 30 horas.
DATAS: a combinar após as inscrições

Notas:
1) Usaremos o baralho de Rider Waite  (imagem anexa);

2) As inscrições são confirmadas apenas após pagamento por transferência bancária.

Um abraço e até breve!


~Paz&Luz~
Paula Soveral
paulasoveral.terapias@gmail.com 

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Espinafre-da-nova-zelândia



por Miguel Boieiro

Acabei de ler o excelente trabalho da minha amiga Maria-Manuel Valagão, ilustre Investigadora do Instituto Nacional de Recursos Biológicos, denominado “A sopa em Portugal e as sopas de plantas silvestres alimentares”. Trata-se de um tratado notável que relata, sobre múltiplas facetas, o percurso histórico, etnográfico e até mesmo filosófico de toda a elaboração culinária, resultado da ebulição em água, durante um certo tempo de vários componentes, e que geralmente se come à colher. O estudo, frisa a importância alimentar das sopas, caldos e papas e os seus benefícios para a saúde das populações, quer sejam abastadas, quer de fracos recursos.
Há naturalmente variadíssimas versões desde as leves sopas de vegetais, à canja (palavra que em concani, idioma falado em Goa, significa apenas sopa de arroz), ao caldo verde (com ou sem rodela de chouriço), até às famosas sopas da pedra, sopas caramelas e sopas de corno. Não cabe nesta croniqueta explicar como elas se fazem, mas sempre direi que as pedras e as pontas dos chavelhos têm de ser de boa qualidade para que as sopas resultem. Isto mesmo, dizem os gastrónomos entendidos. Por mim, aproveito para recordar minudências da minha infância em que o prato único que, todos os dias, tínhamos ao jantar era a sopa de feijão. Num dia adicionava-se arroz, no outro massa e no outro pão de dezassete esfarelado, acompanhado de hortaliças, abóbora porqueira, um naco de toucinho fresco e um pedacinho de chouriço só para dar o gosto.
Tudo isto vem a propósito de uma referência que encontrei no trabalho da Maria-Manuel sobre o uso de espinafres Tetragonia tetragonoides para confecionar sopas no Alentejo e, vai daí, lembrei-me de discorrer sobre essa plantinha.
Em Portugal ela é conhecida como espinafre-da-nova-zelândia, em alusão ao país donde se julga ser proveniente, mas encontra-se completamente naturalizada, sendo mesmo considerada nalgumas regiões uma planta invasora. O seu nome científico tem a ver com a configuração curiosa do fruto em forma de quadrilátero. Em França a planta é conhecida por tétragone, designação que considero mais feliz, dado que, botanicamente, pertence à família das aizoáceas e nada tem nada a ver com o espinafre - Spinacia oleracea - da família das amarantáceas.
Do aspeto do fruto, já estamos conversados. As folhas, a parte que nos interessa para preparar a sopa de legumes, são triangulares, carnudas, papilosas, pecioladas e de cor verde brilhante. A ramagem é prostrada, cobrindo o solo em razoável extensão, dado que com grande facilidade alastra por terrenos abertos. As flores são pequenas, discretas, solitárias nas axilas das folhas e de cor amarelo-esverdeado.  
O valor proteico da planta é fraco, mas em compensação, é rica em vitaminas do complexo B, vitamina C, provitamina A, potássio, cálcio, magnésio, fósforo e ferro. O único senão à utilização desregrada deste “falso espinafre” é a existência de ácidos oxálicos, sobretudo quando a planta já está envelhecida. Por isso, é conveniente rejeitá-la quando se encontra em frutificação.
O espinafre-da-nova-zelândia gosta do calor e da humidade, dando-se bem numa alargada faixa de climas temperados. Não é atreito a moléstias, resiste às investidas dos insetos predadores e possui características halófitas, ou seja desenvolve-se em terrenos medianamente salinos. Lembro-me de que a primeira vez que vi este vegetal em grande quantidade foi junto à praia do Baleal (Peniche), já lá vão umas quatro décadas. Aí, e nessa altura, a planta era espontânea, apresentando uma excelente reprodução. Tal também acontece no meu quintal, visto que a água que obtenho do furo sofre a influência da cunha salina proveniente do estuário do Tejo. Todos os anos tenho abundante produção sem fazer qualquer sementeira.
Quanto às virtudes terapêuticas do espinafre-da-nova-zelândia, aponta-se que o capitão Cook, famoso navegador dos mares austrais, a utilizou largamente para combater o escorbuto que atormentava a tripulação do navio Endeavour.
Contudo, é na gastronomia que este vegetal se mostra relevante. Consulte-se, por exemplo, a obra “Plantes potagères” da editora Gründ, onde o tétragone aparece com grande destaque. Na verdade, a sua primordial utilidade é na preparação de esparregados e de suculentas sopas de vegetais, misturada com outras hortaliças. Fica especialmente bem numa sopa ou estufado com grão-de-bico. Experimentem!

ALMOÇO DE VERÃO DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE NATURALOGIA


Sábado, 17/06/2017, às 13:30
Cumprindo a tradição, temos mais uma sessão de gastronomia saudável e pedagógica e de agradável confraternização. Desta vez vamos dar as boas vindas ao Verão que se aproxima. Venha e traga muitos amigos!
Ementa: 
- “Sushi” de legumes, ovos e flores silvestres; 
- Puré de cenoura com cardo-mariano;
- Carolino da lezíria ribatejana com cogumelos e oleaginosas;
- Feijanitos vermelhos com estufado de couve-lombarda e cenoura; 
- Salada de alface, tomate, pepino e cenoura;
- Creme de arroz com cerejas em calda;
- Bolo de vinagre com sultanas;
 - Água aromatizada com flor de sabugueiro e limão;
- Suco de cenoura;
- “Chá” de Mentha spicata.

Preços: Sócios da SPN: 10€       Não sócios: 12€
Inscrições até ao dia 14 de junho: telefones 91 44 30 800 ou 21 346 33 35
SPN: Rua João de Meneses, nº 1 (Metro: Alameda ou Areeiro)

terça-feira, 13 de junho de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HISTÓRIAS DA TERRA ENCANTADA
16

É através da Arqueologia que nos habilitamos a identificar parcelas do passado para o qual não haja qualquer espécie de documentação escrita. 
Neste sentido, também aqui estamos em presença de uma ciência de carácter histórico pois, o objecto de estudo, em termos cronológicos, será, digamos assim, aparentemente, o mesmo. Devemos acrescentar que as reconstituições arqueológicas ou as simples informações que obtemos a partir destas investigações têm tanto valor como aquelas que a História nos fornece através dos documentos que analisa. Contudo, são ciências distintas no que diz respeito aos procedimentos e a diferença reside, precisamente, no facto de esta última se debruçar sobre sociedades com escrita que procura entender por via desse género de dados, enquanto aquela toma por alvo o tempo mais recuado em que, por motivos óbvios, considera os vestígios materiais que encontra, patamar em que igualmente se aplica nos tecidos sociais históricos. 
Quando estamos a falar em evolução é pois a Arqueologia o conjunto científico a que recorremos para obter os elementos – neste caso específico o que nos chegou de esqueletos mais ou menos inteiros e completos ou das simples partes que os compõem – que depois a Antropologia Física processa para tentar elaborar e explicar a árvore genealógica da espécie a que pertencemos. Bem, com isto não se pense que a primeira é mera subsidiária da segunda o que não é verdade, pois as suas pretensões necessariamente holistas levam os arqueólogos a procurar reconstruir as manifestações culturais dos grupos humanos de que encontrem testemunhos. 
Pois este ramo do saber que, à semelhança de tantos outros, também teve as suas origens no século dezanove, de então para cá não tem deixado de passar por desenvolvimentos no que se refere às técnicas disponíveis, eventualmente desenvolvidas em outras áreas científicas que hoje em dia já lhe permitem dizer a idade dos materiais com grande grau de segurança e precisão, bem como a forma de elaboração e uso dos mesmos, isto pelo desenvolvimento de novos caminhos dentro desta área específica, de que a Arqueologia Experimental é um bom exemplo. 
Não é maravilhoso que tenhamos conseguido descobrir os processos e as tecnologias que viabilizam a identificação da idade e composição das rochas e dos terrenos, bem como datar certos utensílios através de alguns dos seus componentes químicos? É que fundamentalmente são essas as bases para sustentarmos que estes ou aqueles vestígios são desta ou daquela época como, por outro lado, procedimentos similares são usados para identificar os tipos de flora e fauna de outros tempos. 
Ora é assim que a Arqueologia que em si envolve por natureza a vertente do trabalho de campo que consiste nas escavações, logicamente feitas segundo metodologias e técnicas precisas, o que sempre transporta o seu quinhão de aventura, se revela como uma forma de realizarmos o velho sonho de infância de viajarmos no tempo e podermos observar o aspecto, os modos de vida e o meio ambiente em que viveram os nossos antepassados.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

REAL... IRREAL... SURREAL... (258)


Santo Antônio

Maria Bethânia

Que seria de mim meu Deus
Sem a fé em Antônio
A luz desceu do céu
Clareando o encanto
Da espada espelhada em Deus
Viva viva meu santo

Saúde que foge
Volta por outro caminho
Amor que se perde
Nasce outro no ninho
Maldade que vem e vai
Vira flor na alegria
Trezena de junho
É tempo sagrado
Na minha Bahia

Antônio querido
Preciso do seu carinho
Se ando perdido
Mostre-me novo caminho
Nas tuas pegadas claras
Trilho o meu destino
Estou nos teus braços
Como se fosse
Deus menino

Selecção de António Tapadinhas