sábado, 9 de maio de 2020

Águas Livres


M A I O,
Pedagogia da Situação
às atrizes e atores de Medeia favoritos nestes ensaios online e gravações, Telma Guerra, Inês Trindade, Bruna Manguito, Sónia Ribeiro, Sandro Cordeiro, David Marcos, Cristina Gomes da Silva e Maria Simas, Andreia Bernardo, Inês Jóia, Zé Eduardo

1.
Os rostos desenham aranhas de sacrifício
A tela é de alegria escondida nas rugas
Que fazer?


Rola nos montes que circulam a escola
Junto a Casa do Professor tens os sobreiros
O teatro é um palco
Um trono de luz
Na relva ao ar livre
consigo imaginar com os lápis
o papel sombreado e a fotograia

Minhas mãos aperreio
Lembro memórias da pedagogia da situação
A terna tintura do trabalho esforçado
Horas e horas seguidas na fábrica e no
Campo no palco
Obscena é a pobreza
Pornográfica a fome, a miséria
Os sem casa, os sem teto

Em Maio
Em Africa na Ásia e aqui
Na nossa caminhada confinada
em casa
Encontramos a mão estendida
A barriga vazia
Pelo alcatrão negro da revolta
Trago-te amor a papoula
Abre por momentos os lábios
Os joelhos
A terra fértil
De braço dado dançamos
A poesia tentada
amo o desporto nas ruas vazias da próxima semana
Que os teus olhos dedicados esguios e citadinos
Se percam nos meus também urbanos e solitários
As janelas que deitam para a manhã de sol
São como as tuas sobrancelhas

2.
a língua para a minha decisão
as pernas longas,
um ar claro sobre o poema
como floresceu a neblina
nas praias do sado ou em Cascais ás 7h, um café e um
pão faltava-me um beijo no meio do oceano
proibido o beijo e o abraço no meio do sol
vou continuando a circular entre as tuas pernas quentes a
minha escrita em silêncio longa e quente e doce
na tua pele salgada
passo os dias a escrever mais do que oito horas
de poesia
escrever, ler e re-escrever

3.
Enrola o corpo na areia
Quente
O mar tocará os teus pés
Como a esperança da minha marcha
Sempre mais rápida
Correrei à volta da tua toalha
Que tiras à volta dos teus braços
não há ninguem na praia
Toalha leve, lenço com música tudo dentro de casa
Entrarei agora noutro sonho o mar, mergulho
Na praia inicia “maio maduro maio”
Num pequeno radiozinho negro, smartphone
Tão grande como as vozes que
Começam a cantar em murmúrio
Cada vez mais alto
Há bandeiras vermelhas noutras alamedas
E praças
Lá estarão também os poetas insubmissos
Como Eurípedes e Medeia
Que vão deitando fogo nas praias vazias
Que levantam o corpo ao vento e se imaginam a beijar
Em marchas de novas lutas
Todos sabem o poder do enamoramento
do coninamento amoroso
Na maré das palavras
A serenidade ativa
Muda mudança que não és muda
Linda como as árvores e transparentes
Quando imagino que as abraço como à
Eternidade
A solidão uniu-nos
Na revolução da liberdade

4.
Trazes o veludo da luta e do dia límpido
e claro
bate o sol em cascais desde manhã cedo,
quero
ir à água pouca gente ainda nas ondas,
vibram
mais com a marcha que à tarde será
na Liberdade
na Avenida do teu corpo, entre as
calçadas do dia
vou correr, serei capaz de trazer
a bandeira para
alargar a luta nestes dias novos de
solidariedade
cada vez mais internacional como
os teus lábios de
desejo, vou comer no alcatrão
as primeiras cerejas
vermelhas dos teus dedos de mel
o Fundão Donas chegou com cestos de cerejas
ontem

5.
o poema das 9h
Cor de prata o rio, o tejo
Perto de Paço de Arcos
O comboio fica quase vazio
Alguns estrangeiros peregrinos
Da luz
gostava de fazer uma aguarela
das cores deste dia
do desenho dos corpo
no verão mas
ela já desenha as pernas nos bancos
num olhar sempre sobre a janela
O espelho do desejo
Os dedos tocando os lábios
Ela não existe
O comboio está vazio
São folhas caídas de saudade
No mesmo comboio vestes
O teu casaco de jeans muito leve
azul clarinho
E lês, vais sair em Casa ou
Na Igreja
Afastas-te da estação
Da linha
De luz
Do teu olhar
ando por perto
A Damaia ainda dorme
na sua flor de lilás
do corpo, é 1º de Maio as horas
são umas 8h
As horas poucas para um dia
tão grande, o sol explode
Desenha as ruas de paz com
uma pluma azul
Da claridade e leveza do céu
desta segunda-feira
Os rostos acordam na Garcia da Horta,
no Largo
Cristóvão da Gama, no café Vanda,
na Praceta Bernardo Santareno
na Praceta das Águas Livres
já bebi o primeiro café é o vicio da persistência
faço agora a viagem sonhada na camioneta Vímeca
o poema ganha rodas de coração
até Damaia de Cima sem Passei Marítimo
quero o sol ainda mais quente
a transparência dos dias como uma qualidade das pessoas
e das aves que esboçam pequenos voos junto ao rio


Jose Gil
Águas Livres
1 de Maio 2020
13h

(1) “A Pedagogia da Situação, perspetiva proposta por Gisèle Barret para a área de Expressão Dramática e com possibilidade de ser aplicada em outras áreas artísticas ou em outras áreas do saber” [Leitão] como a Educação Básica, a poesia e o Teatro.
"Como uma pedagogia da vida, que explora cada momento do aqui e agora em sua diversidade aleatória, aleatória e imprevisível, que corre o risco de responder às urgências do momento, (...), especialmente se expressas pelos alunos, enfim envolvidos, motivados a manifestar-se sem medo da divergência, da diferença, espontaneamente e simplesmente não numa relação de força permanente, mas numa convivência dinâmica, onde o confronto permite questionamentos e aprofundamentos "(Barret, 1995: 9),[…] “o Espaço-Tempo; o Pedagogo; o Indivíduo e o Grupo; a Vivência ou o Conteúdo; o Mundo exterior”.referido por Leitão.

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