postagem de Luís Santos
A propósito de uma troca de palavras no Facebbok sobre as origens de Alhos Vedros:
EU:
Qual o significado de Alhos Vedros?
A sua etimologia não é pacífica. Diretamente do latim dá um
nome pouco compreensível: alius=alhos; vetus=velhos - alhos velhos(?). Indo aos
latinistas, Agostinho da Silva definiu como Homens Velhos, o ex-Padre de Alhos
Vedros, Padre Carlos, definiu em livro seu como Outro Velho (explicitando
"outro" como um proprietário de terra"...).
E vós, como a definem?
JOÃO ALMADA SOUSA GASPAR:
alhos e bugalhos
1. "alhos" é a designação de alguns topónimos curiosos,
pela confusão que podem criar com o alho das cozinhas. a questão é que essa
pretensa etimologia não me convence, dada a ubiquidade da planta em causa.
alius, em latim significa "outro", "alguém
que não é dos nossos", "estrangeiro", "de fora de aqui",
"de fora parte", "de outro lado", "de outro
lugar".
coisa que nem sequer seria de estranhar numa região que
sempre conheceu repovoamentos por "gente de fora".
a palavra latina alius//aliunde entronca numa raiz
indo-europeia que deu em grego allòs ("outro") e no celta allo (o
numeral "dois" e o adjetivo "diferente", "outro",
"segundo"). assim, não é de estranhar a presença de topónimos
franceses de origem celta como "Col d'Allos, "La Foux d'Allos",
"Val d'Allos".
2. mas outra explicação pode ser encontrada no latim alodis,
que deu Alleu, Alleux (Fr.) na Toponímia Francesa, e tem sido associado tamém à
etimologia de Allos (Fr.): trata-se de uma propriedade, ou "alodio",
livre das obrigações da feudalidade, sem encargos nem direitos senhoriais, o
que não deixa de ser, na qualidade de excepção a uma regra, uma excelente razão
para ter ficado cristalizada sob a forma de topónimo, tal como
"Foros". esta explicação contém, no entanto, algumas dificuldades de
natureza fonética, pelo menos no nosso idioma.
sendo assim, qual a etimologia mais adequada para topónimos
raros, como "Alhos Vedros" e "Sernache dos Alhos"?
os topónimos "Alli", "Allin",
"Allo", Alloz" ocorrem em Navarra. e All na Catalunha.
o topónimo "Alhos Vedros", se se tratar de
"estrangeiros velhos", de duas uma: ou indica que se trata de
"gente que veio de fora antes de outras", ou indica que, na época em
que se dizia "vedros" em lugar de "velhos", haveria outro
povoado com o nome de "Alhos", menos antigo. e significa também que
os "alhos" já eram "velhos" nessa época.
quanto a "Sernache dos Alhos", o cheiro do
condimento popular acabou por reduzir o nome para apenas "Sernache".
porém, se a etimologia for alodium, os
"estrangeiros" saem de cena, ficando apenas uma realidade rústica
medieva do que terá sido uma ou mais que uma "propriedade livre".
EU:
Caro João Gaspar. Muito obrigado pela lição. Das mais
completas sobre o tema que li/ouvi até hoje. Relembro que no texto que
publiquei fiz alusões a comentários de Professores ilustres como Agostinho da
Silva (ainda que breves), ou Padre Carlos Póvoa Alves, o que me parece que
enriquece o elogio.
Soa-me bem, porque faz algum sentido, quando diz que
"alius, em latim significa "outro", "alguém que não é dos
nossos", "estrangeiro", "de fora de aqui", "de fora
parte", "de outro lado", "de outro lugar"...
Devo dizer-lhe que não sei em que contexto aparece a
designação "Alius Vetus", pois que tenho ideia que, sem certeza
alguma, as origens de Alhos Vedros parecem remeter para tempos de início da
nacionalidade, ou pelo menos, para um contexto de confronto entre mouros e
cristãos. Digo isto porque, nos resultados das pesquisas arqueológicas não
existem vestígios de ocupação árabe do território, embora haja quem sustente
que a Igreja Matriz terá sido construída em cima de uma mesquita.
A outra definição que também me faz sentido, aproxima-se da
que é dada pelo Padre Carlos quando diz que "alliu", em derivação
francesa, tem o sentido de outro (proprietário) que não entra nos reguengos
(terras do rei), ou de outros domínios senhoriais.
Enfim, não tenho conhecimentos suficientes para mais apurar
das suas palavras, mas creio que a sua contribuição já é muito significativa
para que outros mais especializados no assunto do que eu, possam dizer também
de sua justiça.
ANA MARIA SANTOS:
Luís, também já ouvi essa hipótese de a igreja ter sido
construída em cima de uma mesquita. Isso levou-me já a pensar, se Alhos não
viria de alguma palavra árabe. Mas não tenho conhecimentos para desenvolver a
ideia.
EU:
Um dos mais referenciados historiadores de Alhos Vedros,
José Manuel Vargas, a esse propósito só nos dá uma referência que é a
existência de uma quinta que se chama Alfeiram e que parece ser palavra
proveniente do árabe.
Por outro lado, creio que houve confrontos entre mouros e
cristãos em Palmela e existem vestígios árabes por perto. Por isso não seria de
admirar que também andassem por aqui, num território onde se encontraram
vestígios arqueológicos que datam ao Paleolítico...
A lenda da Nossa Senhora dos Anjos, padroeira de Alhos
Vedros, refere um confronto em AV com mouros vindos de Palmela e que, por
milagre, foram derrotados pelo povo que estava na igreja, num Domingo de Ramos,
e que com os próprios ramos derrotaram os invasores...🙂
Mas falar-se da lenda da Senhora dos Anjos, e que bom hoje
começar o dia a falar nela (hoje 13 de maio), é um pouco como falar-se da lenda
da igreja ter sido construída em cima de uma mesquita. Vale o que vale.
Por outro lado, a história da Igreja Matriz é um pouco como
a história de Alhos Vedros, sabe-se que já existia em 1298, há mais de 700
anos, a partir do registo escrito mais antigo que a refere, mas antes disso não
se sabe mais.
Talvez que estudando mais em pormenor a ocupação árabe da
península de Setúbal se consigam cruzar alguns acontecimentos com a história de
Alhos Vedros e, com as suas desconhecidas origens que seria bom de acrescentar
ao que já sabemos.
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