quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Versículos


(Jovialidade)
A memória
uma capacidade física
que, como tudo no mundo
com o tempo se esvai.
A sua tradução em energia subtil
o que mais importa


(Essência)
A vida é um bem mais que precioso

Qualquer dia
esse tesouro guardado
abrir-se-á

A purificação é permanente,
e é bom que seja

Não há que mudar o que se é,
há que aprender, desaprendendo
(o transcendental salto)

Silêncio.


Luís Santos

Nota: Se clicar na ave ela o guiará... e boa viagem.


quarta-feira, 9 de novembro de 2016

terça-feira, 8 de novembro de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

A AVARIA DO ESQUENTADOR

E Putin lá ganhou as parlamentares na Rússia. 
Os resultados são aceites por todos e ninguém fala de falseamento dos mesmos ou de falta de liberdade de acção durante a campanha. 
Mas a prisão de alguns oligarcas terá deixado certa oposição mais desprotegida e, em termos de capacidades de campanha, mais fragilizada ao nível dos possíveis financiamentos. Além disso, o controle da comunicação social por gente da confiança do Presidente e do seu partido terá certamente exercido as suas influências para o desfecho que veio a verificar-se. A democracia é titubeante naquela federação inter-continental e isto não só pela sua juventude; há também a herança soviética que se traduz pelo reduzido número de democratas convictos. 
Não estranha pois que os comunistas tenham sido claramente derrotados e que os tecnocratas ligados à abertura económica e que ali dão pela designação genérica de liberais quase tenham desaparecido do mapa pluri-partidário dos que têm assento parlamentar. Apesar disso, Girinovski, se bem que enfraquecido, manteve-se à tona de água. O seu discurso xenófobo e nacionalista permanece assim latente, muito embora, por enquanto, em certa medida contido pela própria actuação dos vencedores.
Contudo, o estado de direito não é uma realidade naquela constelação de povos e culturas e o poder das máfias é suficientemente grande para se apoderarem ou pelo menos imporem os seus desígnios em importantes centros de decisão. 
Com esta vitória dos seus partidários, Vladimir Putin vê melhorar as perspectivas de ser reeleito nas presidenciais do próximo ano e, pelos vistos, tudo indica que é a principal barreira às pretensões dos interesses mais esconsos. Parece-me ter aspirações de igualizar os velhos czares que trilharam o caminho para a grandeza da Rússia; a ambição que manifesta aponta para a vontade de recolocar o país no estatuto de grande potência mundial. 
Exactamente por isso, o mundo não dormirá descansado enquanto os russos sentirem o frio nas barriguinhas dos seus filhos. 

O Ocidente não teve homens à altura quando o Muro de Berlim caiu. 



E por cá continuamos a assistir ao triste espectáculo de um país sem rumo. 
Os estudantes da Faculdade de Direito fecharam as instalações a cadeado. 
E não é que para além do preço das propinas, protestam contra o facto de a nota de acesso à oral ter descido para sete valores? 



Pois eu espero que a Professora da Matilde não seja tão indulgente. 

E hoje os alunos fizeram exercícios com palavras, ao que se seguiu uma ficha de avaliação de Matemática. 

O meu pardalito já escreve sem recurso a cábula. 



Afinal, o esquentador não tinha qualquer avaria. 
O técnico da assistência veio cá, olhou e… Mudou a pilha. 



Parece que a Matilde ultrapassou a fase em que amuava quando os jogos não lhe corriam de feição. Curiosamente, o mesmo sucedera com a irmã, mais ou menos por volta da idade que a mais novinha tem agora. 
Nestes últimos dias, tenho reparado que as partidas de ludo e outras do género decorrem sem qualquer contestação dos números que os dados apresentam. 
Apesar disso, antes do jantar, preferiu brincar sozinha com os tractores da sua quinta enquanto a Margarida e a Beatriz jogavam monopólio.



“-Ó pai, o que é que quer dizer dengoso?” 



A chuva persiste em remeter-nos para os interiores, mas a Lua, a espaços, faz-nos caretas por detrás de uma cortina que a sua luz arroxeia. 

“Por você vou roubar os anéis de Saturno.” 
E não é que eu concordo com a Rita Lee, meu amor? 


 Alhos Vedros 
   09/12/2003

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Auto-retratos, Ágora, Fundação Berardo e CACAV, Foto de Lopes Mourinha


LITANIA DA SOMBRA


Não perguntem nada: nós estamos dentro
do aro de frio, no frio do muro,
tão longe, tão longe da feira do Tempo!
Não perguntem nada.
                                        Nós estamos mudos.

Puseram açaimes nas ventas do vento,
ergueram açudes nas águas do Mar…
Não perguntem nada: nós estamos dentro,
ou fora de tudo.
                             Não perguntem nada.

Tumulto na estrada? O bicho na concha.
Miséria na casa? O farol na montra.
Não perguntem nada, não perguntem nada:
há sempre de gládios
                                      a ríspida sombra.

Não perguntem nada: as razões são longas.
Não perguntem nada: as razões são tristes.
Não perguntem nada: nós estamos contra.
E talvez perdidos.
                                E talvez perdidos.


david mourão-ferreira


Selecção de António Tapadinhas

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Palácio da Comenda - Quinta da Comenda, Arrábida

por Fernanda Gil

                                                                                                                                                                                                                PALÁCIO DA COMENDA

Há coisas que nos acompanham ao longo da vida no nosso mundo dos sonhos - é o caso do Palácio da Comenda.

Erguendo-se altivo numa encosta da Arrábida, olhando sobre o Sado, Albarquel e Setúbal, e para a serra no outro (as primeiras 3 fotos do álbum não são minhas, obviamente, foram retiradas da net), sempre me lembro de frases como: "ali é que eu gostava de morar"; "quando me sair o euromilhões compro aquela casa"... e hoje, quando finalmente lá entrei senti um aperto no coração pelo estado em que o encontrei, ao mesmo tempo que me maravilhava com a forma espantosa como cada canto daquela casa foi aproveitada, como seja de onde for que olhemos, uma janela, uma varanda, o jardim, a vista é sempre soberba...

HISTÓRIA

A história da Quinta da Comenda remonta à época romana, segundo aponta o memorando técnico com base nos vestígios encontrados na região.  Aliás, revela o documento que na serra da Arrábida existem ainda vestígios de "numerosas cetárias", tanques retangulares destinados à salga de peixe e marisco.

Bem mais tarde havia de aqui nascer a torre de vigia de Mouguelas (cariz medieval), sendo então conhecida como Comenda de Monguelas,  e já no século XIX uma primeira casa de habitação, construída sobre a própria estrutura abaluartada da Plataforma de São João.

Na sua edição de 18 de Março de 1877, o jornal Gazeta Setubalense informava: “Esteve quinta-feira nesta cidade o sr. Conde Armand, distinto diplomata, ministro da França em Lisboa. S. Exª foi visitar a pitoresca propriedade que possui no sítio da Comenda.” A dita propriedade estava na posse do francês Armand desde o início de Março de 1872 por compra que este fizera a Henrique Maria Albino, morador em Beja, por “cinco contos de réis”. Ernest  Armand, viúvo, era o representante do governo francês em Lisboa. Em 1870, alugara o Palácio de Santos para aí instalar a Legação francesa, imóvel que o governo francês acabaria por comprar em 1909, aí mantendo a sua representação, mesmo depois que a Legação foi elevada ao nível de Embaixada em 1948.

Armand, Abel Henri George, faleceu no final de Abril de 1919, passando a propriedade para os herdeiros – a esposa, Condessa de Armand, Françoise de Brantes, e cinco filhos. Mais tarde, em 1952, o registo da propriedade era feito em nome da Sociedade Agrícola da Quinta da Comenda de Mouguelas, constituída pelos descendentes de Abel George.

No Verão de 1965, a Casa da Quinta da Comenda, em plena serra da Arrábida, recebia dois dos seus mais ilustres visitantes. Lee Radziwill, irmã de Jacqueline Kennedy, viúva do presidente norte-americano J.F. Kennedy, e o seu inseparável amigo, o escritor Truman Capote. Era habitual a família Armand ceder a casa - conhecida como Palácio da Comenda - a personalidades ilustres do círculo da melhor aristocracia europeia e portuguesa. Afinal, a quinta estava debruçada sobre uma das "melhores costas mediterrânicas", comparada à época com a Sardenha ou a Côte d"Azur, mas com a vantagem de oferecer os mesmos esplendores estivais num ambiente "muito mais pacato e tranquilo".
Nos anos 80, a Quinta da Comenda seria adquirida por António Xavier de Lima, que, em conversa com o jornal O Setubalense, publicada na edição de 17 de Abril de 1989, dizia: “Enquanto a Comenda for minha, nenhuma árvore será derrubada”. Com efeito, uma das apostas levadas a cabo pelo Conde Armand no início do século XX foi o da riqueza da flora, quer pela preservação das espécies existentes, quer pela plantação de outras – Henrique das Neves chamava a atenção no seu artigo para o parque que o Conde pretendia construir e para uma plantação “de cerca de 1000 pés de palmeira” que tinha visto a cerca de um quilómetro da residência da Comenda.

O Palácio é composto por cinco pisos, tendo sido alvo de diversas intervenções de beneficiação, tanto a nível da fachada, como do interior. Todos os pisos estão ligados verticalmente por duas escadarias, uma de serviço que corre todos os pisos, e outra de ligação entre o 1º Piso e o 2º Piso, ligando a área social aos quartos privativos.

Rés-do-chão
No piso térreo do Palácio está instalada a cozinha, totalmente equipada, bem como área destinada à recepção, casa da caldeira, diversos quartos, quartos para arrumos, dois WC’s e um elevador de ligação às cozinhas entre o R/C e o 1º piso.
1º Piso
No primeiro piso existe o hall de recepção, com azulejos pintados à mão e tecto em madeira, três salões com tectos trabalhados, lareira e varanda com vista para o mar, uma suíte com três quartos com lareira e WC privativo, um WC comum e a escadaria em madeira de acesso ao piso superior, onde estão os quartos.
2º Piso
No segundo piso estão instalados seis quartos com WC e uma suíte com dois quartos, uma lareira e um WC duplo.
3º Piso
No terceiro piso existem dez assoalhadas e dois WC`S.
4º Piso
Miradouro - existe um salão que assume a função de miradouro, proporcionada uma vista magnífica.
Praia Privativa.

Actualmente, a Casa da Quinta da Comenda, conhecido como Palácio da Comenda, na Serra da Arrábida, está em fase de classificação do edifício como Imóvel de Interesse Municipal.
A proposta da Câmara Municipal de Setúbal  alerta que a Casa da Quinta da Comenda, além de obras “descaracterizadoras, mas completamente reversíveis”, após a transferência da propriedade nos anos 80 da família Armand para António Xavier de Lima, entrou, desde a morte deste, num “processo de abandono e degradação que se considera urgente reverter”.

Fontes: Câmara Municipal de Setúbal, João Reis Ribeiro, Outros                                                                                                                

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Anjo




Lembrei-me de partilhar este trabalho onde se torne oportuna a sua aparição.
(Eu chamo-lhe Omael, pode ser?)

Anjo na Carne
Técnica mista sobre tela 
60 X 80

Deixo um sorriso 
Grata 
beijinho
até breve
Ana Pereira

Nota: o parêntesis é do editor. Pode acompanhar e adquirir trabalhos da autora na sua página do facebook AQUI

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O QUE INTERPRETAMOS


por José Pais de Carvalho

Encontrar nas nossas vidas o que é essencial e destrinçar o que é acessório é, antes de mais, termos o discernimento de entender o que nos traz satisfação interior. E não é uma tarefa fácil. Na verdade estamos sempre sujeitos a uma escolha, mas esta depende muito da consciência que temos e não tanto da cultura na qual estamos inseridos, porque esta é o reflexo de como somos e pensamos.

Há dois aspectos dentro de nós com os quais convivemos. Um deles é o ego, a causa de todos os nossos problemas. É este que nos dá a perspectiva singular e divisível do que apreendemos e faz agarrar-nos às emoções e ao objecto delas, restringindo-nos a interpretação. O outro é a nossa verdadeira identidade, a que se revela quando, em momentos específicos, o nosso pensamento pára.  Ao que acontece nesses períodos, surpreendidos, erroneamente chamamos por coincidências, porque, numa atitude receptiva, permitimo-nos dizer que tivemos uma intuição ou no caso do artista, criou-se uma obra de arte. Até mesmo em nossas vidas, sem nada o fazer esperar, já se desbloquearam coisas que nem sabíamos como as resolver.

O ego é, pois, sustentado pela visão que temos do mundo. Remete-nos ao medo do que não conhecemos, o que nos leva a criar soluções dentro dos limites do nosso mapa emocional e comportamental. No entanto, dá-nos uma falsa ideia de criação, que não é mais do que mera construção. O seu âmbito de acção está no domínio intelectual que constrói conceitos, abstracções e interpretações - individualizando, analisando, categorizando. O que significa fazer um universo de diferenciações e contrários. Estes contrários, por si só, originam a ambiguidade e tampouco são sinónimos de opostos. Mas a interpretação de algo não necessita desta ambiguidade nem das suas consequências.  A polivalência de sentidos e as infinitas interpretações levam-nos a um distanciamento de nós mesmos, à confusão e às doenças mentais.

E é desta maneira que confundimos a realidade com a sua representação, a nossa identidade com a nossa mente – logo, nós não existimos porque pensamos, mas porque somos um todo que vai muito para lá do cérebro e dos cinco sentidos.

Essa maneira de usar a racionalidade impossibilita qualquer princípio de unicidade. Ainda que nos possa dar uma aproximação da realidade, a visão dualista não nos permite entendê-la. Ela nunca é fruto da experiência. Por esta razão é geradora de profundos conflitos existenciais, familiares e sociais.

Não estou com isto a dizer que a racionalidade é inútil, mas antes a chamar a atenção de que, no âmbito do conhecimento por via do intelecto, é útil quando queremos construir uma máquina, mas nunca para adquirir o conhecimento de nós próprios. Este conhecimento adquire-se através da experiência e é, a partir desta, que se interpreta.

Do mesmo modo, quanto mais nos limitamos a interpretar o mundo à luz dos factos e dos acontecimentos mentais, mais perdemos a noção de que o fazemos baseados nas nossas próprias concepções, e isso perturba-nos  a visão sobre nós próprios e do mundo, enchendo-nos de emoções prejudiciais e  conflitos, afirmando constantemente a nossa individualidade, enchendo-nos de conceitos e pré-conceitos, vincando a separabilidade de tudo ou qualquer coisa.

Dizendo de outro modo, a visão que temos, não é só consequência de um conjunto de variantes improváveis de poderem ser entendidas intelectualmente, mas também de condições que se manifestam perante circunstâncias e situações favoráveis; porém,  não nos permitem ver nada mais além desses limites da visão. Por isso, cada um de nós tem caracteres, tendências e interpretações diferenciadas e uma perspectiva única de nos olharmos e ao mundo. Poderemos dizer que os apetrechos inatos que possuímos são o necessário para cumprir a nossa vida.

Na perspectiva de nos libertarmos da ignorância, desenvolvemos as nossas qualidades, mas também corrigimos os nossos defeitos. Estudamos, pensamos, treinamos habilidades, desenvolvemos a capacidade de elaborar conceitos, ideias, trocamos opiniões. No fundo, debatemo-nos para ultrapassarmos a ignorância, procurando soluções próprias.

E afinal o que interpretamos? Ou uma perspectiva estritamente intelectual do senso comum que nos leva a infinitas interpretações abstractas e, como consequência, aos caos emocional e existencial. Ou compreendemos a nossa emocionalidade através da nossa experiência de vida, da nossa percepção e sensações, onde o intelecto posteriormente interpreta.

São estes dois os movimentos possíveis entre os quais nos deslocamos. Um, o que definitivamente nos distancia, e outro que nos leva ao encontro de nós mesmos. Não é por sabermos teorias, munirmo-nos de muitos conceitos e encontrarmos diferenças em tudo que nos tornamos melhores ou piores; e tampouco isso permite-nos ter satisfação. Já o movimento contrário leva-nos a saber discernir e perceber o nosso verdadeiro objectivo na vida ao encontramos aquilo que nos deixa intimamente satisfeitos e em paz, e é quando a multiplicidade, que torna a nossa vida num inferno, desaparece.

Mas essas escolhas têm de ser feitas não só para a nossa vida pessoal, como também para os objectos dos nossos interesses e estudos. Por exemplo, em literatura, na interpretação, a análise da diversidade de sentidos, da intenção do autor, da intenção do texto ou das qualidades do leitor, entre outros, só podem ser entendidas como uma forma limitada. Todos estes aspectos são de natureza intelectual, por conseguinte, mentalmente construídos, permitem-nos a análise, a suspeição, as descrições de estruturas, de modelos, mas no contexto do autoconhecimento e do conhecimento do ser humano na sua essência e natureza nada trazem que melhore as nossas qualidades e potencialidades, nem o entendimento da existência humana. O contexto do conhecimento intelectual traz-nos infindáveis possibilidades, contudo inúteis, porque estas nunca poderão chegar a qualquer finalidade para além do aspecto formal.

Tal como num jogo, os jogadores podem, ao longo da sua carreira,  ganhar melhor capacidade física, desenvolver melhores estratégias técnico-tácticas, mas o jogo é sempre o mesmo: se ganham uma vez, terão de voltar a ganhar, se perdem, têm de conseguir ganhar no próximo. A interpretação, no ponto de vista tradicional, é igual a um jogo, um círculo fechado, estéril. Em nada evoluímos, nem progredimos. Pelo menos numa perspectiva existencial.

Através das experiências da Fisica moderna e à medida que se penetra na natureza do universo, o físico tem de abandonar a sua linguagem para descrever essas mesmas experiências; nós, de igual modo, quando vivenciamos esses mesmos fenómenos, não temos palavras para os descrever.

O que difere entre ambas as perspectivas parece estar na particularidade de, individualmente, podermos vivenciar os fenómenos, enquanto nas experiências científicas se podem descrever e interpretar (interpretações essas chamadas teorias ou modelos). E aqui há, não só uma convergência no pensamento, mas idênticas descrições dos fenómenos.

A diferença entre aqueles que, pela experiência, vivenciam o fenómeno e as conclusões dos cientistas, reflecte-se em  que, estes, o fazem por via intelectual e os primeiros pelo que integram quando é vivido. Ou seja, pode-se explicar a diferença através de um exemplo muito simples como é andar de bicicleta. Pode-se explicar como temos de nos equilibrar em cima dela, como pedalamos e travamos, descrever os meios que utilizamos para andar, mas isso não nos permite saber andar de bicicleta. É preciso praticar, sentarmo-nos nela e colocar esses aspectos teóricos em prática, e se não tivermos essa experiência que nos permite equilibrar, pedalar, travar, olhar para os lados que, no fundo, é o que se chama andar de bicicleta, então não sabemos andar de facto de bicicleta.

Reparo que cada vez mais as pessoas procuram dar um sentido ao sentido que a vida tem, mas também que, cada vez mais, se torna distante essa possibilidade. Provavelmente, porque não sabem o que procurar ou reconhecer a sua meta.  No fundo, a vida é simples, também precisamos de parar um pouco e ficar apenas a observar. Sermos espectadores de nós próprios.

O que escrevo, por exemplo, se não vivido também por outras pessoas, está sujeito a todo o tipo de criticas, comentários e divergentes opiniões que se baseiam nos mais diversos aspectos intelectuais. Essas divisibilidades não são tão perceptiveis quando se trocam ideias, devido à  própria natureza da linguagem; contudo agarramo-nos a conceitos da mesma maneira como as pessoas  que  se agarram demasiadamente a factos e, quantas vezes  isso nos afasta delas, porque percebemos que são muito comesinhas, mesquinhas, conflituosas, que  se agarram a tudo e, até sem querer, acabam por transformar tudo num conflito, sempre a confrontar-se com o que o outro disse e fez ou faz.  Portanto, quanto mais nos agarramos aos factos e a construções mentais, menor é a possibilidade de entender o que vemos e  o que escutamos.  A  isto chama-se ignorância no contexto em que o apresento.

Por outro lado, quando temos a receptividade de sermos espectadores de nós mesmos e não ficarmos a fazer comparações com os outros e a pôr em causa tudo o que nos é exterior, quando, de facto, fruto da nossa vivência, entendemos o que o outro nos transmite, porque este também já vivenciou o mesmo, então estamos naturalmente de acordo. Nada nos pode perturbar. O silêncio, usando-o como figura de estilo ou de uma forma linear, é a expressão do conhecimento vivenciado, do Verbo para alguns, para outros da experiência.

É, pois, esta simplicidade o lugar do conhecimento onde não há segredos, sentidos ocultos, nem mistérios.

José Pais de Carvalho
Sintra, 2015

terça-feira, 1 de novembro de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HISTÓRIAS DA TERRA ENCANTADA
15

Através dos vestígios que esses nossos antepassados nos deixaram. 
Bem, vestígios dos mais variados tipos. Para os mais antigos estamos a falar apenas do que restou dos seus próprios corpos. 
Sim, os ossos, mas também dentes, por exemplo. Em qualquer dos casos quase sempre apenas partes do esqueleto ou especificamente dos maxilares correspondentes. 
Muito mais tarde, à medida que esses seres foram descobrindo formas exteriores aos seus corpos de se auxiliarem para a satisfação das suas necessidades e, especialmente, depois de inventarem ferramentas para procurarem alimentos, a partir de então começaram a deixar também esses indícios da sua presença. 
Em pedra, pois claro. São as mais antigas que se conhecem. 
É possível que tenham usado outros materiais, por exemplo, provenientes do reino vegetal. Mas se o fizeram, ou não chegaram aos nossos dias ou, se por ventura ainda existirem, pelo menos por enquanto, nós não somos capazes de os reconhecer como objectos que, de algum modo, tenham sido manuseados pelos nossos mais remotos ancestrais. 
Boa pergunta e dir-se-á, com alguma segurança que, para um não especialista, nem sempre será fácil proceder a essa distinção entre as pedras que foram e as que não sofreram qualquer alteração intencional provocada pelo homem. Mas a actividade científica habilita-nos a identificar com alguma certeza as pedras que foram objecto de intervenção desses animais. 
Há lascas, só para olharmos um caso, que só poderiam ser obtidas a partir de certas fracturas provocadas por uma acção exterior que, se fosse fruto de causas naturais, certamente não produziria, tal como se verifica em centenas de exemplares, os mesmos efeitos. Daí que seja de presumir que a autoria decorra da mesma espécie e manifestamente com o propósito de criar esses mesmos utensílios. 
Tal como dizes. Com a passagem do tempo, o que neste domínio significa uma escala de dezenas, centenas de milhares de anos, foi com o acumular das experiências de inúmeras gerações que essas criações culturais se multiplicaram e, por isso, os vestígios que hoje podemos encontrar não são só em maior número como mais diversificados e a partir de uma dada altura, não apenas em pedra mas também em outros materiais. 
Osso, por exemplo. 
Sim, para estas épocas, digamos assim, mais recentes, continuam a ser da máxima relevância os restos físicos, propriamente ditos, desses seres. Mas a esses juntam-se esses outros testemunhos fruto da actividade cultural da espécie e que vão desde ferramentas aos restos das mesmas, até aos próprios lixos que esses grupos foram produzindo e abandonando. 
Pois, tudo isso é obtido através das pesquisas e dos estudos científicos, mas isso ficará para a próxima conversa, pode ser?

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (227)

Banho de Luz, Autor António Tapadinhas, 2007,
Acrílico sobre Tela, 80x60cm 

Creio
Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. amém.
Natália Correia

Selecção de António Tapadinhas


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O Livro do Tiago

Em meados de Novembro próximo sairá um livro que foi escrito com a intenção de recordar a pessoa que foi o Tiago Amorim “Cobra”.
Escrito pelo pai, Francisco, relata um pouco da vida do Tiago desde a sua infância, sempre mostrando a sua forte e alegre personalidade.
O livro, no formato 16 x 23 cm, terá cerca de 110 páginas, umas dezenas de fotografias coloridas, e além da história do Tiago, seus tropeços e acertos, seu carisma e simpatia, uma série de testemunhos de muitos dos amigos que ele foi criando através dos anos.
A capa é esta, com a magnífica fotografia do fotógrafo Felipe Hanover:
O livro pode ser encomendado desde já, pré venda, que muito ajudará ao investimento inicial, através do sistema Paypal, e será enviado logo que a gráfica o entregue.
Preço no Brasil: R$ 34,99, acrescido do custo do frete a ser calculado. O preço com frete, no Brasil, será de R$ 41,99. 
Pode comprar através do PayPal abrindo no Facebook Tiago Amorim “Cobra” – O Livro.
Pode também, no Facebook digitar somente fb.com/TiagoOLivro
Em Portugal os pedidos podem ser endereçados, por email a
no Reino Unido:

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Mavu-Lissa (Oxalá)





Kity Amaral

Esta divindade afro-brasileira tem música: clique em cima.


terça-feira, 25 de outubro de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

THE DOORS

“From Los Angeles, California. 
Ladies and gentlemen. 
The Doors!” 

Foi o serão de Sábado para os pais. 

Com trinta e tal anos de atraso vi um concerto que nunca esteve nas minhas espectativas. Depois da morte de Jim Morrison e de um álbum mal sucedido como trio, o “Mosquito”, a banda nunca mais se refez e, ao longo de todos estes anos, surgiram apenas gravações de concertos e reposições e um já antigo longa duração em que os vivos apareceram a musicar leituras de poemas do vocalista por ele próprio que tinham ficado gravadas desde os dias alucinantes de uma curta mas intensa carreira. No entanto, nada quanto a um qualquer reatamento e esta sempre foi uma daquelas paixões que eu jamais esperei escutar in loco. 

É verdade que restam apenas o guitarrista e o teclista. Jonh Densmore, o baterista, não aceitou regressar ao grupo. 
É um pouco como se Paul McCartney e Ringo Starr decidissem tocar novamente juntos e recuperassem o nome dos Beatles. Dificilmente diríamos estar em presença do velho conjunto, quando metade dos famous old fab entregou a alma ao Criador. Jonh Lennon e George Harrison já não podem estar presentes e só com boa vontade daríamos o nome do mito ao que os outros nos apresentassem. 
Do mesmo modo será um tanto ou quanto ousado chamar “The Door’s” ao duo de Ray Manzaneck com Robbie Krieger. Mas eles também tiveram o cuidado de acrescentar twenty first century ao nome. 
E foi isso que nós vimos. 

Mas eu gostei. 
Os músicos apresentaram-se sem complexos de assumirem o legado literário do líder morto e desfilaram duas horas e tal de bom rock’roll. 
Se bem que dentro do figurino das sonoridades que, avaliando pelos discos ao vivo, sempre fizeram em palco, não foi por isso que deixaram de conseguir apresentar um bom concerto. 
E o “Soul Kitchen” final, com as luzes acesas, foi uma boa maneira de nos mandarem para casa alegres e satisfeitos. 


Ora para mostrar o ecletismo familiar, esta tarde presenciámos um excelente concerto da “Camerata Musical do Barreiro” que, do século XVII à passada centúria, nos presenteou com um pouco da história da música de câmara que foi de Haendel a Astor Piazzola, passando por Bach, Vivaldi, o filho Johann Strauss e o concerto grosso de Telemann. 

O Maestro Lopes da Cruz foi sucinto e de uma clareza cativante nas explicações que deu, o que é uma boa forma de ganhar plateias menos conhecedoras destes géneros mais eruditos da música. 
Após o concerto, a Luísa deu-lhe pessoalmente os parabéns por isso. 
E acabou por conseguir pôr o público a trautear “La Donna Imóbile” com o que a orquestra se despediu sob grande ovação. 

A Margarida que à entrada fez caretas, acabou saindo encantada. 


É tão bom um lazer de coisas doces. 



Estou a ler Amartya Sen, coisa que continuarei a fazer nos próximos dias com a máxima atenção. 
Há muito que aprender com este sábio indiano. 



Portugal está definitivamente mergulhado nos tentáculos de polvos diversos e até concorrentes mas que, em conjunto, confluem para o triste resultado de um poder político subjugado aos seus interesses e uma sociedade manietada, a diversos níveis e com as vias cortadas para a melhoria da qualidade de vida das maiores malhas de população, precisamente as mais pobres e desprotegidas, perante as capacidades dos mais fortes lhes imporem as suas vontades e conveniências. 

Os sinais estão aí, são alarmantes e não deixam margem para dúvidas. 

A fiscalidade favorece quem não devia; os tribunais vergam-se à impunidade de alguns, ao mesmo tempo que se abatem sobre outros, exactamente da mesma forma que os deputados se deixam orientar por princípios e propósitos que nada têm a ver com o interesse público e o bem comum. 

O maior perigo que a democracia enfrenta não é a demagogia. 
Na verdade, esta será sempre uma tensão implícita à própria natureza daquela. Sujeitos a escrutínio, os homens que concorrem aos cargos políticos podem naturalmente ceder às tentações demagógicas. Mas aquela é uma forma de discurso ou de exercício do poder político e está obviamente sujeita à correcção eleitoral. 
A grande ameaça à democracia e, antes dela, ao seu suporte fundamental que é o estado de direito, vem das máfias, do crime organizado. A par do terrorismo internacional, é daquele mundo obscuro que vêm os maiores desafios à civilização democrática e com a globalização do capitalismo financeiro que é já uma realidade, torna-se fácil a mistura daqueles dinheiros e interesses obscuros com o universo dos negócios legais, com isso criando mecanismos de lavagem de dinheiros e actividades económicas paralelas e esconsas e, simultaneamente, abrindo margem de manobra para que tais grupos possam pressionar os centros de decisão política. 

É disto que estamos a falar quando apontamos os males que corroem a sociedade portuguesa e a impedem de se chegar aos parâmetros de desenvolvimento dos países mais ricos da União Europeia. 
É este o nosso problema. Em Portugal, como o testemunha o “Euro 2004”, desde que seja capaz de reunir força para tanto, qualquer grupo de pressão devidamente organizado consegue impor a sua vontade aos poderes em geral e ao político em particular. 


E depois já nem faz sentido falar de democracia entre nós. 
A nossa forma de regime é uma partidocracia que se ajusta que nem uma luva a uma sociedade oligárquica e clientelar. 


Aliás, só assim se entende que o nosso Presidente da República tenha ido a Argel e falasse da actual situação no Iraque segundo o ponto de vista dos que sempre se opuseram à guerra e veem os aliados como forças de ocupação. 

Entre nós, a pouca vergonha já não tem limites e a cobardia política proporciona-nos estes espectáculos deploráveis. 
Mas porque é que, atempadamente, o Senhor Presidente não promoveu um debate nacional sobre a nossa conexão com a guerra que deixasse claro, perante o governo, a posição dominante na sociedade portuguesa? 

E depois lá vem o líder dos socialistas ferrar naqueles que não se reveem nas palavras do Dr. Jorge Sampaio. 
Justamente no mesmo fim-de-semana que Francisco Assis acabou por reconhecer a concelhia rebelde de Felgueiras. 

Malhas e mistérios que o homo maniatábilis tece. 



Ontem foi a tarde de festa do aniversário da Matilde que decorreu em Sarilhos Pequenos, na “Gente Miúda”, uma quinta de um casal – o marido é do meu tempo de Liceu – que ali explora um ATL de Verão e festas infantis no resto do ano. 

A Margarida aí passou quinze dias nas últimas férias grandes e muito se divertiu com as actividades, no contexto das quais aprendeu a montar. 
E, de facto, a avaliação que fizemos é globalmente positiva; há segurança e um bom acompanhamento pedagógico e depois os miúdos têm um espaço de liberdade onde podem dar largas às suas fantasias e brincadeiras em contacto com a terra. 

Pois a escolha mais uma vez se revelou acertada. 

A dúzia de miúdos pularam e brincaram, houve um desafio de futebol no relvado e deram cenouras aos cavalos com o que todos foram para casa felizes. 

O pardalito estava radiante. 
E diga-se com justiça, merece esta festa. 



Agora que o fim da tarde ganhou o aspecto da noite e enquanto a Matilde brinca à minha frente, vamos esperar pelo jantar, para o que receberemos a visita do Zé e da Isabel. 

Assim me vou, por hoje. 


 Alhos Vedros 
   07/12/2003

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (226)

Cristo, Artur Bual, 1994Óleo sobre Tela 73,5 x 50 cm

Ecce Homo
Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.

Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.

Pois deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,

Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.

Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue' 

Selecção de António Tapadinhas

sábado, 22 de outubro de 2016

Versículos


Lucas Rosa

(São Jorge)
Rara a santidade
Quase sempre um título póstumo
Mas há que não desistir.

(Manifestação)
No fundo egoísta mais recôndito
de si mesmo,
eis o que mais interessa.
Todos.
Tudo.

(Aniversário)
A Beleza
é uma responsabilidade,
as coisas bonitas
mudam com a idade.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Poemas com Jazz


DRAMA TROPICAL

A voz do vulcão que declamava
Á boca de cena da ilha.
Ali, a praia escutava sinfonias de araras e fagotes,
E eu, humano de todos os fracassos e vitórias,
Sentado na plateia de bilhete na mão bebendo água de côco.

Um papagaio gritava para que o mundo não parasse de girar
Ou melhor, que nunca parasse de girar, 
Que o infinito fosse o culminar de todo o talento artístico natural,
Para lá ainda de um outro infinito na apoteose prefeita de tudo o que nasce e morre.

E eu, sentado de chapéu na cabeça e camisa havaiana colada ao corpo,
Eu, suado pelo calor tropical da consciência humana,
Eu, de óculos escuros lúcido e cego ao mesmo tempo
Daquilo que olhava e não via,
Daquilo que ouvia e não escutava,
E que era nem mais o drama exótico de toda a minha alegria.

Um camaleão entra em cena,
Mudou de cor, que bonito
Mudou as cores do céu na noite e a peça decorre,
Eu que chorava e ria, descruzo agora perna tombando pelo sono
Naquele espectáculo em que o mundo e os homens se unem  
Estando tão longe de terminar.


Nota Importante: Se clicar em cima do nome do autor tem direito a música!


quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Loendro



Especialmente quando florido, é um dos arbustos mais bonitos que vemos espontaneamente no nosso País. A toponímia regista, entre outros nomes, “Alandroal”, vila alentejana onde o loendro, ou “aloendro” viceja nas margens do Guadiana e seus afluentes. Em Vouzela organizam-se excursões para visitar a Reserva Botânica do Cambarinho, logo que a mata de loendros está em flor (maio a outubro). E que lindas que ficam as vias de grande circulação quando ostentam, quer nas bermas, quer nos separadores centrais, as flores róseas, vermelhas, ou brancas, desta planta arbustiva. Daqui se pode, desde já, concluir que o loendro é benfazejo para a nossa saúde. Porquê? Porque nos deixa bem-dispostos e otimistas perante a sua beleza. Mas cuidado! O loendro é uma das plantas mais venenosas que temos em Portugal. Se ingerirmos folhas, flores, caules, ou raízes (a parte mais tóxica), podemos encontrar a morte. Portanto, apreciem-lhe a beleza mas não lhe toquem, pois até o fumo provocado pela sua queima, causa intoxicações.

O Nerium oleander L.  é arbusto que cresce nas ravinas, margens dos rios e leitos secos dos cursos de água. Trata-se de uma espécie da família das Apocináceae, muito resistente à seca, poluição atmosférica e salinidade, mas necessitando de muita luz. Nativa da Europa Meridional, Norte de África e Ásia Menor, espalhou-se por toda as regiões temperadas e subtropicais do planeta.

De aparência robusta e copa arredondada, pode atingir cinco metros de altura. As folhas são persistentes, coriáceas, opostas e lanceoladas, de cor verde escura, tendo de 10 a 20 cm de comprimento. As flores, singelas ou dobradas, ficam abertas todo o verão, formando grandes ramalhetes nas pontas dos ramos. Os frutos são cilíndricos e compridos (de 5 a 23 cm) e as sementes estão providas de pêlos em penacho. Toda a planta exsuda uma seiva leitosa.

 É decididamente um dos arbustos ornamentais mais utilizados, quer pela formosura e durabilidade das suas flores, quer por não exigir grandes cuidados de manutenção.

O loendro, ou cevadilha, como também se denomina, é todo ele venenoso, devido principalmente a duas substâncias tóxicas que contém: a oleandrina e a neriantina. A oleandrina é um potente cardiotónico e constitui, como os glicósidos da dedaleira, matéria-prima para extrair princípios ativos que integram os medicamentos destinados a cardíacos. Naturalmente que isto só se processa em doses mínimas e de forma laboratorial.

No “Herbal Food and Medicines in Sri Lanka”, do Dr. Seela Fernando, curiosa obra que adquiri quando visitei aquele país da “Taprobana”, há uma página inteira referente ao “oleander”. Apontam-se as suas virtudes curativas, em uso externo, principalmente para reduzir inchaços e inflamações e eliminar parasitas. Contudo, o maior relevo é dado à toxicidade, a qual permanece, mesmo quando a planta está seca. Em sânscrito, o loendro denomina-se “ashvamaraka” que, significativamente, quer dizer: “mata cavalos”.

Alertando para as precauções que devem ser tomadas quando se manuseiam plantas venenosas, transmito, com a devida vénia, duas receitas de uso externo incluídas na “Enciclopédia de Educação e Saúde - A Saúde pelas Plantas Medicinais” de Jorge Pamplona Roger:
Pomada contra a sarna: Prepara-se uma pomada com 250 g de manteiga sem sal, ou outro veículo gordo, e 150 g das flores de loendro, que se devem deixar macerar durante 6 horas.
Cataplasmas de flores aplicadas sobre a zona da pele afetada.
Por sua vez, o Dr. Oliveira Feijão recomenda o infuso das folhas (30 g num litro de água) para lavagens nos casos de herpes, acne, pruridos e outras doenças dérmicas.

 Miguel Boieiro