segunda-feira, 4 de junho de 2012

Reflexões sobre a fundação e construção da identidade portuguesa


Estátua de Viriato,Viseu(Portugal)

Interessante refletirmos sobre a fundação e construção da identidade portuguesa. A lusofonia assim o exige! Li o estudo do escritor Alfredo Margarido, recentemente falecido: "Os Irmãos falsamente Siameses: Portugal e Espanha", publicado na RES - PUBLICA Revista  Lusófona de Ciência Política e Relações Internacionais 2007, 5/6,  pp. 31 - 45.

O texto defende que no decurso da sua história são muitos os pontos de convergência entre as duas nações ibéricas, mas também os factores que marcaram as suas diferenças, nomeadamente quanto aos distintos processos de descolonização e de democratização no século XX. Até aos dias de hoje, onde depois de épocas marcadas sobretudo pela conflitualidade, Espanha e Portugal são obrigados a coexistir e a cooperar no espaço comum europeu. 
Do texto transcrevo dois pequenos trechos  que referem a luta que Portugal sempre manteve com Castela e mesmo com a Galiza, embora as afinidades.

Argumenta o autor a certa altura: 
Uma das "funções" da Espanha(Castela) em relação à construção da identidade portuguesa foi posta em evidência pelo historiador português António José Saraiva, ou antes de Castela, foi a de obrigar os Portugueses a mobilizar-se  constantemente para fazer face aos Castelhanos. 
Esta observação obriga-nos a verificar que, de facto, os Portugueses só puderam tornar-se independentes , opondo-se primeiro à Galiza, e depois e quase permanentemente, pelo menos até ao século XIX, aos castelhanos. Podemos verificá-lo a partir, se não do recontro do Vez, pelo menos após a Batalha de Aljubarrota em 1385. Façamos contudo uma curta referência às condições da criação, primeiro, do Condado Portucalense, seguida poucos anos depois pela emergência de Portucale, que o mecanismo da língua já portuguesa transformará em Portugal. 
Cabe ao infante Afonso Henriques – filho de um não galego, o conde D Henrique e de uma princesa galega D. Tareja– separar-se, não sem violência, da Galiza.
A construção da História portuguesa, que durou séculos, assinala as condições deveras particulares que permitiram esta operação política fundadora, pois fora necessário a Afonso Henriques meter a mãe na cadeia para dispor das condições indispensáveis para levar o seu projeto a bom porto. Trata-se de um matricídio  simbólico , sendo   a   morte   d a   m ã e indispensável, já que o pai, não sendo galego, não dispunha da legitimidade política carregada pela mãe.
Até hoje, a historiografia portuguesa mantém a importância desta decisão de Afonso Henriques, que deste modo marca a sua singularidade entre as personagens da corte galega. Também se pode pensar que se quis, mantendo a narrativa, salientar o acto que prova que o príncipe não era um galego genético, pois   carregava consigo os genes de um pai estrangeiro.
Os primeiros portugueses estavam instalados num nicho ecológico, do qual deviam sair para alcançar a sua autonomia. Semelhante operação previa e supunha o uso da força como realmente aconteceu,em dois sentidos: manifestação de força perante a corte galega, como se verificou no reencontro do Vez; adopção de uma estratégia armada contra os Árabes e os seus aliados. A similitude das práticas agrícolas que ainda hoje se regista entre os Galegos e os Portugueses salienta a dificuldade da separação: ainda hoje somos consumidores da couve-galega, quanto mais não fosse no quase folclórico «caldo verde com ou sem tora», que continua a fazer parte dos nossos cardápios. Este parentesco foi reforçado de resto pela introdução do milho, nos começos do século XVI e da batata andina, já no século XIX.

Num outro momento a dinastia filipina aparece na História portuguesa como um período excepcional que não pode deixar de pôr problemas aos historiadores, que já procuraram encontrar traços da resistência popular, tendo-os de facto encontrado, mas tão tardios como falhos de força e também de teoria. Tudo se passa como se a população portuguesa, nobres, clero, artesãos ou agricultores, medisse as condições existenciais, concluindo que nem uns perdiam o poder, nem os outros se libertavam das corveias. A complicada sucessão dizia apenas respeito a um fragmento da nobreza e, por isso, as coisas podiam ser deixadas no lugar que lhes tinha sido destinado pelo acaso da reprodução das famílias reais. E de tal modo isto era assim, que as reações virulentas vieram da nobreza parcialmente mobilizada para participar na Guerra da Catalunha, tão soberbamente analisada mais tarde por D. Francisco Manuel de Melo.

Contudo Portugal tem feito o necessário para que o rosário da conflitualidade com Castela e os Espanhóis – não só os Castelhanos, mas muitos outros, talvez com a notável excepção da Galiza, que escolheu Portugal como lugar de emigração preferencial –, tenha sido engrossado com novas pérolas, pelo menos até 1801.

As convergências ou as diferenças entre as nações ibéricas  são,  hoje,uma força mobilizadora de uma cidadania mais alargada  para os seus povos , incluindo os ibero-americanos?

Saudações, Margarida 

Fonte consultada:
http://respublica.ulusofona.pt/pdf5_6/dossier3.pdf

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