Arte suprema
Tenho tido o privilégio de regularmente ser desafiada por
pessoas amigas ligadas às artes plásticas, a transcender as minhas antigas
aprendidas convicções acerca do que é a arte.
A mais recente teve a ver com a vinda a Portugal do
artista japonês Orimoto. Já falaremos dele.
O seu trabalho e de outros, como Vik Muniz, trazem-nos
uma atualização das antigas e eternas discussões acerca da arte. Tempos houve,
e de algum modo é um conceito de que somos ainda herdeiros, em que se concebia
a arte como algo de separado. O artista tinha a sua vida, esta podia
influenciar e influenciava o que criava, isso podia ou não ser expresso, e a
criação passava a ser um objeto separado de tudo. Comerciável. Refiro-me,
essencialmente, às artes plásticas. E havia o público que depois usufruía do
objeto, expressando ou não o que via e sentia.
Por seu lado, os místicos sempre afirmaram que a máxima
expressão da arte é a própria vida. Viver seria, segundo eles, o expoente da
expressão artística e a arte de viver seria incomparavelmente superior a
qualquer outra forma criativa e dispensava a criação de outros objetos
adicionais. Viver era a própria arte.
Pondo de lado algumas manifestações pseudo-artísticas que
pela crueldade se afastam da ética que, segundo o meu sentir não pode estar
ausente da estética (não me refiro à moral, que é outra coisa), a arte
contemporânea, e concretamente Orimoto, traz uma expressão radical da arte que,
sem ser mística, se aproxima muito da conceção mística da vida enquanto arte.
A sua expressão parte da experiência de vida com a mãe,
doente de Alzheimer. O escritor francês Christian Bobin, que viveu uma situação
semelhante, creio que com o pai, deixou também impressionar a sua escrita pela
experiência da perplexidade. Orimoto vai radicalmente muito mais longe. Mais
longe, até, do que Vik Muniz, que fizera de uma espécie de “residência”
artística e humana num aterro, uma marca de diferença na vida das pessoas que
lá viviam, co-criando a partir do lixo, que era o seu trabalho.
Mas Orimoto não precisou de se deslocar a lado nenhum.
Para além das suas esculturas vivas e em movimento, com o pão, a sua principal
musa inspiradora está ali em casa, vive com ele, é a mãe e tem Alzheimer. O que
ele faz é o que faz qualquer filho nestas circunstâncias, está com ela, vivem
um quotidiano a dois, dá-lhe afeto, abraça-a e faz-se fotografar com a mãe. Com
uma diferença. Introduz símbolos: pneus velhos, velhos bonecos de peluche,
assim restituindo dignidade aos objetos que já ninguém valoriza, desse modo
resgatando a dignidade da mãe, que pela idade e doença a sociedade pôs de lado.
E mostrando tudo isto como arte. A arte é a vida, quando a vida é amor. Um
místico não o demonstraria melhor.
Risoleta C. Pinto Pedro
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