sexta-feira, 11 de abril de 2014

ESTUDO DO RIO E DO CÉU E DAS OUTRAS COISAS GERAIS QUE ENTRE ELES SE ENCONTRAM




Arte suprema

Tenho tido o privilégio de regularmente ser desafiada por pessoas amigas ligadas às artes plásticas, a transcender as minhas antigas aprendidas convicções acerca do que é a arte.

A mais recente teve a ver com a vinda a Portugal do artista japonês Orimoto. Já falaremos dele.
O seu trabalho e de outros, como Vik Muniz, trazem-nos uma atualização das antigas e eternas discussões acerca da arte. Tempos houve, e de algum modo é um conceito de que somos ainda herdeiros, em que se concebia a arte como algo de separado. O artista tinha a sua vida, esta podia influenciar e influenciava o que criava, isso podia ou não ser expresso, e a criação passava a ser um objeto separado de tudo. Comerciável. Refiro-me, essencialmente, às artes plásticas. E havia o público que depois usufruía do objeto, expressando ou não o que via e sentia.

Por seu lado, os místicos sempre afirmaram que a máxima expressão da arte é a própria vida. Viver seria, segundo eles, o expoente da expressão artística e a arte de viver seria incomparavelmente superior a qualquer outra forma criativa e dispensava a criação de outros objetos adicionais. Viver era a própria arte.

Pondo de lado algumas manifestações pseudo-artísticas que pela crueldade se afastam da ética que, segundo o meu sentir não pode estar ausente da estética (não me refiro à moral, que é outra coisa), a arte contemporânea, e concretamente Orimoto, traz uma expressão radical da arte que, sem ser mística, se aproxima muito da conceção mística da vida enquanto arte.

A sua expressão parte da experiência de vida com a mãe, doente de Alzheimer. O escritor francês Christian Bobin, que viveu uma situação semelhante, creio que com o pai, deixou também impressionar a sua escrita pela experiência da perplexidade. Orimoto vai radicalmente muito mais longe. Mais longe, até, do que Vik Muniz, que fizera de uma espécie de “residência” artística e humana num aterro, uma marca de diferença na vida das pessoas que lá viviam, co-criando a partir do lixo, que era o seu trabalho.

Mas Orimoto não precisou de se deslocar a lado nenhum. Para além das suas esculturas vivas e em movimento, com o pão, a sua principal musa inspiradora está ali em casa, vive com ele, é a mãe e tem Alzheimer. O que ele faz é o que faz qualquer filho nestas circunstâncias, está com ela, vivem um quotidiano a dois, dá-lhe afeto, abraça-a e faz-se fotografar com a mãe. Com uma diferença. Introduz símbolos: pneus velhos, velhos bonecos de peluche, assim restituindo dignidade aos objetos que já ninguém valoriza, desse modo resgatando a dignidade da mãe, que pela idade e doença a sociedade pôs de lado. E mostrando tudo isto como arte. A arte é a vida, quando a vida é amor. Um místico não o demonstraria melhor.


Risoleta C. Pinto Pedro

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