sábado, 26 de abril de 2014

Petúnia Libertas Quæ Sera Tamen, por Cristiana Penna de Amaral






Petúnia Libertas Quæ Sera Tamen
Kity Amaral

22x22cm 2004

Técnica mista sobre papel

Tiradentes/M.G. - Brasil

(coleção particular)

4 comentários:

Cristiana disse...


Pátria Minha
(Vinicius de Moraes)


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."


Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.

Unknown disse...

Muito agradecida, Luís.
Libertas quae sera tamem!

Abraçaço Brasileiro

Cristiana

luis santos disse...

Viva Cristiana, Parabéns pela bandeira de Minas. Que pátria não gostaria que lhe desenhassem a sua bandeira feita um anjo. Até porque, como diz Rui Reininho, um músico português, "as asas são para voar...".

E já que vamos com poetas, como diria Fernando Pessoa, "a minha pátria é a Língua Portuguesa" e Agostinho da Silva também a elegeu em rumo de universalidade e convida a sua irmã castelhana para se juntarem à mesma mesa. São assim as festas em família, não é? "A alegria de estarmos juntos" ao ritmo do jazz.

Concluindo, "Deixa a minha língua roçar a língua de Luís de Camões (...) e eu não tenho pátria, tenho mátria e quero fratria (...) e que o Chico Buarque me resgate, xeque-mate. Só para terminar falando no nome de um grande amigo do Vinicius.

É claro que a nossa pátria é o universo inteiro, o tudo e o nada.

Aquele Abraço (à moda do Gilberto Gil), num momento em que Lula da Silva está de passagem por Portugal e pediu ao nosso (pseudo) Presidente para que Portugal não lhes tire o título no próximo Mundial, mas lá que eu gostava, gostava.

luis santos disse...


Cristiana, agradecidos somos nós. Manda sempre. Iremos buscar o abraçaço na próxima terça-feira e, depois, te direi.