terça-feira, 15 de abril de 2014


Ideologias incendiárias com Lógicas claras mas fora da Razão

Ao Arroteamento da Paisagem natural segue-se o da Paisagem cultural


António Justo

A selva da consciência humana vai avançando e recuando à medida dos fogos que se ateiam aqui e acolá. Os séculos XIX e XX foram os séculos que mais se aproveitaram da pirotecnia ideológica (fascismo, socialismo e capitalismo) e tudo isto debaixo do céu iluminista duma razão pura e de uma ciência convencida. O início do séc. XXI sofre as consequências até ao desatino porque a camada dos que têm acesso ao saber é incomparavelmente maior; o problema vem porém dum saber adquirido à primeira vista. Um saber que não cria saber fundado mas destinado apenas a fazer opinião passível de ser cultivada nos vasos da varanda democrática. No absolutismo cultivava-se o dogma absoluto, em democracia cultiva-se a opinião relativista para se ter verdades para todos os partidos. Não ponho as mãos no fogo da ideologia porque me chega o adubo das suas cinzas!...


Valores abstractos não comprometem os Governantes

Torna-se interessante observar a cumplicidade e coerência entre economia, sistema de governo e de pensamento no suceder-se das várias épocas históricas. Se na Idade média com a sua suserania económica agrária (reguengos, coutos e coutadas) imperava o rei/suserano como representante de Deus na terra, hoje em democracia e em nome do povo, cada vez impera mais um estado corrupto sem referências éticas e menos ainda religiosas. O secularismo estatal quer falar apenas de valores abstratos, sem pai nem mãe, e assim confirmar o que o bispo Agostinho de Hipona constatava, no seu tempo: um Estado sem um fundamento moral claro não é mais que “uma grande quadrilha assaltante de ladrões”. Por isso o Estado, embora de direito, não quer saber do bem e do mal. Deste modo os poderosos grupos, ideológicos, políticos, económico e dos Média, tornam-se nos formadores duma opinião pública à medida dos seus interesses particulares. Quer-se uma sociedade também sem religião nem modelos; o maior modelo humano da História, Jesus de Nazaré, tornar-se-ia numa provocação.

Na Europa, no tempo das invasões bárbaras a vida era dominada pelo medo real da morte, das pestes e dos assaltos bárbaros. A vida era violenta e o ambiente rude, o que se repercute também na mentalidade desse tempo. A violência, o medo e a necessidade de defesa levou os habitantes a construir castelos nos cimos dos montes e os fiéis a construir igrejas com janelas estreitas para impedirem os assaltos. Neste ambiente fomenta-se uma consciência do direito, impregnada na necessidade de justiça, que se formula numa espiritualidade de direito e se expressa então no Jesus severo e justiceiro adaptado à época.

O fogo do amor abranda todos os fogos sejam eles materiais ou espirituais, porque queima os medos pela raiz.

A necessidade de desenvolvimento e a fome levou ao arroteamento de grandes florestas na Europa. Por todo o lado, a natureza recuou, à medida que a população aumentava. Dá-se uma progressão na cultura e um recuo na natura. No seculo XV a população de Portugal era entre um e dois milhões de habitantes, a França tinha entre 10 e 14 milhões e a Espanha andava pelos cinco milhões.

Ao fogo do dogma religioso sucede-se o fogo do dogma racionalista/secular com o dogma da opinião embutida no relativismo. No processo da evolução os fogos do inferno deram lugar aos fogos das ideologias. Ao arroteamento das paisagens geográficas da Europa segue-se o arroteamento da sua paisagem cultural, com o desbaste do que ela tem mais sagrado. Na luta pelo próprio biótopo vital ou ideológico cada um procura escavar a própria trincheira para daí fazer fogo com uma argumentação lógica mas não racional. A lógica ideológica pega nuns tantos factos históricos tirados da cor local histórica e do contexto, organizando um fio condutor lógico ad hoc e convincente para quem não conhece o resto dos factos. 


O Medo como Instrumento de Governo e de Domínio

A religião procurava relegar a vingança dos fogos do dia-a-dia para o fogo do inferno, adiando o medo para o fim-do mundo. O secularismo hodierno procura relegar a vingança das injustiças do dia-a-dia para um futuro de progresso, adiando o medo de eleição em eleição ou para um futuro melhor. Pirómanos de um lado e de outro: cada qual amarrando o futuro à sua ideologia.

Incendiários por todo o lado, teístas colocando o fogo nos campos dos ateístas e incendiários progressistas colocando o fogo no campo dos conservadores e da religião: todo o mundo a dar continuidade à cultura da guerra e ninguém interessado em integrar.

Na luta contra o medo tudo luta com o medo de morrer sozinho, tudo procura tornar-se proprietário da razão; esta e á a mecha de fogo mortal mais eficaz mas que, num outro ideário, se poderia transformar na mecha da paz.

Numa sociedade cada vez mais distante da vida moral e da lei da causa e do efeito sofre-se de um reducionismo monocausal, procurando explicar as próprias dores da mente com qualquer coisa que lhe engane a fome.

No carrossel das opiniões e das lógicas tudo anda atordoado. A expressão cristã não pode porém reduzir-se a uma herança assim como a sua crítica não pode ser reduzida a uma época ou sistema político. A interculturalidade não seria beneficiada se fundamentada nas culpas sejam elas a nível de medos ou de coerções, sejam elas mesmo, de caracter intelectual subtil.

Tanto a delinquência como a benignidade dum povo são retratadas nos seus costumes, na sua ética e nas suas leis.
Hoje é fácil falar-se com o rei na barriga; para isso basta falar de antanho, falar dos outros, a partir do trono duma própria opinião tendente a justificar a própria insatisfação/frustração.

O filósofo Epicteto dizia “Não há falta de provérbios, os livros estão cheios deles, o que falta são pessoas que os apliquem”! Eu acrescentaria: Não chega um provérbio ou uma citação para conhecer uma pessoa, é preciso ler o livro inteiro e mesmo assim continuarei a não poder perceber os mistérios que a pessoa alberga e que o livro não consegue revelar!

A ideologia do pensar politicamente correcto que nos domina tornou-nos indiferentes.
Entre o texto e o contexto prospera a opinião de um texto descontextuado. O sentido do texto só está no contexto! Por isso há que perguntar o que está por trás de uma opinião e que interesses serve, antes de nos deixarmos levar por lógicas que se revelam contra a razão! Hoje na barafunda das lógicas argumentativas tudo serve para atacar as raízes da nossa civilização.

António da Cunha Duarte Justo


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