sexta-feira, 4 de abril de 2014

Livros d'África



José Eduardo Agualusa

Não me é fácil escolher um livro na já vasta obra deste angolano nascido no Huambo em 1960, membro da UEA – União de Escritores Angolanos, por ser um dos meus escritores angolanos preferidos. Por isso pego na sua segunda obra que, tal como a primeira, “A Conjura”, concentra a história no século dezanove, um período que me apaixona. Intitula-se “A FEIRA DOS ASSOMBRADOS” e relata o espanto e medo supersticioso dos habitantes do Dondo quando vários corpos quase decompostos ali chegaram trazidos pelas águas do rio Kwanza, talvez resultado de alguma cheia inesperada e repentina, no dia 31 de Janeiro de 1899.

Naquele tempo o Dondo já não era a terra onde se viam chegarcaravanas, quibucas que vinham de todos os sertões, carregadas de assombros e poeiras.” O Dondo era agora “apenas um sufocante morredouro de velhos, um lugar sem paradeiro no mundo, onde apenas arribam multívagos, quifumbes, homens sem nome, sem rosto e sem destino.”

Mas, com a chegada daqueles infelizes mortos trazidos pela corrente do rio, a pasmaceira da vila agitou-se e, durante algum tempo, houve assunto que se discutisse. Foi precisamente no meio daquele desastre que arribou ao Dondo o sapateiro José Maria Vieira de Carvalho, “mulato quase branco, talvez filho de Luanda ou de Benguela, mas isso nunca se chegou de saber.” O certo é que tinha uma capacidade que logo se tornou notada e requisitada: era vedor. Como disse então o Major Albérico Santoni, boticário da vila, “ele é capaz de ver com o corpo todo”. Também não tardou que o apelidassem de feiticeiro, dado o seu ar “caladiço, murmuribundo, aonde quer que chegasse parecia que a noite chegava também e por isso lhe deram o nome de Cacoco, o mocho, ave de sombras e agouros. Bêbado, transbebido, crescia-lhe a voz em abruptas revelações: dizia que as almas do purgatório estão aprisionadas dentro de esferas de vidro; falava, com fervor, na transmutação dos metais. Vaticinava desgraças e prodígios.”

É um livro soberbo, com uma escrita belíssima e cativante, apesar de pequeno (pouco menos de 80 páginas), mas que aconselho vivamente.

Tomás Lima Coelho

1 comentário:

MJC disse...

Em minha opinião e no universo da língua portuguesa o dos mais talentosos e musicais intérpretes de um "realismo mágico" apanágio da literatura latino-americana.

Subscrevo completamente esta escolha do Amigo Tomás.

Abraço,

Manuel João Croca