José Eduardo Agualusa
Não me é fácil escolher
um livro na já vasta obra deste angolano nascido no Huambo em 1960, membro da
UEA – União de Escritores Angolanos, por ser um dos meus escritores angolanos
preferidos. Por isso pego na sua segunda obra que, tal como a primeira, “A
Conjura”, concentra a história no século dezanove, um período que me apaixona.
Intitula-se “A FEIRA DOS ASSOMBRADOS” e relata o espanto e medo supersticioso dos
habitantes do Dondo quando vários corpos quase decompostos ali chegaram
trazidos pelas águas do rio Kwanza, talvez resultado de alguma cheia inesperada
e repentina, no dia 31 de Janeiro de 1899.
Naquele tempo o Dondo
já não era a terra onde se viam chegar “caravanas, quibucas
que vinham de todos os sertões, carregadas de assombros e poeiras.” O Dondo era agora “apenas um sufocante morredouro de velhos, um lugar sem paradeiro no
mundo, onde apenas arribam multívagos, quifumbes, homens sem nome, sem rosto e
sem destino.”
Mas, com a chegada
daqueles infelizes mortos trazidos pela corrente do rio, a pasmaceira da vila
agitou-se e, durante algum tempo, houve assunto que se discutisse. Foi
precisamente no meio daquele desastre que arribou ao Dondo o sapateiro José
Maria Vieira de Carvalho, “mulato quase branco, talvez filho
de Luanda ou de Benguela, mas isso nunca se chegou de saber.” O certo é que tinha uma capacidade que logo
se tornou notada e requisitada: era vedor. Como disse então o Major Albérico Santoni,
boticário da vila, “ele é capaz de
ver com o corpo todo”. Também não tardou
que o apelidassem de feiticeiro, dado o seu ar “caladiço, murmuribundo, aonde quer que chegasse parecia que a noite
chegava também e por isso lhe deram o nome de Cacoco, o mocho, ave de sombras e
agouros. Bêbado, transbebido, crescia-lhe a voz em abruptas revelações: dizia
que as almas do purgatório estão aprisionadas dentro de esferas de vidro;
falava, com fervor, na transmutação dos metais. Vaticinava desgraças e
prodígios.”
É um livro soberbo, com
uma escrita belíssima e cativante, apesar de pequeno (pouco menos de 80 páginas),
mas que aconselho vivamente.
Tomás Lima Coelho
1 comentário:
Em minha opinião e no universo da língua portuguesa o dos mais talentosos e musicais intérpretes de um "realismo mágico" apanágio da literatura latino-americana.
Subscrevo completamente esta escolha do Amigo Tomás.
Abraço,
Manuel João Croca
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