A Desigualdade económica bloqueia o
Futuro
António
Justo
O especialista Thomas Piketty, professor de economia na École
d’économie de Paris, no seu livro “O Capital no século XXI” mostra o surgir de
um fosso cada vez maior entre ricos e pobres nas nações industriais. Provou que
a riqueza se mantem durante séculos em determinadas famílias. O cúmulo da
questão, como ele conclui, encontra-se no facto de os rendimentos do trabalho
serem inferiores aos rendimentos do capital. A injustiça permanece e
acompanha os diferentes regimes políticos e é fomentada pela crença divulgada
de que “só não sobe na vida quem não se esforça”.
Piketty apresenta uma radiografia da desigualdade social
proveniente da economia; este livro irá revolucionar a discussão política e
económica; superará as discussões ideológicas, dado o seu autor ser uma pessoa
íntegra e mais virada para a realidade empírica ao apresentar uma análise dos
dados sobre os porquês da sustentabilidade da precaridade e de um certo
determinismo económico e histórico. Este abuso só poderá ser corrigido por
uma política forte e atenta. Numa sociedade consciente de ser constituída por
cidadãos e não só por empresários, a riqueza terá de deixar de comprar a
influência e o discurso público. O povo tem de reconhecer a sua dependência da
economia e da política para a poder respeitar e transformar.
Numa entrevista à revista Spiegel (19/2014) Thomas Piketty, à
pergunta se ele é “o Karl Marx do nosso tempo” respondeu, “de modo nenhum” e
uma tal ideia só poderá vir da ousada afirmação de que ”O capital devora o
futuro / o passado tende a devorar o futuro”, uma posição crítica ao capital
herdado. Afirma que o seu livro fora escrito numa perspectiva histórica
enquanto a obra de Marx é teorética. Piketty não alinha com o determinismo
económico e histórico de Marx.
Para Piketty há uma lei que se repete através da História: “a
taxa de rendimento sobre o capital excede, a longo prazo, a taxa de crescimento
da economia” e constata: “Marx subestimou o potencial de crescimento que
actua livremente através do aumento da produtividade e do aumento da
população”. Para o crítico do capitalismo Piketty, a catástrofe que se tem de
recear “não é económica mas política”.
O grande capital desestabiliza os Estados e fomenta a
sensação de injustiça social na população. Enquanto o rendimento do capital
é em média de “4 até 5% ao ano, na economia só cresce 1% por ano”. De facto
temos assim a indústria financeira, o mercado de casino contra a economia real.
Isto torna-se incompatível com uma sociedade democrática que parte do potencial
de cada indivíduo e não do princípio patriarcalista da descendência. Por
isso a conclusão de Piketty é lógica mostrando a incongruência entre Democracia
e os seus princípios, implicando a sua análise uma crítica aos que se
assenhorearam da Democracia e às ciências que as acompanham. Não há lógica
entre Democracia e prática económica nem entre os seus princípios.
O grande Capital não se dá com a
Moral
O capitalismo é, ao mesmo tempo consequência natural e
testemunho da força das desigualdades; ele seria incongruente se por ele mesmo
criasse igualdade, possibilitando, muito embora, o bem-estar de muitos. O
grande capital não se dá com a moral, por isso precisaria das rédeas do Estado
que o moderassem mas sem o coibirem a uma ideologia ou demasiado dirigismo. O
facto de ele incluir energias injustas não justificaria a injustiça do seu
contraente socialismo.
O liberalismo económico actual contradiz a democracia e o
princípio cristão de se ganhar o pão com o suor do seu rosto e não com a
especulação usurária
(Legitima o trabalho individual e social mas não a exploração através dum mundo
financeiro de jogadores sem escrúpulos). A riqueza, provinda do negócio com
o capital, favorece quem tem muito capital, ao passo que a propriedade vinda do
trabalho (economia real) favorece o indivíduo e essa é mais democrática.
O Mestre dizia: “pobres sempre os tereis convosco”
porque conhecia os aspectos negativos e positivos da natureza humana; por isso
aceitava a diferença a nível individual e social salvaguardando a premissa de
que a diferença tem de estar sempre ao serviço do bem-comum e de cada pessoa em
particular. De facto, a sociedade não se pode arquitectar em termos só
ideológicos, só económicos, ou só políticos, por isso advertia: “Dai, pois, a
César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mat. 22:21) e acrescentava: “Nem só
de pão viverá o Homem”.
Há diferentes lógicas e todas elas serão certas na sua
argumentação interna, mas para serem eficientes devem reconhecer-se como
complementares e obedecer à razão superior. A lógica económica e financeira
não pode continuar a assumir as rédeas da democracia e a transformá-la no
cavalo que a serve e transporta. Já Platão advertia que a Ideia é a mãe que
determina diferentes práticas e não o contrário porque a realidade vinda da
observação é ilusória. A orientação por um mero pragmatismo, a que chegamos
hoje, abole o pensamento; leva-nos a ajoelhar-nos perante uma opinião política
que só segue a economia/finanças e ilude a sociedade com ofertas de liberdades
individuais no domínio sexual ou do divertimento, como se a questão social se
resumisse a um problema adolescente de luta pela emancipação da moral e de
costumes entre gerações e de reivindicação da exatidão/verdade da própria
ideologia em relação a outras.
Uma competição totalmente livre só beneficia o mais forte.
Somos todos diferentes e por isso uma política de oportunidades para todos é
sempre ditada pela diferença que faz os mais
fortes.
Piketty constata que “A argumentação de que a sociedade de
classes foi superada, é a expressão de uma ideologia republicana enganosa”. A
progressão da desigualdade encontra-se hoje ligada ao desemprego.
Piketty sugere como início de uma tentativa de solução
“Um imposto progressivo sobre o capital líquido da propriedade privada”; o
melhor seria um imposto sobre o capital a nível global, para que as transacções
financeiras do capital não circulem descontroladamente de uma nação para a
outra. O imposto
sobre o capital poderia, no parecer de Piketty, ser empregue para reduzir as
cobranças sobre uma classe média demasiado sobrecarregada.
Consequentemente o nosso sistema político-económico terá de
transcender as discussões ideológicas que não passam de cancões para embalar a
classe média e a classe precária.
Seria atraiçoar o conteúdo do livro e do autor tentar coloca-lo
numa discussão ideológica ou partidária que o assunto do livro pressupõe já
ultrapassada ou numa mera discussão ideológica entre capitalistas e
socialistas. Precisamos das duas facções.
As carências de todas as instituições humanas, sejam elas
capitalistas ou socialistas, vem da precaridade do Homem. A falha original, que
legitima a discussão, situa-se na concorrência entre indivíduo e sociedade. A
sociedade/instituição aproveita-se, da necessidade de protecção e de mais-valia
do indivíduo, para, em troca de protecção, assumir o direito de regulá-lo. O
ideal da igualdade de direitos e de oportunidades pressuporia instâncias justas
que os impusessem com justiça e a organização de firmas que deixassem de obter
os maiores rendimentos na construção de armas para o fomento da guerra em vez
do fomento da paz. O problema está no modo de chegar lá numa humanidade feita
de desiguais com estruturas que fomentam os mais fortes na convicção de que
estes é que garantirão o desenvolvimento e o futuro! Para se subir a escada da
jerarquia só se consegue através da autoafirmação, o que torna a instituição
numa sociedade dirigida por autoafirmados! Daí concluir pela opção de um
sistema seja ele capitalista ou socialista peca já de si do equívoco de
pressuposto de que o ser humano seria um anjo. Quanto a mim entusiasma-me o
projecto JC, como protótipo do Homem a construir, começando pela
revolucionamento do ser humano (esteja ele onde estiver) na descoberta da sua
gene divina que levará cada pessoa a arrumar com os vendilhões do templo seja
ele de caracter socialista ou capitalista.
António
da Cunha Duarte Justo
Jornalista
livre