domingo, 29 de novembro de 2015

 
 
MIRADOURO 39 / 2015
esta rubrica não respeita as normas do acordo ortográfico



(foto de Edgar Cantante)
 
 
Agora é o agora e o agora é o já.
De modo que o amanhã é, de facto, longe de mais.
Daí o exercício necessário.
Daí o tear dos fios da vida.
Os nós e os laços.
O querer e não poder.
O poder mas não querer.
O adiar.
Adiar, que não esquecer.
*
Ao ver o frenesim das pessoas a sair do barco em hora “de ponta” uma criança perguntava a outra:
«já reparaste que só com dois olhos conseguimos ver tudo isto?»
e a outra criança sorriu, sorria.
Não disse, mas pensava:
«E com um só coração conseguimos sentir tudo. O que vemos, o que percebemos e o que pressentimos.»
Não falou do que percebeu nem do que pressentiu porque o fim da tarde estava lindo, a temperatura amena, a cumplicidade apetecia e por haver coisas difíceis de explicar.
*
Porquê a lembrança destas crianças agora ?
A mecânica não se revela mas a memória não se coíbe.
Mesmo sem saber, sei.
O regresso à infância recompõe o território das possibilidades.
Ou atascamos no lodo do que nos prende(u), ou voamos em renovados céus  do que sonhámos, do que sonhamos.   
*
Se o hoje é pardo e incerto e o ontem é o de onde vimos e sem regresso, é no agora que se faz amanhã, mesmo que se longe de mais, que tudo se joga  e é por isso mesmo que é para lá que vamos.
E somos.
 
Manuel João Croca
 
 

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