MIRADOURO 39 / 2015
esta rubrica não respeita as normas do acordo ortográfico
(foto de Edgar Cantante)
Agora
é o agora e o agora é o já.
De
modo que o amanhã é, de facto, longe de mais.
Daí
o exercício necessário.
Daí
o tear dos fios da vida.
Os
nós e os laços.
O
querer e não poder.
O
poder mas não querer.
O
adiar.
Adiar,
que não esquecer.
*
Ao
ver o frenesim das pessoas a sair do barco em hora “de ponta” uma criança
perguntava a outra:
«já
reparaste que só com dois olhos conseguimos ver tudo isto?»
e
a outra criança sorriu, sorria.
Não
disse, mas pensava:
«E
com um só coração conseguimos sentir tudo. O que vemos, o que percebemos e o que pressentimos.»
Não
falou do que percebeu nem do que pressentiu porque o fim da tarde estava lindo,
a temperatura amena, a cumplicidade apetecia e por haver coisas difíceis de
explicar.
*
Porquê
a lembrança destas crianças agora ?
A
mecânica não se revela mas a memória não se coíbe.
Mesmo
sem saber, sei.
O
regresso à infância recompõe o território das possibilidades.
Ou
atascamos no lodo do que nos prende(u), ou voamos em renovados céus do que sonhámos, do que sonhamos.
*
Se
o hoje é pardo e incerto e o ontem é o de onde vimos e sem regresso, é no agora
que se faz amanhã, mesmo que se longe de mais, que tudo se joga e é por isso mesmo que é para lá que vamos.
E
somos.
Manuel
João Croca
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