por Miguel Boieiro
Uma silva, duas silvas
Formam uma mata fechada.
Uma pica, a outra arranha
Com silvas não quero nada
Esta quadra popular ilustra admiravelmente
duas das particularidades deste arbusto persistente que prolifera em sebes,
bosques e valados por todo o território português: a sua extraordinária e
exuberante vitalidade e a grande quantidade de espinhos de que é provido e que
nos causam arreliantes dissabores. Não obstante, esta planta é uma verdadeira
amiga.
A silva integra-se na família das Rosacea e possui a designação científica
de Rubus fruticosus L. O género Rubus é dos mais profícuos e complexos
dando origem a centenas de espécies e de híbridos. Contudo, quase nos
dispensamos de descrever este arbusto espinhoso e terrivelmente invasor, pois ele
é sobejamente conhecido e toda a gente tem presente as suas guias agressivas
que crescem emaranhando-se umas nas outras.
As folhas são pecioladas com número ímpar de
folíolos verdes escuros, dentados e levemente esbranquiçados no verso. As
flores, aos cachos, apresentam-se brancas ou cor-de-rosa, muito lindas, mas sem
odor. Atraentes são os seus frutos que formam drupas carnudas e cuja cor vai
mudando do verde para o rosa, depois para o vermelho e finalmente para o negro
azulado quando logram amadurecer. São as apetecíveis amoras silvestres que nos
deliciam quando vagueamos pelos campos. É bem bonito de se ver um silvado em
agosto ou setembro, cheio de reluzentes amoras.
Se as silvas, outras virtudes não tivessem,
bastavam-nos com os seus doces frutos, levemente adstringentes, ricos em
vitaminas e sais minerais. As amoras servem para confecionar compotas e doces
muito apreciados, adquirindo uma coloração bem escura. Todavia, por serem
silvestres, garantem-nos, à partida, uma certeza: não estão, em princípio,
contaminados com produtos tóxicos, como acontece amiudadas vezes com outros
frutos cultivados.
Também servem para fazer xarope,
espremendo-se as amoras e juntando o dobro do seu peso em açúcar “mascavado”. A
mistura é fervida em lume brando até se obter a necessária consistência
xaroposa. É ótimo para debelar diarreias.
Igualmente se empregam as folhas e as flores
em tratamentos fitoterapêuticos, mediante infusões, pois são diuréticas,
adstringentes, anti-inflamatórias e hemostáticas e portanto, adequadas para
dispepsias, expectorações sanguíneas, cálculos da bexiga, diarreias e diabetes.
Convém coar as infusões por causa dos
espinhos que se soltam das folhas. De grande utilidade são também os gargarejos,
usados para anginas, estomatites, aftas, rouquidão, faringites e gengivites.
A análise química da planta detetou a
existência de ácido salicílico, ácido málico, ácido cítrico, taninos, pectinas,
vitamina C e provitamina A. Existem para cima de quatrocentas espécies de
Rubus em todo o mundo em função da
variação do clima, da humidade e da exposição solar. Todas elas possuem
características semelhantes e são igualmente úteis.
A terminar, relato um episódio engraçado.
Quando fiz o lançamento oficial do meu livro “As Plantas, Nossas Irmãs”, preparou-se o habitual beberete da
praxe. Lembrei-me então de apresentar uma infusão de amoras silvestres, mas
para que não pensassem que era algo de reles, coloquei no cardápio a designação
científica. Ficou assim: chá de rubus
fruticosus. Ora, toda a gente gostou e chorou por mais, julgando que era
algo de muito sofisticado.
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