sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Silvas e Amoras


por Miguel Boieiro

Uma silva, duas silvas
Formam uma mata fechada.
Uma pica, a outra arranha
Com silvas não quero nada


Esta quadra popular ilustra admiravelmente duas das particularidades deste arbusto persistente que prolifera em sebes, bosques e valados por todo o território português: a sua extraordinária e exuberante vitalidade e a grande quantidade de espinhos de que é provido e que nos causam arreliantes dissabores. Não obstante, esta planta é uma verdadeira amiga.

A silva integra-se na família das Rosacea e possui a designação científica de Rubus fruticosus L. O género Rubus é dos mais profícuos e complexos dando origem a centenas de espécies e de híbridos. Contudo, quase nos dispensamos de descrever este arbusto espinhoso e terrivelmente invasor, pois ele é sobejamente conhecido e toda a gente tem presente as suas guias agressivas que crescem emaranhando-se umas nas outras.

As folhas são pecioladas com número ímpar de folíolos verdes escuros, dentados e levemente esbranquiçados no verso. As flores, aos cachos, apresentam-se brancas ou cor-de-rosa, muito lindas, mas sem odor. Atraentes são os seus frutos que formam drupas carnudas e cuja cor vai mudando do verde para o rosa, depois para o vermelho e finalmente para o negro azulado quando logram amadurecer. São as apetecíveis amoras silvestres que nos deliciam quando vagueamos pelos campos. É bem bonito de se ver um silvado em agosto ou setembro, cheio de reluzentes amoras.

Se as silvas, outras virtudes não tivessem, bastavam-nos com os seus doces frutos, levemente adstringentes, ricos em vitaminas e sais minerais. As amoras servem para confecionar compotas e doces muito apreciados, adquirindo uma coloração bem escura. Todavia, por serem silvestres, garantem-nos, à partida, uma certeza: não estão, em princípio, contaminados com produtos tóxicos, como acontece amiudadas vezes com outros frutos cultivados.

Também servem para fazer xarope, espremendo-se as amoras e juntando o dobro do seu peso em açúcar “mascavado”. A mistura é fervida em lume brando até se obter a necessária consistência xaroposa. É ótimo para debelar diarreias.

Igualmente se empregam as folhas e as flores em tratamentos fitoterapêuticos, mediante infusões, pois são diuréticas, adstringentes, anti-inflamatórias e hemostáticas e portanto, adequadas para dispepsias, expectorações sanguíneas, cálculos da bexiga, diarreias e diabetes.

Convém coar as infusões por causa dos espinhos que se soltam das folhas. De grande utilidade são também os gargarejos, usados para anginas, estomatites, aftas, rouquidão, faringites e gengivites.

A análise química da planta detetou a existência de ácido salicílico, ácido málico, ácido cítrico, taninos, pectinas, vitamina C e provitamina A. Existem para cima de quatrocentas espécies de Rubus em todo o mundo em função da variação do clima, da humidade e da exposição solar. Todas elas possuem características semelhantes e são igualmente úteis.

A terminar, relato um episódio engraçado. Quando fiz o lançamento oficial do meu livro “As Plantas, Nossas Irmãs”, preparou-se o habitual beberete da praxe. Lembrei-me então de apresentar uma infusão de amoras silvestres, mas para que não pensassem que era algo de reles, coloquei no cardápio a designação científica. Ficou assim: chá de rubus fruticosus. Ora, toda a gente gostou e chorou por mais, julgando que era algo de muito sofisticado.

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