A PALHAÇADA
Lá diz o ditado, todo aquele que ladra não pensa.
Eis o Portugalzinho do homo maniatábilis no seu melhor.
Jorge Lacão, deputado socialista e presidente da comissão de ética do parlamento, logo após uma reunião em que, naquele organismo, ficou aceite o regresso de Paulo Pedroso ao seu lugar da Assembleia da República, veio a público justificar tal decisão com base na interpretação – pessoal? Seria uma gracinha… – de que o acórdão do Tribunal de Relação que decretou o fim da prisão preventiva deste último significa, igualmente, a absolvição da pessoa que os correligionários de partido sempre haviam considerado inocente.
Uma vez que falou na qualidade do seu cargo parlamentar, deveremos entender que é esta a ética que prevalece por ali?
Então e o princípio da separação dos poderes?
Isto só não é grave para a democracia no nosso país simplesmente porque entre nós nunca se chegou a consolidar um estado de direito que, depois do democraticídio que foram os governos de António Guterres, ficou completamente estiolado e, desta forma, de modo algum podemos pensar que vivemos num regime daqueles e muito menos ainda que damos corpo e rosto a uma sociedade democrática.
Em contrapartida, isto deixa a nu a nossa civilização clientelar que, de tão evidente, nem carece de definição, precisamente a base em que pode instalar-se e florescer a partidocracia que sustenta e caracteriza o nosso sistema político.
Sem qualquer despudor e sem mesmo sentir necessidade de rodeios ou do uso de qualquer máscara, aquele parlamentar limitou-se a ilustrar que há poderes acima da justiça e que, se necessário, lhe impõem as sentenças que lhes forem mais convenientes.
Qualquer observador independente o sabia há muito. Eis que chegou a hora em que isso pode ficar bem claro aos olhos de todos, não vá o diabo tecê-las e depois o portuga tem mais com que se preocupar.
Espectáculo mais triste só a palhaçada que se viu na comunicação social em geral.
Se quiser ser simpático e, um tanto ou quanto ingenuamente, benevolente, direi que se chegou ao delírio de, em editorial, alguém escrever que “(…) o acórdão é, de resto, demolidor para as teses da acusação e do juiz de instrução (…)” (1) quando, nesse mesmo jornal, na folha anterior, se dá conta do voto contrário de um dos juízes que aprovaram aquele documento, para quem existem “(…) indícios suficientes do crime de abuso sexual de crianças (…)” além de “(…) existir o perigo de o arguido perturbar o decurso das investigações, afectar a ordem e a tranquilidade públicas, ou continuar a actividade criminosa.” Não fosse isto de bradar aos céus, ainda defende que nos autos é óbvia e repetida “(…) a intervenção de terceiros que no interesse do arguido actuam de forma a criar perigo de perturbação de decurso do inquérito (…)”. (2)
Curiosamente, a comunicação social em que se chegou à canalhice de identificar o percurso diário do juiz de instrução entre o seu local de trabalho e o snack onde habitualmente almoçava e até de apontar a dedo o escritório de advogado do pai daquele magistrado; que tão useira e vezeira foi em identificar nomes e imagens dos juízes que têm decidido de forma desfavorável aos arguidos – na revista “Visão”, em Setembro alguém chegou a dizer do Procurador que conduz a acusação, ser um recém-convertido ao judaísmo e muito religioso – curiosamente parece agora ignorar o nome dos juízes que aprovaram, com o seu voto maioritário, aquele acórdão.
Pois quem é que esta gente defende? E o quê?
Para o retrato de família lá vai mais uma que no meio de tanta algazarra passa despercebida.
Depois dos fogos de Verão o governo criou o cargo de secretário de estado das florestas.
João Soares é o seu titular e só sei que vem da direcção da Portucel.
Querem apostar que há aí umas espécies que os peritos dizem ser inócuas e de rápido crescimento que irão reflorestar uma boa parte dos quatrocentos mil hectares de área ardida?
Estejam atentos ao próximo triénio.
Hoje a aula continuaram os exercícios em torno da palavra menina e depois os alunos fizeram pequenos jogos de Matemática. São estes que constituem as três páginas de exercícios do livro respectivo que foram assinaladas para o trabalho de casa.
Não se admirem com a dimensão da tarefa doméstica.
Amanhã a Professora faltará, ao que não deve ser estranho a morte dos pais de uma das colegas mais chegadas nesta escola.
Atentados no Iraque assinalaram os seis meses da presença das tropas aliadas no país.
Só lamento que não nos sejam dadas a ver imagens da recuperação da normalidade nas principais cidades daquele país.
Hoje foi dia de supermercado e ginástica.
Céus, como esta família come.
Mas com isso já me sentei muito tarde para escrever e estou cansado. Têm sido dias de trabalho intenso.
Ah é claro e na TSF, o comentador de serviço, o incansável e incontornável comentador de serviço vem dizer que o Procurador-Geral da República fala de mais, certamente quando diz que há intromissão do poder político na justiça o que não é admissível e põe em causa o estado de direito.
Então Tony, o homem está a dizer alguma mentira?
Salvam-se estas noites de princípio de Outono que permanecem cálidas.
Alhos Vedros
09/10/2003
NOTAS
(1) Fernandes, José Manuel, O SISTEMA FUNCIONA, p. 5
(2) Dias Felner, Ricardo, JUIZ MORAIS ROCHA VOTOU VENCIDO
CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
Dias Felner, Ricardo, JUIZ ROCHA MORAIS VOTOU VENCIDO, In “Público”, 4949, de 09/10/2003
Fernandes, José Manuel, O SISTEMA FUNCIONA, In “Público”, nº. 4949, de 09/10/2003
CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
Dias Felner, Ricardo, JUIZ ROCHA MORAIS VOTOU VENCIDO, In “Público”, 4949, de 09/10/2003
Fernandes, José Manuel, O SISTEMA FUNCIONA, In “Público”, nº. 4949, de 09/10/2003
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