por Francisco Gomes Amorim
Catolicismo, de católico, do grego Katholikós, geral, universal. Até aqui todos sabemos.
Ser católico não necessita obedecer à hierarquia de Roma, nem tão pouco ser cristão.
Basta sentir e viver a universalidade do ser humano, de respeitar e tratar TODOS como irmãos, deixando que cada um faça as suas orações e ou meditações como, quando e a quem entender.
Sempre respeitando a liberdade de qualquer Outro, e sempre o considerando irmão.
E assim católico, recorrendo ao valor etimológico da palavra poderá ser qualquer um desde cristão a animista, judeu ou muçulmano, quando põe os valores universais acima dos seus.
Mas, desde os tempos atrás dos tempos, há uma pergunta que não cala, nem responde, perturba muito, até os que se dizem ateus ou mais dissimulados os agnósticos que preferem não pensar e simplesmente dizerem que “nada sabem”:
Deus será um Ser? Que Ser? Só uma Força? De onde vem essa Força?
Deus será bom? Será um Deus da guerra que só protege os hebreus? Será como Alá que o Profeta decidiu interpretar e à sombra do Qual se mata o, para eles, não crente? Crente em que? Em quem?
Ou será a filosofia chinesa e hindu, o Tudo e o Nada, para que cada homem se liberte e se encontre dentro de si mesmo?
Deus é SÓ a natureza, Tudo e Nada! Tudo e todos.
O que não é, quase de certeza, porque certezas neste campo não existem, é a imagem daquele velhinho, ar bondoso, barbas brancas, pendurado numa moldura, para onde se olha quando se lhe quer pedir algo!
Pedir? Rezar?
As perguntas avolumam-se. O que é rezar? Recitar palavras impressas e difundidas desde há milhares de anos por milhões de pessoas e que se repetem, muitas vezes por obrigação?
Pedir a Santo António que lhe encontre um par? É bonito ter fé, mas há preces que são autênticas vigarices, como por exemplo quando alguém quer “negociar” um favor divino e em muitos casos ainda lhe pedem para pagar por isso!
Rezar é falar para dentro de si mesmo, ou quando a Fé é muito grande, como uma velhota angolana que eu vi, há muitos anos, em Luanda, na Igreja da Nazaré, a discutir em voz alta com a imagem da Virgem, porque ela já ali tinha ido rezar uma porção de vezes, pedindo auxílio já não sei para que, mas a ajuda não acontecia. E a boa velhota discutia, em voz alta, com a Virgem como discutiria com qualquer outra pessoa. Maior fé é difícil, e não deixou de me impressionar. Gostaria de ter tamanha fé.
Em que?
Quando, em prece nos dirigimos ao “Senhor”, teremos consciência do que estamos a fazer, ou somente a pedir? Pedir que nos faça melhores pessoas para logo em seguida continuarmos a ser os mesmos, como é habitual fazer-se na passagem do ano quando se “juram promessas” de nos redimirmos?
Criar a ilusão de que não vamos mais nos interessar pelos dispensáveis “bens” terrestres, quando continuamos a querer um carro melhor ou mais um dinheirinho para compras de coisas que não nos fazem falta?
Ou para tentar imobilizar o nosso Ego, dedicar todo o nosso tempo disponível a “Não-Agir”, meditar e darmo-nos aos Outros?
Como pode alguém encontrar-se dentro de si mesmo, pelo Não-Agir? Para nos darmos aos outros temos que Agir! Daqui o Tudo e Nada, inseparáveis
Como pode alguém ausentar-se do mundo, para, com muito egoísmo, se dedicar à procura do Nirvana individual? Mais uma vez a sublimação do nosso Eu é derrotar o egoísmo.
Como pode ausentar-se e afastar-se daqueles que, cada dia mais, precisam de quem lhes dê a mão?
Não-agindo na matéria, derrotar o egoísmo e encontrar dentro de si a paz absoluta, só quando se entrega inteiramente aos que o rodeiam.
Jesus veio. Para servir e não para trazer dar proveitos e privilégios a quem quer que seja.
Veio e, em oposição à antiga lei onde o ser “bom” era não fazer aos outros o que não gostaria que lhe fizessem, deixou a Nova Lei, a Boa Nova: FAZ, age, ajuda o teu irmão, começa pelos mais necessitados, sê caritativo, o que não significa dar esmola e virar costas, mas DAR-SE sem exigir nada em troca.
A cabeça fica meia tonta com tanto pensar em todas estas coisas que no fundo se resumem a uma só: cuida do teu irmão! E do meio ambiente. Sem este, são, tudo estará perdido.
Para os que invejam, cobiçam e lutam pelas “preciosidades” vãs e terrenas, os Ego-istas, deviam ouvir mais vezes Carmina Burana, uma série de poemas medievais (sec. XI - XII) musicados magistralmente por Carl Orff. Além de ouvirem a música tentar assimilar bem a sua letra, sobretudo o poema de abertura e final:
Oh! Fortuna!
És como a lua, mutável, sempre aumentas ou diminuis;
A detestável vida, ora oprime e ora cura para brincar com a mente;
Miséria, poder, ela os funde como gelo.
Sorte imensa e vazia, tu, roda volúvel és má,
Vã é a felicidade sempre dissolúvel, nebulosa e velada também a mim contagias;
Agora por brincadeira o dorso nu entrego à tua perversidade.
A sorte na saúde e virtude agora me é contrária.
Dá e tira mantendo-me sempre escravizado;
Nesta hora, sem demora tange a corda vibrante; porque a sorte abate o forte, chorai todos comigo!
Eu lastimo pelas feridas da fortuna, choro as feridas infligidas pela fortuna com olhos lacrimejantes,
Pois seu tributo de mim cobra agressivamente;
Na verdade, está escrito que a cabeça coberta de cabelos
A maior parte das vezes revela-se, quando a ocasião se apresenta calva.
No trono da fortuna eu sentara, elevado, coroado com as flores multicoloridas da prosperidade;
Apesar de ter florescido feliz e abençoado, agora do alto eu caio privado de glória.
A roda da fortuna gira; eu desço, diminuído; outro é levado ao alto;
Lá no topo senta-se o rei no ápice? Que ele tema a ruína!
A roda da fortuna, no codex dos Carmina Burana.
Mas se procuram a Verdade, a humildade e a caridade podem cantar com alegria o Aleluia de Handel:
O reino deste mundo já passou a ser de nosso Senhor, do Cristo.
Ele Reinará para sempre;
Rei dos Reis (Para sempre e sempre, aleluia, aleluia)
E grande Senhor (Para sempre e sempre)
Aleluia, Aleluia
12/10/2016
http://fgamorim.blogspot.pt/