terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Uma sonda espacial norte-americana, dentro de algumas horas, cruzar-se-á com a cauda de um cometa, onde recolherá partículas que fará regressar à Terra por volta da Primavera de dois mil e seis.
Segundo os cientistas envolvidos, estes elementos possibilitarão o estabelecimento de novos dados que, eventualmente, trarão novos acréscimos para a compreensão da origem do sistema solar. 

É a Humanidade no seu melhor. 

E se da parte da sonda europeia que na passada semana atingiu a superfície marciana tudo parece ter sido em vão, amanhã será a vez de uma outra, desta vez norte-americana, tentar a sua sorte para dali enviar novas informações sobre aquele nosso vizinho. 

Oxalá tudo corra pelo melhor. 


O espaço é o prolongamento natural da nossa casa comum que é a Terra e, como tal, também ele é lugar de comunhão, sobre o qual os humanos deveriam pactuar em manter livre de armas e apenas sujeito às experiências exploratórias que interessem ao entendimento do Universo e de como a nossa espécie em ele se possa expandir e propagar, em busca da eternidade. 

Paralelamente a fenómenos como o holocausto nuclear ou a tomada de consciência a respeito do funcionamento do sistema atmosférico e da forma como certos problemas transcendem os possíveis impactos locais, o espaço cósmico é outra das realidades que nos leva a pensar no planeta como um todo e, portanto, na Humanidade como um conjunto de seres, até agora, confinados ao mesmo habitat. 
Na verdade, visto do exterior, o nosso planeta apresenta-se como um pequeno corpo envolvido numa bolha gasosa. Não se divisam as barreiras que os homens estabeleceram entre si. Sabe-se, isso sim que ali habitam seres vivos e que em face da imensidão fria e inóspita que nos separa das outras estrelas, é aquele um berlinde lindo e acolhedor que não podemos estragar, sob pena de nos perdermos para todo o sempre. 

A nossa naturalidade é a Terra e a nossa cidadania é planetária. 
A qualquer indivíduo devem ser reconhecidos os mesmos direitos dos nacionais seja qual for o país em que se encontre. 
É com base no desenvolvimento desta ideia que deveremos abordar problemas como, por exemplo, a imigração. 



Ora também a Matilde parece ter tido sorte com a Professora. 
Senhora experiente e sabedora dos segredos profissionais, tem conseguido transmitir os conhecimentos sem que a necessidade de disciplina para que tal aconteça tenha produzido o afastamento dos miúdos quanto à vontade de aprender. Pelo que observo com a minha querida filha e ainda pelo que ela me vai dizendo sobre o que acontece na sala de aula, é suficientemente firme para não permitir abusos mas, simultaneamente, tem a presença de espírito para conseguir cativar as crianças quer pela justeza dos julgamentos, quer ainda pelo carinho do acompanhamento que se revela no modo como os trata, bem como em pequenos gestos do género de os ter acompanhado ao parque infantil no dia do magusto; e a exigência que lhes faz quanto à limpeza do respectivo lugar, para além da sensatez, tem o condão de melhor distinguir o mérito que se tem que ter para ganhar a autorização de saída para o segundo intervalo. 
Não fosse isto importante, tudo indica que explica bem os assuntos e sabe dosear as solicitações de trabalhos caseiros de forma que, sem sobre-esforço algum, os alunos possam completar ou exercitar as matérias dadas. 
Como é efectiva na escola, é de esperar que acompanhe esta turma até à quarta classe o que, avaliando por aquilo que sucedeu com a Margarida, dá aos pais a segurança de poder contar com um trabalho continuado com os bons resultados que, normalmente, isso acarreta. 
Até ao momento, o balanço não poderia ser melhor. 



E o Sol destes dias que aqueceu o ar e o chão que logo fez colorir de alegria. 
Esta manhã, no caminho para a aula de natação, o pai e as filhas foram comentando o quanto os campos estão bonitos. 


E o resto que nos separou do almoço fez-se de Amartya Sen de cujo livro registo agora uma nota que tirei há já alguns dias. 
Tomem a devida atenção. 
“(…) A democracia não funciona como um remédio automático para as maleitas, como o quinino para a malária. As oportunidades que abre têm que ser agarradas a fim de se obter o fim desejado. E isso é, evidentemente, obra das liberdades em geral – muito depende de como as liberdades são efectivamente exercidas.” (1) 



Esta tarde, enquanto a mãe e as filhas foram passear de bicicleta, acabando com um lanche em casa dos avós, eu fiquei em casa a arrumar o escritório que, depois da fadiga consumada, já não parece o mesmo. 

Mas devo reconhecer que gosto mais assim. A verdade é que já estava a ficar atulhado em pilhas de livros e papeis sobre a secretária. 


Seja como for, salvou-se a música e eu dei comigo a manter uma opinião de miúdo. O “Close to the Edge”, dos Yes, é a obra-prima daquilo que ficou conhecido por rock sinfónico. 


Alhos Vedros 
  03/01/2004 


NOTA 

(1) Sen, Amartya, O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE, p. 168 


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 

Sen, Amartya, O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE, Prefácio do Autor, Tradução de Joaquim Coelho Rosa, Gradiva (1ª. Edição), Lisboa, 2003

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