quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Manuel (D'Angola) de Sousa: Um Poema


“Na Ponta De Um Pincel Feito De Silábicas Palavras E De Fonéticas Existências”

Partilho tudo com a Humanidade e até a Alma
Ao primeiro sopro Divino levanto do pó e do barro
A primeira coisa que faço é ir à fonte Cósmica beber água

Personalizo-me no interior da matéria rígida
Formato a personalidade identificativa e assumo
Alguém me baptiza à força e chama-me nomes à parte

Ainda grito e choro pela primeira vez reclamando
Chamo pelos três Anjos da Criação sem me lembrar deles
Esqueço como se chamam e no que acabaram por me transformar

Sinto-me como que um menino do coro e do Paraíso
Alimentam-me de papas de trigo e cevada de bibe enfiado
Sou mimado por todos e ainda pela Babá e pelo Jardim de Infância

Há quem me trate por bebé do princípio ao fim
Vivo com o pêso das sucessivas fraldas e suas memórias
Convencem-me um dia a sentar no penico das necessidades

Jogo ao berlinde pela primeira vez num campo
Deixo de suportar o cheiro da cebola e do leite de vaca
Dou meus primeiros passos e fonetizo as primeiras silabas

Percorro a calçada decorada aos saltos e ao pé-coxinho
Marco passo a disparar setas num longo arco em marcha lenta
Não me recordo mais onde está a meta ou o objectivo traçado a pincel…

Reencarno em mil e um corpos astrais pelo Universo e ando nas calmas pela Existência…

Escrito por Manuel (D’Angola) de Sousa, em Luanda, Angola, a 25 de Setembro de 2019, em Homenagem a todos os Seres que Pronunciaram o Verbo e o Sentido Fonético do Aventureiro Desejo Divino, ao longo de toda a Existência e de Suas Omnipresença e Omnisciente Manifestação ao longo de todo o Universo Cósmico, desde os mais recônditos e infinitos quadrantes aos mais próximos, e tanto aos níveis imaginário e abstracto, como nos âmbito real e concreto da Realidade e em todos os seus planos invisíveis e visíveis…

terça-feira, 29 de outubro de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Passeio pelo Rio velho, a Rua Saara e os camelôs das imediações. 
É ali que o povo se agita em compras e vendas de pobre e que o raro estrangeiro que por lá se atreve tem a sensação de que pode ser roubado a qualquer instante. 
Contudo, é uma moldura humana de primeira grandeza, os tons da pele que circulam do mais preto ao mais alvo e tenho para mim que não se entende a cidade se não se vir o esforço que a miséria faz para sobreviver. 


Mal deu para nos deleitarmos na Igreja da Candelária, onde decorria uma missa para formandos de medicina. 
Em contrapartida, a sede do Banco do Brasil adaptou um centro de cultura no primeiro piso de um edifício redondo, de cujo pátio central vemos as nuvens através de uma claraboia com funções de cúpula; gostei especialmente de uma grande exposição de pinturas e esculturas de artistas que eram jovens em início de obra nos primeiros anos da década de oitenta, quando o sonho democrático empolgou a sua geração. 

Ontem visitámos o forte, um aquartelamento do exército que tem uma excelente panorâmica sobre Copacabana e a entrada da baía de Guanabara e onde vimos o museu histórico daquele ramo das forças armadas brasileiras. 


À saída deparámo-nos com uma coluna militar motorizada e pronta a entrar em acção. 

Tenho pena de não ter comprado os jornais desta manhã, pois parece que a tropa entrou numa favela à procura de armas roubadas precisamente daquele regimento. 


Antes estivemos no Museu da H. Stern, uma empresa especializada na produção e comércio de joias, desde o primeiro momento da extracção mineira à execução final das peças, passando pela lapidação e tratamento das pedras preciosas ou o designe e a elaboração das preciosidades, fase que tivemos ensejo de presenciar através do percurso da mostra museográfica, devidamente acompanhada por uma gravação em que nos explicam as diversas operações que vamos vendo. 


Fiquei a saber que no Brasil existe a única mina de topázio imperial que existe no mundo. 


A transparência das águas marinhas azula a luz que a atravessa. 



A Margarida simpatizou particularmente com a prima Daniela, com quem muito gosta de conversar sabe-se lá sobre o quê. 
Sei no entanto que faz muitas perguntas, aparentemente sem temática definida, a respeito de tudo um pouco. 

Nos passeios aproxima-se dos mais velhos e entra nas conversas como se fosse uma pessoa adulta. 


As minhas filhas deixam-me cheio de orgulho. 

 Rio de Janeiro

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

REAL... IRREAL... SURREAL...(369)


Francis Bacon
"Estudo segundo o retrato do Papa Inocêncio X de Velázquez", 1953
Óleo sobre tela, 153 x 118 cm

Bacon nasceu em Dublin, a 28 de Outubro de 1909, de um pai australiano e mãe inglesa. Morreu a 28 de Abril de 1992, em Madrid.
Seu pai, Viande Bacon, foi um veterano da Segunda Guerra dos Bôeres e se tornou um treinador de corrida de cavalos. Sua mãe Winnie, herdeira de um negócio de aço e de uma mina de carvão, era notável pela sua natureza saliente, gregária, um total contraste em relação ao seu marido. Francis foi cuidado pela enfermeira da família, Jessie Lightfoot. Criança asmática e com muitas alergias a cães e cavalos, Bacon muitas vezes teve que tomar morfina para aliviar seus sofrimentos durante os ataques. A sua família mudou muitas vezes de casa, e durante esse período mudou-se entre a Irlanda e a Inglaterra, levando a um sentimento de displicência que permaneceu com o artista durante toda a sua vida. Em 1911 a família morou em Cannycourt House, próximo a Kilcullen, no Condado de Kildare, mas posteriormente mudou-se para Westbourne Terrace, em Londres, próximo a onde Eddi Bacon trabalhou Exército Territorial.

A sua primeira exposição individual na Lefevre Gallery, em 1945, provocou um choque e não foi bem recebida. Toda a gente estava farta de guerra e de horrores, só se falava da "construção da paz" e as imagens de entranhas dos quadros de Bacon, com os seus tons sanguíneos, provocaram mais repulsa do que admiração.

Como homem do seu tempo, Bacon transmitiu a ideia de que o ser humano, ao conquistar e fazer uso da sua própria liberdade, também liberta a besta que existe dentro de si. Pouca diferença faz dos animais irracionais, tanto na vida - ao levar a cabo as funções essenciais da existência como o sexo ou a defecação - como na solidão da morte; representando o homem como um pedaço de carne.

A sua obra esteve em exposição, em Serralves, na cidade do Porto, Portugal, em 2003.

in Wikipedia

Selecção de António Tapadinhas

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Plena Gratitude



"Flor do Lácio", pintura de capa, da genial pintora brasileira, mineira, Kity Amaral.


aos meus alunos

Mais dia, menos dia, faz 32 anos de Professor. Anos e anos de estudo: licenciatura em Antropologia, mestrado em Educação e Desenvolvimento, doutoramento em Filosofia da Educação (2015).

Nos agradecimentos da tese de doutoramento, diz-se assim: "A todos os meus alunos, que ao longo dos anos tiveram muito que aturar, mas também de aprender, ainda que pouco, porque sempre estiveram presentes em cada uma das palavras que ergue este estudo. Todos eles sempre trago comigo."

Enfim, as coisas são o que são.


aos meus amigos

a tese de doutoramento tem um agradecimento especial aos amigos. Depois dos seis anos de curso e das mais de 300 páginas em que ficou o livro, onde se faz um resumo possível das ideias do Professor Agostinho da Silva, figura maior da cultura portuguesa, lusófona, universal, entre outros certamente, deixo-vos o vosso poema em forma de retribuição, que inicia a tese e, de alguma forma, a sintetiza, porque sem a vossa amizade o estudo jamais seria possível. Diz assim:

Se eu chegasse a ser dum Outro
mas de mim não me perdendo
e esse Outro todos os outros
que comigo estão vivendo

não só homens mas também
os animais e as plantas
e os minerais ou os ares
e as estrelas tais e tantas

terei decerto cumprido
meu destino e com que sorte
para gozar de uma vida
já ressurecta da morte.

Agostinho da Silva, uns poemas de agostinho. Lisboa: ulmeiro, 1990, p.106 (2ª ed.)


aos meus professores

já que aconteceu fazer-se referência ao doutoramento, mesmo sabendo daquela "mosca sem valor...", de António Aleixo, não podia deixar de, reconhecidamente, os relembrar:

. Conceição Miranda, a "santinha", pré-primária, porque ao que consta nenhuma criança faleceu às suas mãos
. Palmira Santos, em Niza, aldeia do Espírito Santo
. Aura Maria Rodrigues, educação não formal, reconhecidamente aureolada

. Vasco Soares, engenharia mecânica dos tempos livres
. José Batista, biologia da arte de ser professor
. Eduardo Espírito Santo, professor de meditação

. João Paulo, professor de história, liceu da Moita
. Raul Iturra, chileno, exilado político, antropologia
. Joaquim Coelho Rosa, dada a sua mestria em filosofia

. Agostinho da Silva, professor de todas as letras e dos espaços vazios entre as palavras
. Maria Violante Vieira, presidente da unicef em Portugal que, sem ensinar nada, ensinava tudo
. Paulo Borges, na luz da mística cristã e budismo.


terça-feira, 22 de outubro de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Visita ao Zoo com regresso pelo CEASA e a rota do centro que atravessa a favela da Madalena. Para lá rodeámos a Mangueira, onde se destaca o cor-de-rosa e o verde da sua escola de samba.



Tarde de repouso com jantar em casa do meu cunhado, uma vez que ontem, todos nós, mais a Daniela que esta manhã nos acompanhou, nos decidimos pela picanha de um restaurante do Down Town, um shopping nas imediações da casa do Luís.



Para a ganilha foi bom.

A Marga esteve a ver um filme do Harry Potter e a Matoldas e o Daniel fartaram-se de brincar.



Dia de jornais brasileiros, onde se destaca a vitória do Brasil sobre a Argentina, na final da copa americana das nações, em futebol.


Mas também há novas sobre o aumento do investimento e a descida do desemprego.

Ainda que no “Globo” o partido do Presidente esteja debaixo de fogo.


O orçamento federal comporta uma verba de dezasseis milhões de reais para a educação o que se não é comparável com os cento e oitenta milhões para a defesa, pode muito bem ser confrontada com a opção de trinta milhões para o desporto, ou os oitenta e sete para o que se possa entender como desenvolvimento social, facto esse que nos deixa sem saber se a formação da população integrará ou não. (1) 

É assim no país do favelado e, não por acaso, os gastos com pessoal absorvem importantes maquias que necessariamente são desviadas do investimento público tão imperioso, justamente, na educação. (2) 



Infelizmente, a esta distância de um oceano, temo que seja para este mundo que o meu país está a caminhar. 

Como é que aqui, no Brasil, se chegou a esta situação? 
Nem sempre o tecido social brasileiro esteve tão marcado pela corrupção e a criminalidade. A miséria sempre existiu; endémica com o fim da escravatura que muito explica das incapacidades posteriores das descendências geradas, exponenciou-se, especialmente nas grandes cidades, pelo normal crescimento demográfico que o êxodo rural aí provocou e uma maior taxa de natalidade de muitos desses estratos contribuiu para reforçar. Mas ainda assim, de uma ou outra maneira, foram existindo poderes capazes de controlar o aumento e a sofisticação do crime, particularmente na vertente organizada, mas também no que diz respeito à pequena criminalidade que espontânea e aleatoriamente vai catando a cidade. 
Pois nos últimos trinta anos assistiu-se à multiplicação dos crimes e se isso de deveu em primeiríssimo lugar à dinâmica própria da delinquência, por si, igualmente encontrou causas tanto no hábito continuado das práticas corruptas entre os cidadãos e organizações de todo o tipo e o estado, como nas consequências que isso teve em termos de obstruir a justiça e desacreditá-la junto das pessoas comuns. 

Ora é precisamente aqui que nos começamos a aproximar do caso deste estado continental e federalista; não tenho dúvidas que as palhaçadas que vêm caracterizando os casos do apito dourado ou da pedofilia deixarão marcas e terão consequências práticas que irão no sentido de estiolar o estado de direito, se é que para o mesmo, entre nós, ainda não tocaram os sinos a rebate. 
Da corrupção temos tudo dito, não é assim? 


E haverá fuga à miséria sem liberdade ou, por outras palavras, haverá liberdade sem estado de direito? Terá aquele condições para ser real e eficaz sem que aquela seja um dado adquirido? 


Pelo que as espoleta, são estas dúvidas inquietantes.

Rio de Janeiro


NOTAS 

(1) Oliveira, Eliane e Alvarez, Regina, A DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS, p. 15 
(2) Idem, GASTOS COM PESSOAL BLOQUEIAM INVESTIMENTOS 


CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS 

Oliveira, Eliane e Alvarez, Regina, A DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS, In “Globo”, nº. 25922, de 27/0/2004; GASTOS COM PESSOAL BLOQUEIAM INVESTIMENTOS, In “Globo”, nº. 25922, de 27/07/2004

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

GRAFFITAR A LITERATURA (XX)


             
             Foto de Luís Souta, 2015                                            Foto de Luís Souta, 2019
Rua Afonso Sanches, nº60, Cascais
                     
                                                                                                                                       
«– Atenção, meninos, vames fazere o ditade. Quem fazer erres, é castigade.
E não se esqueçam, ditade com “ó” no fim.»
(“Falares Ilhéus” in Arsénio e Rendas Velhas, Ricardo França Jardim, 1996: 24)

Este graffiti não assinado, do Muraliza 2015 – Festival de Arte Mural de Cascais, remete-nos, de imediato, para os caminhos do abc e o ensino das primeiras letras (do título da tese de doutoramento, de 1994, do querido e saudoso amigo Rogério Fernandes). A ineficácia das aprendizagens escolares agrava-se sempre que há mudanças linguísticas introduzidas pelos acordos ortográficos.
Recordo aqui um texto de 1971 “Um Instrumento Maravilhoso Atravessava a Cidade…” incluído num livro de «histórias e invenções» (segundo a categorização do próprio autor, José Gomes Ferreira1900-1985) – O Irreal Quotidiano: 
«Parece impossível!» – descompuseram-me. – «Escreveres vaca só com um «c». Assim nunca serás alguém na vida!» E a senhora professora, vexada por eu ter apanhado um suficiente (a classificação predilecta do meu cadastro estudantil pela existência fora), mandou-me escrever, por castigo, cinquenta vezes a palavra vacca com dois «cc»… Uma manada que nunca mais acabava de pastar na lentidão da planície sonolenta do caderno…
Por felicidade, decorridos dois ou três anos, proclamou-se a República e eu vinguei-me. Vim para a rua com o coração sangrento de bandeiras alegres (foi o dia mais feliz da minha infância!) e, enquanto os carbonários guardavam os bancos (só com um «c») eu, com o tempestuoso furor dos iconoclastas de coisas mínimas, destruía todas as letras dobradas que encontrava nos livros (vivam os erros de ortografia!), os «cc», os «tt» e, por fim, os «ph ph» e os «th th» sem falar nos «yyy», da minha especial embirração, por andarem a fingir de perfurantes e profundos.» (p. 14)

Um outro livro, de «crónica, romance, memorial e testamento», nas palavras do seu autor (Miguel Torga, 1907-1995) – A Criação do Mundo - o Primeiro Dia, publicado em 1937 (e refundido na 4ª edição de 1969), remete-nos também para esse universo da escola primária, e das (difíceis) aprendizagens da escrita e do ‘ruído’ que as novas ortografias acarretam:
«– Papel de trinta e cinco linhas. Ditado!
A esta palavra, a sala ficava silenciosa. (…)
O mestre, encostado à secretária, o livro na mão esquerda, a cana da Índia na direita, continuava:
– O calor, vírgula; a luz, vírgula; o som, vírgula; são agentes físicos. Ponto. Fí-si-cos... Já se não usa o ph, como lhes tenho ensinado. Há ainda certos autores que o empregam, mas só por caturrice…» (p. 15)

O terceiro livro – Alma (1995) de Manuel Alegre – fala-nos de um professor primário empenhado na defesa a todo o custo (nem que para isso tenha que recorrer a uma ‘pedagogia musculada’) do património linguístico:
«Ninguém ensinava gramática como Lencastre. (…)
Tinha com a língua portuguesa uma relação, por assim dizer, carnal. Ou religiosa. Ou ambas. Sentia que a missão da sua vida era defender a língua, ensinar a falá-la com as sílabas todas, obrigar a escrevê-la sem erros, o predicado a concordar com o sujeito. Ai de quem, na leitura, comesse a última sílaba, ou de quem, na cópia, borrasse a escrita. Lencastre podia ficar completamente alterado por causa de uma sílaba engolida, uma vírgula mal posta, um erro de ortografia, um verbo mal conjugado.» (p. 78)

Estes três extractos ilustram bem a realidade educativa do país, no século XX, no que respeita ao ensino da língua materna (em particular na vertente da correcção ortográfica).

E hoje? Não é nada fácil ser-se professor de Português quando o AO90 lançou a confusão no que parecia ser consensual – ‘como escrever sem erros’. Infelizmente, «o caos ortográfico está instalado» (Mª Filomena Molder, Público, 4/5/15, p. 47). Qualquer docente (e muito em especial o de Português) vive, presentemente, num dilema profissional: aceitar as directivas da tutela (reforçadas no seguidismo acrítico dos sindicatos) que obrigam a aplicar as directivas desse ‘acordo’ ou seguir o que estipulava (e bem) o relatório académico que antecedeu o acordo de 1945 (e que Nuno Pacheco, jornalista do Público, nos relembra no seu artigo de 11/3/16, p. 54): «Não se consentem grafias duplas ou facultativas. Cada palavra da língua portuguesa terá uma grafia única.»

O resultado desta deriva, na sociedade e na escola, está aí e é por demais evidente: o AO90 «desfigurou a fisionomia do Português (…) e o resultado é que não se fica a escrever nem em Português nem na ortografia imposta, escreve-se em língua que não existe, não é a da lei, nem a usual!» (Mª Alzira Seixo, Público, 25/2/14). Entretanto, o jornalista Nuno Pacheco acabou de publicar um livro imperdível: Acordo Ortográfico – Um Beco com Saída (Gradiva, 2019).
Até a língua hoje nos desune!

Post Scriptum
Da EDP (controlada pela China Three Gorges e dirigida, há anos, pelo CEO António Mexia) todos conhecemos desmandos, prepotências e arbitrariedades. É uma ‘toda poderosa’ que esbulha os clientes e fala grosso com os governantes, mansos e submissos (perante o Capital) e que olvidam o mandato democrático de que foram investidos – baterem-se pelo «bem comum».
Este caso, que aqui reporto, é uma minudência, sem dúvida, mas denota a arrogância do quero-posso-e-mando da EDP. No âmbito do Muraliza 2015, João Samina brindou-nos com um mural, numa vivenda degradada, no cruzamento da Travessa do Visconde da Luz com a Rua Affonso Sanches (assim mesmo, com letra dobrada, como ainda ver na antiga placa toponímica); no nº 60 desta rua, no muro da frente, desenharam uma criança (poderia ser o neto do velho pescador do stencil de Samina) segurando um cartaz onde se lê «Educassão é icenssial». Tal frase serviu-me então de mote ao texto, publicado no Estudo Geral de 23/04/2016, sobre as tropelias ortográficas cometidas pelos alunos da primária do século XX, ilustradas em obras de José Gomes Ferreira, Miguel Torga e Manuel Alegre.
Pois naquela longa rua, a EDP foi colocar a caixa de electricidade mesmo em frente do graffiti (ficou a cabeça do miúdo para testemunhar o atentado de que foi alvo). Esta atitude dos serviços técnicos da EDP revela o desdém pela arte de rua, pois actua como se o espaço público fosse pertença sua, regendo-se pelos seus critérios, onde os estéticos estão, naturalmente, omissos.
Num tempo em que se vulgarizou a figura do provedor (e há-os para quase tudo), talvez a Câmara Municipal devesse criar o lugar de «provedor da street art».

Luís Souta

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Uma Biblioteca em Construção


Mais 10 livros sugeridos por Cristiana Penna de Amaral












terça-feira, 15 de outubro de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O Rio é uma cidade sitiada pela criminalidade.
A noite de uma avenida marginal tão bonita e acolhedora como a da Barra é tão árida de movimento humano.

São as ondas que se fazem ouvir em sobreposição ao escasso tráfego junto das calçadas onde as madrugadas são o império das meninas do sexo por uma mão cheia de reais.



Dia de passeio pela cidade.
Automóvel veloz, pelas avenidas e corredores de transito rápido que o temor é muito, ainda que o carioca viva e faça por viver o que de mais próximo pode haver da normalidade.

Batemos os pontos de maior interesse turístico e dos quais se pode obter uma boa vista da metrópole. Subimos ao Corcovado e depois ao Pão de Açúcar. Na descida do Cristo Redentor, também passámos pela vista chinesa, se bem que, por prevenção, sem grandes demoras.

É a primeira vez que o Quim visita o Rio de Janeiro e assim pode apreciar a dimensão da malha urbana e a panorâmica de enquadramento geográfico ímpar, com a baía de Guanabara e as colinas e as montanha que, de longe, a circundam.

O Rio é um casario plantado nos vales de um salpicado de cumes mais ou menos envilecidos e recortados, aqui e ali cónicos, a que a neblina, misturada com a poluição atmosférica, faz o destaque dos pontos mais altos na direcção dos céus.

E se as vistas do Redentor são mais espectaculares, as do Pão de Açúcar são mais bonitas nos pormenores que apresentam no encontro espumoso entre o mar e a terra, ora sobre as rochas escuras e cruas das vertentes que nas águas têm o vale, ora sobre as línguas de areia que o oceano depositou nas reentrâncias que a ponta da Urca faz ao entrar no Atlântico.



Os miúdos sentem a falta das brincadeiras que os acalmam e fazem crescer. Especialmente para a Matilde e o Daniel, é visivelmente penoso o pouco espaço para tais devaneios.

No entanto, não temos como agir de modo diverso e tenho para mim que estas experiências acabarão sempre por lhes enriquecer a educação.



A Newma tem sido incansável para nos receber bem.

Melhor é impossível.

E o mesmo para o Luís, se bem que no seu caso não possa deixar de estar presente no trabalho.


O meu cunhado mudou de vida a meio da vida.

Divorciou-se da Rosana, a sua primeira mulher e mãe de dois dos seus filhos e decidiu redimensionar a empresa e ficar apenas com os serviços de uns quantos clientes em termos de produtos vegetais frescos. Abandonou os liofilizados e as marcas e os negócios em larga escala, para ficar com uma unidade mais pequena no entanto mais flexível e, por conseguinte, mais previsível em termos de durabilidade.
Continua a morar na Barra mas casou pela segunda vez com uma jovem baiana, licenciada em direito, com quem se cruzou por mão de um primo e que um dia aterrou no Rio para estudar na Universidade onde, depois do curso, continuou a trabalhar.
Aos quarenta e seis anos de idade, pai de uma rapariga com vinte e quatro anos que está a entrar no mercado de trabalho e de outra com vinte e três que estuda enfermagem e ainda de um rapaz com vinte e um que estuda biologia e se prepara para uma carreira universitária no âmbito da investigação, o Luís vive agora uma nova paixão, quiçá o regresso a uma juventude impetuosa no âmbito dos amores. Mas a verdade é que é manifesto todo o carinho que lhes sai dos dedos e dos olhares.



É permanente o fervilhar dos rolos brancos que, depois de uma correria, se dispersam na areia iluminada pelo alinhamento de lâmpadas amarelas e prateadas.

Aqui, a Lua não é mentirosa.


 Rio de Janeiro

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

terça-feira, 8 de outubro de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Búzios é uma península recortada por enseadas que o tempo e os agentes erosivos encheram de praias, dentro e fora das baías que, se se estreitam em entradas de garganta, fazem ouvir o constante rugir do mar bravo açoitando as rochas, de onde trazem a areia cor-de-rosa que mescla algumas das línguas de areias delicadas. 

Há quarenta anos atrás ainda tudo era o mato rasteiro que faz o cabelo dos dedos das falésias até praticamente onde chega a ressaca, em diversos sítios, ficando-se pela linha de queda em pontos de promontório. 
E no céu o volar dos urubus que planam por distâncias incríveis sem baterem as asas que as gaivotas, essas, com frequência se atiram sobre as águas calmas que lhes servem o alimento. Como sempre assim foi desde há muitos e muitos milhares de anos.
Só os magotes das casas térreas e com rés-do-chão de cimento dos pescadores sobressaíam frente aos areais de mansos marejares em que aportavam as suas embarcações. 

Agora a exploração turística tomou conta do local e embora a cidadezinha tenha adquirido vida própria, há uma população flutuante que muito se avoluma nos períodos de férias e veraneais, na proporção da miríade de pousadas e hotéis que pululam na paisagem dos morros à beira-mar. 

Felizmente existe um bom enquadramento entre as construções e o mato que as encobre e em que aquelas se incrustam. 
Com isso ganha a beleza natural dos lugares que, na maioria das situações, até ficam ornamentados pela humanização. 



Os miúdos estão encantados com as praias; apesar das águas andarem esquecidas das temperaturas próprias dos trópicos, tanto as minhas filhas como o primo Daniel não se fizeram rogados e, enquanto a parentela óciou pelos areais, lá eles se deram à imitação dos patinhos e assim usufruíram à sua maneira dos encantos da beira-mar. De resto, os meus amores vão apreciando o que vão vendo. A Matilde aprendeu a identificar o quartzo e recolheu algumas amostras comigo. 


Os fusos horários é que são um problema, para todos nós, é claro, mas para eles, ainda mais difícil de controlar. Sem embargo, a Margarida e a Matilde estão a sair-se bem e, pese embora o cansaço acompanharam-nos bem tanto nas caminhadas pelo mato e as praias, como nos passeios noctívagos pelas ruas apinhadas de gente e, no centro da cidade, transformadas em grande centro comercial. 


E o pardalito, com o seu humor que já marca presença entre os adultos. 



Mas a guerra civil brasileira continua. 
Nas imediações da Cidade de Deus, uma favela brava, como aqui se diz, a polícia militar com metralhadores e um carro blindado, tal e qual os usados na Faixa de Gaza ou no Ulster, esperando, em patrulha, qualquer coisa que faça as balas tomarem a voz de comando dos acontecimentos. 


O grande problema no Brasil é a miséria que de tão atroz e prenhe de ignorância, alimenta a raiva que se traduz em roubo e delinquência em vez de ser canalizada para lutas sociais a objectivar a melhoria da qualidade de vida dos pobres e desprotegidos. 
Ora assim criam-se as condições para que se instale a tirania dos narco-traficantes que dominam e ditam as leis em muitas favelas onde as forças da ordem não entram e o braço dos juízes não chega. Ao mesmo tempo que o voto obrigatório faz com que os políticos populistas estejam como peixes na água e possam apoderar-se dos benefícios do poder de estado em proveito próprio, sem se preocuparem e tantas vezes tomando parte na corrupção que mina o tecido social do país em praticamente todos os escalões e domínios. Aliás, tenho para mim que aqueles garantem a permanência no contexto de tamanha ilegalidade e ausência de valores e por isso ninguém, nem mesmo a equipa ou os apoiantes do Presidente Lula da Silva, ex-operário de São Paulo, ninguém mostrou ou dá mostras de se empenhar a sério na elaboração de um sistema de ensino eficaz e realizador que se estendesse à maioria da população jovem, com particular atenção aos núcleos mais desfavorecidos e carenciados. Chegámos ao ponto de advogados comprarem processos aos clientes que por uma tuta e meia cedem os seus direitos indemnizatórios face às morosidades que logo se resolvem em conluio com magistrados, dessa forma metendo ao bolso as gordas maquias que seria justo os lesados receberem. 



A jornada para Búzios teve aventura pelo meio. 

Como a Newma se enganou na via rápida e teve que voltar para trás, acabando por fazer o retorno pelo interior de São Gonçalo, uma daquelas cidades faveladas onde moram os operários e os demais trabalhadores manuais, ruas escuras e esburacadas, quando não em terra batida, marginadas por casas de tijolo à vista e coberturas em forma de terraços. 
Enquanto isso, eu e o Luís esperámos, primeiro em descampado sem luz à beira da estrada e depois no parque de uma área de serviço; mas sempre à mercê de um mau acaso. 



Conhecemos o Carlo e a Fernanda, ela, amiga da segunda mulher do meu cunhado. 

Ele é gestor numa multinacional italiana na área das telecomunicações. É natural de Milão e, há uma mão cheia de anos, conheceu-a quando pela primeira vez veio ao Rio de Janeiro em serviço. 

Pelo que aparentam, continuam apaixonados. 

Sujeito interessante que tem uma visão do mundo assente em padrões e critérios de justiça social. 
Pessoa viajada e culta que teve a grande experiência de atravessar o Atlântico em veleiro, com escala nos Açores cujas ilhas o encantaram, desde as Ilhas Virgens ao porto de Alméria, em Espanha. 



A noite está fresca e só eu resisto acordado para estas páginas. 
Há o barulho de um espectáculo próprio de um lugar em festa. 
Decorre o sétimo festival de jazz da cidade. Uma banda de que não fixei o nome, deu um show muitíssimo agradável na praça principal. 


 Búzios

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

REAL... IRREAL... SURREAL... (368)

Jean-Paul Riopelle, 1973, Chemin d'hiver

Óleo sobre Tela, 91,5 x 60 cm



Jean-Paul Riopelle nasceu em Montreal a 7 de Outubro de 1923 e faleceu a 12 de Março de 2002.
Estudou com Paul-Émile Borduas em 1940 e foi membro do movimento Les Automatistes. Foi um dos signatários do manifesto Refus Global. Em 1949 muda-se para Paris onde continuou sua carreira como artista, lá vendeu uma imagem de "selvagem canadense". Em 1959 começou um relacionamento com a pintora estadunidense Joan Mitchell. Eles mantinham casas e estúdios separados perto de Giverny, onde Monet viveu. O casal era influenciado mutuamente, tanto intelecto como artisticamente, mas sua relação era tumultuosa, alimentada pelo álcool. O relacionamento terminou em 1979. Sua pintura de 1992, Hommage à Rosa Luxemburg, é um tributo de Riopelle para Mitchell, que morreu naquele ano, e é considerada como um ponto alto de sua obra posterior.

O estilo de Riopelle mudou gradualmente do Surrealismo para o Expressionismo abstrato, o qual usava uma miríade de cubos de cores suaves, aplicada à superfícies planas com uma espátula, em grandes telas para criar atmosferas com grande impacto visual.

Em 1969 foi condecorado Companion da Ordem do Canadá. Foi reconhecido pela UNESCO por seu trabalho. Uma de suas maiores obras foi originalmente planejada para o aeroporto de Toronto, mas agora encontra-se na Opéra Bastille em Paris. Em 1988 foi nomeado Officer da Ordem Nacional de Quebec e, em 1994, foi promovido a Grand Officer. Em 2000 Riopelle foi introduzido na Calçada da Fama do Canadá.

Em junho de 2006, o Montreal Museum of Fine Arts organizou uma exposição retrospectiva que foi apresentada no Museu Hermitage em São Petersburgo, Rússia e no Musée Cantini em Marselha, França. O Montreal Museum of Fine Arts tem uma série de suas obras, abrangendo toda a sua carreira, em sua coleção permanente.

in Wikipedia

Selecção de António Tapadinhas


quinta-feira, 3 de outubro de 2019

REGISTO DE MEMÓRIAS



No passado dia 29 de setembro, domingo, o padre Carlos Alves, proferiu a sua última missa como Pároco de Alhos Vedros.
Com a Igreja Matriz repleta de gente, e na presença do bispo de Setúbal e de vários sacerdotes, o padre Carlos fez uma intervenção no final da missa, fazendo uma referência aos momentos vividos ao longo de cinquenta anos aqui na Paróquia de Alhos Vedros. De forma simples e humilde, agradeceu manifestando o orgulho pela obra social que aqui foi construindo. 
Nesta hora de despedida, não poderá ser esquecida a sua dedicação á história local, à investigação e pesquisa que realizou, tendo editado os “Contributos para a História Local”, que constituíram uma referência para uma melhor conhecimento e divulgação da história de Alhos Vedros.
Mas, nesta mensagem de despedida o padre Carlos não deixou de fazer referência à sua prisão pela PIDE, em finais de 1973, tendo sido libertado em 26 de abril de 1974.
Passados quarenta e cinco anos, voltámos a ver a poli copiadora existente na igreja, onde eram passados em stencil, diversos comunicados, alguns dos quais com conteúdos contestatários ao regime repressivo da ditadura de Salazar e Caetano.
Apesar de já não ter utilização, esta máquina faz parte das nossas memórias e estará para sempre ligada a memórias de resistência das nossas gentes de Alhos Vedros e da margem sul.
Será uma peça a preservar e a permanecer numa futura “Casa das Memórias”, como um testemunho de um tempo vivido aqui em Alhos Vedros.
Ao padre Carlos Alves, deixamos um reconhecimento e agradecimento pela sua obra social, pelos afetos e amizades que foi “semeando”, ao longo destes últimos cinquenta anos.

Joaquim Raminhos

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

EG #116



ESTUDO GERAL
set/out      2019           Nº116

"Um dia despertamos e a vida resume-se a um imenso ponto de exclamação." (Paulo Borges)

Sumário

Exposição de pintura - vídeo

2.              (Des)EMPAREDADO – Luís Souta
Reversão urbanística

3.              Refugiados – Manuel (D’Angola) de Sousa
Poesia

Livros

5.              O Diário da Matilde – Luís F. de A. Gomes
Diarística

Prosa ilustrada
 
real-irreal-surreal (365)

---------------------------------Fim de Sumário----------------------------------

terça-feira, 1 de outubro de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

E aqui estamos, sob o Atlântico, cansados mas animados pela perspectiva das férias. 

Passaremos as próximas semanas no Rio de Janeiro de onde contamos sair para um fim-de-semana em Búzios e uma pequena viagem por Minas Gerais, a partir de Ouro Preto, por uma parte da rota das cidades históricas do ouro. 


O meu cunhado brasileiro, o Luís, segue ao meu lado, pois no último Domingo todos os filhos dos meus sogros estiveram no Porto para assistirem à cerimónia de confirmação do casamento que atingiu as bodas de ouro. 

Dia de família em que se reviveram os trilhos e que os mais novos abrilhantaram com uma pequena peça teatral conduzida pela neta mais velha, a Irene Sofia. 


Agora rumamos ao repouso e à aventura que bem merecemos. 

Estou tão cansado que nestes dias nem ocasião encontrei para escrevinhar estas páginas e só nesta madrugada terminei a limpeza geral do escritório. 

Quando regressarmos teremos novamente um lar limpo e se bem que ainda com móveis e tapetes fora do lugar, capaz de proporcionar um conforto razoável e uma vida minimamente normal. 



A Margarida e a Matilde vão no banco atrás de mim, a mais velha lendo e a mais nova entretida com puzzles oferecidos pela companhia aérea. 



Dentro de algumas horas aterraremos no Rio de Janeiro. 
O Quim, a Fátima e o pequeno Daniel passarão as férias connosco. 


Acho que vou conversar um pouco com o João Pestana. 


 Algures sobre as Canárias