Para o
Luís Paulo de Carvalho Lopes,
irmão estrangeiro em terra distante.
Não é por não falar
em felicidade
Que eu não goste
de felicidade
Não é que eu não goste
da felicidade
É que não falo
de felicidade
E é por falar
infelicidade
Que eu não gosto de falar
em felicidade.
Titãs
SUCURI
-Xente! Sucuri é bicho ruim. Não gosta de ver não. –Sorridente, mostrando as gengivas desdentadas que assim impossibilitavam o contraste entre o esmalte e a tez cafeinada dos caboclos. E depois de pousar a mão na cabeça, continuou com um gesto largo de orador. –‘Cê sabe?! Sucuri enfeitiça a xente, não dá p’rá vê não. Qando a xente tá sozinho, ela atrai à péssôa párá’água. –Expressão ganhando seriedade ao sabor do desenrolar da conversa. –Éééé! Sucuri atrai às péssôa… Cê fica enfeitiçado e vai, vai sem saber porrquê e entra ná água. E então ela se enrola e mata a xente. Sucuri não é bom de ver não.
Pantanal, 29 de Julho de 1995
2 comentários:
O que num falta é bicho manhoso, que feitiça a xente. Só num percisa trabaiar pra matar ele quando o animar está farto de cumilança.
Inveja mata mais que bicho ruim!
Podia ser um provérbio!
:)
Abraço,
António
Podia sim senhor; eminentemente humana, é essa uma doença que nos pode muito bem cair no pano da imagem que fazemos de nós. E diria que aquilo que o Professor Alberoni chama de picada da inveja, de uma maneira ou de outra, é algo a que ninguém está imune. Honestamente não sei quais possam ser os paleativos que nos ponham a salvo de uma tal enfermidade de carácter -se é que a expressão tem aqui alguma validade- e não estou seguro que a terapia se encontre no uso da razão e até mesmo na assimilação de certos valores que, de facto, podem contrariar aquela e fazer com que nos consigamos libertar dela. Pelo menos em tantos exemplos observáveis, tudo indica que não sendo compreendida e controlada, aquela, no limite, pode levar o invejoso à máxima maldade e não é por acaso que é do uso popular que a inveja cega. Creio que a imunidade ou se quiseres, a melhor vacina para esse mal, residirá no facto de sermos ou não capazes de vivermos em harmonia com aquilo que somos e aquilo que esperamos e pretendemos da vida. Por outras palavras, quando alguém consegue fazer aquilo que pensa ser o que para tanto se sente vocacionado e de alguma forma isso o preenche de tal maneira que ele viem paz com a sua própria pessoa, normalmente e de uma maneira geral, essa massa de gente ou não é ou quando alguma vez sentiu a tal mordedura de que fala o sociólogo italiano que citei, acaba por perder um tão pernicioso vírus.
Já sei que estás a pensar nos escritores, nos pintores, enfim, em tanto género de artistas ou cientistas famosos que aparentemente tendo tudo para não o serem, acabam por se revelar como o mais infantil dos invejosos. Mas eu diria que nesses casos nunca houve reflexão a respeito de uma tal índole e aquela que essas pessoas deixaram que se formasse neles foi, justamente aquela que está implícita a essa moinha que nos faz sofrer por outrém ter, fazer ou ser aquilo que não somos ou de que não somos capazes mas que por qualquer motivo gostaríamos que nos estivesse associado.
É o humano que na verdade é tantas e tantas vezes nada mais que um mero "bicho ruim", muito pior que a sucuri de que o cabouclo falou com a sua forma de pensamento mítico de representar e narrar a realidade que o envolve.
Costuma dizer-se que as conversas são como as cerejas mas aqui foi da cereja que saíu a conversa, na medida em que fomos do pior da maior pitão ao pior do maior predador que há na Terra.
Para te ser sincero nunca tinha visto isso a partir desta pequena história, mas a verdade é que uma tal alegoria não deixa de alguma maneira de ser possível e nesse sentido tenho que agradecer o contributo. Mas manda a honestidade intelectual que reconheça que não estava isso contido na intenção inicial deste texto que se limitava a ilustrar esse modo primeiro que os homens inventaram para usar o pensamento e isto pelos motivos que certamente perceberás com a continuidade das diferentes peças que se seguirão.
Contudo, folgo por encontrar nas tuas palavras, potencialidades insuspeitas para esta história curta.
E ficamos assim esperando o que se segue. Até lá, aquele abraço, companheiro
Luís
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