sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

FOGO

O gelo derrete e torna visível a pele porosa, para a respiração e combustão de dentro.
Dentro de cada um e em todos há um fogo perpétuo que ora se alteia em labaredas, ora amansa até ser só um suave calor no peito. Por vezes quase se extingue e a gente encolhe-se, protegendo a ténue chama no recôncavo da alma. A vida consome-se, consome-nos, nessa combustão perene.
Nascem sombras, desafios, desilusões, gargalhadas, dúvidas (e a gente pergunta), desilusões, lágrimas, luz, … sonhos. Sonhos que nascem, crescem e se desmoronam. Alguns concretizam-se e outros surgem, vão e vêm, e continua a procura em redor (o redor alarga-se, vai-se alargando) e sempre, alimento para o fogo que arde.
Nascem rugas no corpo e a alma caleja. E todos, todos, se juntam à volta do fogo.

É da roda do fogo que a todos se convoca.
Tribos de montanha, gente do mar, povos da planície. Solitários, “nómadas distantes”, raianos de fronteiras por descobrir, génios, enfermos. Poetas, músicos, cantores, artistas. Mestiços e todas as raças. Loucos, desiludidos, profetas. Mortos que se carregam, crianças por nascer e… (se faltar alguém, que se acrescente se faz favor.) Gente. Gente que sonha e sofre e ama. Gente que chora e ri e afaga e guerreia e protesta e fica acordada em madrugadas de insónia e dorme o sono dos justos no esgotamento do cansaço. Gente que desespera mas que se reergue procurando outros e novos caminhos. Gente que escala montanhas que se suja na lama mas rebola nas encostas do lado de lá onde se lava e continua. Gente que sente e pensa, não se conforma e acredita. Gente viva, gente de bem.

Convocam-se esperando que venham e cheguem. Sozinhos ou em grupo a qualquer hora e de todas as direcções. Tragam alimento para o fogo mas quem não tiver aqueça-se na mesma. Venham, venham todos compor hinos e cantar. Acabar com a fome cantemos. Acabar com a guerra cantemos. Viver em amor cantemos (se alguém precisar de se descalçar, descalce-se). Cantemos, cantemos todos em volta da enorme fogueira colectiva e plural. Cantemos a madrugada, a madrugada plena como erva molhada de orvalho acabadinha de florir ou como uma árvore que se inclina a sorrir.

O fogo crepita na noite e continua rumo à manhã de todas as noites do mundo.

m j

2 comentários:

Luís F. de A. Gomes disse...

Grande é o homem que não perde a capacidade de ver na esperança o amanhã.

Aquele abraço, companheiro
Luís

A.Tapadinhas disse...

O fogo que habita em cada um de nós tem de ser cuidado, como se de uma divina chama se tratasse. Com muito ar consome tudo em seu redor, sem ar apaga-se...

A tua prosa é como poesia: não se comenta, vive-se!

Abraço,
António