terça-feira, 10 de julho de 2012

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Qual é o sentido da vida? Haverá alguma razão para estarmos aqui? Teremos, por ter nascido, por estarmos vivos, alguma missão particular em que tenhamos que nos cumprir? De onde viemos, se é que não viemos do nada? E para onde vamos? Será que haverá uma qualquer forma de continuidade depois da morte? Ou será que esta é uma passagem extemporânea, um mero lapso de tempo em que nos é dado existir e que se eclipsará irremediável e irreversivelmente no momento em que este sopro se extinga?
Estas são questões que têm acompanhado a Filosofia desde sempre e para as quais não temos respostas ou, melhor dizendo, para as quais não existem respostas unânimes, ao mesmo tempo que nada indica que possa essa pretensa unanimidade vir algum dia a ser alcançada. Nem a ciência nos serve de muito a estes níveis. Se no domínio da compreensão da matéria os avanços têm sido significativos, estamos ainda muito longe de conseguir explicar os mistérios em que a vida se alicerça que, por isso, permanecem no âmbito da Filosofia que, para eles, reúne respostas tão variadas quanta é a diversidade das várias escolas de pensamento. E será que algum dia conseguirá o Homem resolver cientificamente tais mistérios? Daí não é o vazio que resulta, uma vez que são múltiplas as propostas e que entre elas acabamos por poder escolher aquela que mais nos preencha. Antes é uma sensação de angústia que, para alguns, se concretiza num verdadeiro temor perante o desconhecido o que não é o meu caso, devo dizer, muito embora me deixe na incerteza de saber que uma qualquer escolha que faça me possa acarretar o trilho de um caminho errado. Para o meu querido pai é precisamente isso que valoriza a vida, o facto de nunca sermos capazes de estarmos certos que tomamos as melhores decisões. Para ele que acima de tudo crê no poder da ciência e na genialidade do ser humano para, através dela, não só explicar os fenómenos que nos rodeiam, como melhorar a sua própria condição de vida, esse é o desafio que acaba por dar gozo ao acto de viver, o jogo que temos que jogar e acertar a todo o momento sem que do mesmo tenhamos instruções, no que dependemos apenas da nossa perspicácia e inteligência para o conseguir que simultaneamente é a mola propulsora de virtudes como a humildade ou a capacidade de esforço e sacrifício, sem as quais, para as pessoas simples, como nós que não temos como impor as respectivas vontades aos outros, dificilmente conseguiremos sobreviver em moldes razoáveis e decentes. Mas essa é a leitura que o paizinho faz destas coisas e que eu, desde a mais tenra idade, vim aprendendo com ele. Só que ainda sou muito nova e inexperiente e estou tão longe da sólida cultura que ele tem… Nem estes foram os problemas que mais me entusiasmaram no decorrer do curso. Como é natural, também eu me imaginei especializada a trabalhar na produção de pensamento e textos filosóficos que, como seria de esperar, haveriam de ter a sua relevância e impacto. Mais tarde vim a compreender o sorriso benevolente e carinhoso com que o paizinho procurava não me desapontar quando via o meu entusiasmo ao perguntar-lhe se poderia aspirar a vir a ter um lugar no professorado superior. Depois percebi que o gracejo sobre o que teria que vir a ser a primeira grande filósofa da academia, bem lá no fundo tinha menos a ver com os costumes deste mundo em que às mulheres pouco mais se aceita que o papel de mães e esposas, do que com a sua própria condição de proscrito por um regime de gente medíocre e vingativa que obviamente haveriam de estender o castigo do próprio aos propósitos dos seus descendentes. Mas eu via-me mais a trabalhar na área da gnosiologia que, até pela influência das conversas que ia mantendo com o paizinho, foi ainda desde os tempos do sétimo ano do liceu aquilo que sempre mais me interessou nos meus estudos e a única área em que estou certa de que seria capaz de vir a estabelecer alguma luz de inovação. Mais do que os destinos ou as origens do Homem, sempre me impressionou como é que somos capazes de prodígios tão grandes como compreender os movimentos dos planetas e a dinâmica das estrelas, ou como é que um animal tão simples e desamparado como o ser humano que nem mesmo é capaz de andar como o mais inepto dos carneirinhos acabados de nascer e que tudo tem que aprender sob pena de nada ser, como é que um ser desses conseguiu descobrir e dominar a electricidade ou inventar a verdadeira magia que são as emissões de telefonia. Será que os cientistas acedem às descobertas que fazem e às teorias que elaboram pelo respeito da aplicação de quaisqueres regras do método científico? Não o creio e vendo o caso de Isaac Newton, por exemplo, diria que tudo acontece mais por momentos de clarividência do que por qualquer atitude teórica pré-estabelecida. Mas é claro que sendo filha de quem sou, ainda mais mulher, jamais me seria dado o privilégio de me pagarem para elaborar conhecimento, não fosse a rapariga um dia ainda vir a contribuir com subsídios teóricos para a subversão. Logo eu, para quem aquelas grandes questões filosóficas jamais mereceram mais do que a preocupação de me preparar para um exame. Nunca fui o género de pessoa que se preocupa com a morte que não me assusta e ainda que tenha de um dia vir a deixar este mundo tão bonito, tão cheio de beleza e motivos da mais elevada felicidade, o que lamento profundamente, daquela não tenho qualquer medo. Mas já tenho dado por mim com pena de não ser como alguns crentes cheios de fé, para quem a morte mais não significa que a entrada para o paraíso e uma vida de eternidade, para quem tudo é simples e todas aquelas dúvidas que me angustiam têm o sentido da vida feita na comunhão com os princípios de um Deus Todo-Poderoso.
Eu disse no outro dia que gostaria de me debruçar sobre as ideias que ouvi à Viviana atribuir ao seu marido, o Gustavo. E vem tudo isto a propósito disso mesmo, pois foi esta a perplexidade com que então as escutei e desde aí têm bulido nas cogitações avulsas em que me vou evadindo da azáfama que nos tem submergido nestas últimas semanas. O que pode ter levado alguém como ele a querer dar corpo a uma alteração tão radical para a sua vida? Podem as ideias ter um poder tão devastador que nos levem a modificações tão substanciais? Podem, claro que podem e disso está o mundo cheio de exemplos e não só nos termos colectivos das transformações revolucionárias, mesmo a nível individual muitos foram aqueles que se modificaram e às suas vidas em função de ideais. A estranheza brota apenas pelo facto de pessoalmente nunca antes haver conhecido quem tal o tivesse ousado. Ao vir para aqui, do senhor Abel poderemos dizer com propriedade que muito simplesmente mudou de vida, mas, mesmo assim, ainda poderíamos interrogar-nos se ele teria efectivamente escolhido a vida que levava. Entre os restantes, tanto quanto me é dado perceber, pelo menos até este momento, o único que possuía um caminho certo, isto é, um meio de vida profissional e familiar com um rumo certo e um futuro previsível, esse era o Gustavo. Ao que parece, todos os outros se encontravam no limiar das escolhas, naquela posição em que, naturalmente para aqueles que o possam fazer, ainda temos que decidir o que pretendemos fazer na e da vida. Apesar da juventude, condição que aliás é comum aos outros, com a excepção do senhor Abel e da mulher, afinal ele era um engenheiro com provas dadas de competência e capacidade empreendedora, com uma sólida posição na empresa do pai que, graças às obras públicas, se transformou numa das maiores se não a maior construtora do país. Nessa meia dúzia de anos enriqueceu e a perspectiva, nesse patamar, seria a de continuar a acumular fortuna e poder. Casado com uma mulher maravilhosa que tem tanto de bonita como de inteligente e ainda com a vida própria de uma profissão tão nobre como é o exercício da medicina, dir-se-ia que ele tinha todas as condições para, como é costume dizer-se, ter tudo o que quisesse na vida. Ora o que pode ter levado um homem assim a sentir-se aborrecido com o seu dia a dia e consigo próprio a ponto de se desiludir e, pelas palavras da Viviana, a sentir-se vazio pela percepção de que mais nada estava a fazer que a limitar-se a cumprir aquilo que todos os que o rodeavam esperavam dele? É isso que me intriga e ao mesmo tempo me fascina. A Viviana não se perdeu em detalhes nem nos porquês, contou apenas que um dia ele chegou a casa descontente, sem que soubesse explicar porquê, no entanto sentindo tratar-se de um estado inerente à vida que levava. E foi por aí que a dúvida o começou a assaltar, a dúvida quanto à vida ter que se limitar a ser apenas aquilo que fazia, no fundo, resumir-se apenas a trabalhar para enriquecer. É como escrevi, daí deriva a minha perplexidade pois foi esta a primeira vez que me defrontei com alguém assim e o que me desconcerta é que não sou capaz de encontrar respostas que me possibilitem compreender tal atitude. Talvez um dia venha a sabê-lo pela boca do próprio.

4 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Será que no bosão de Higgs estão as respostas às tuas perguntas?

Não faças apostas porque Stephen Hawking já perdeu $100 com descoberta do bosão...

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

O bosão de Higgs estava muito longe de poder ser predito em 1941 que é o ano de que data o início desta crónica e nomeadamente este texto que é dos primórdios da história. Aliás, nessa época e esta página andará pela Primavera desse ano horribilis, o próprio Higgs andaria próximo de completar os doze anos de idade e provavelmente ainda a caminhar para o pleno dessa imaginação criativa fulgurante. Mesmo toda a Física que se veio a fazer desde então e particularmente a partir da década de sessenta em que aquele físico teórico arriscou apresentar ao mundo aquela previsão, de pouco continua a servir para uma qualquer luz sobre aquelas dúvidas que à narradora foram suscitadas pela escolha do outro e o mais certo é que sempre permaneçam no âmbito no âmbito da Filosofia e até da Literatura – da(s) Religião(ões), naturalmente, mas esse é um domínio que a este nível interessará mais aos respectivos fiéis e a verdade é que dele não necessitamos obrigatoriamente para reflectirmos sobre aqueles problemas – nas quais o(s) Homem(ns) eternamente recolocarão as mesmas questões que, afinal, são aquelas que dizem respeito ao que nos pode distinguir enquanto espécie e por isso universais enquanto permanecermos o Sapiens Sapiens que somos. Apostar no bosão, neste caso, para além de toda a trama demiúrgica que envolveria, seria como procurar sobre o canto iluminado aquilo que se perdera no rincão escurecido; seria, portanto, uma má aposta. Nem o Hawking a faria.

Aquele abraço, companheiro
Luís

A.Tapadinhas disse...

E pur si muove!

No entanto, ele apostou...

e acho que já perdeu. E já o reconheceu ao dizer que Higgs merece o Nobel!

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

O Hawking é um físico teórico brilhante, ainda que não tenha ganho esse galardão máximo que é o Nobel, desenvolveu trabalho pioneiro e fundamental sobre os buracos negros e ganhou o reconhecimento dos pares como uma das mentes mais brilhantes entre a comunidade científica mundial e isso é o ponto mais alto a que um trabalhador da Ciência pode chegar, logo não tem como ser invejoso e muito menos mesquinho e portanto não é de estranhar que tenha reconhecido o erro e de imediato parabenizado o Autor da teoria de que ele desconfiara.
Mas o que ele neste caso punha em causa era que existisse essa partícula nuclear mínima que - segundo Higgins - justificaria a existência da matéria tal como a conhecemos, objecção essa a que não deve ter sido estranha a defesa que fez do fim da Física - em livro homónimo - isto é, a possibilidade de essa ciência chegar à explicação total do Universo, posição esta que ainda seria mais arriscada que aquela que ele criticara.
Mas ainda que se possa fazer derivar das suas ideias a ausência de sentido da matéria, o mesmo é dizer do Universo e, por consequência, da Vida, não foi a pensar nessas questões que ele se opôs à hipótese de Higgins e muito menos dessa oposição retirou qualquer ilacção para essas questões filosóficas.
Para o nosso livre arbítrio, o bosão só poderá ser chamado na medidda em que - a ver verdadeira a teoria de Higgins - sem ele, afinal, não estaríamos aqui a conversar.
Ora como é natural, o Hawking sabe saltar o acessório.

Aquele abraço companheiro
Luís