sexta-feira, 16 de maio de 2014

Um importante contributo para a história de Setúbal



Manuel Henrique Figueira
Munícipe em Palmela
(manuelhenrique@netvisao.pt)
Todo o local é nacional (faz parte de um dado nacional) e todo o nacional é local (faz parte de um todo mais abrangente, mais global).

Saiu mais um importante contributo para a história de Setúbal, o livro de Albérico Afonso Setúbal sob a Ditadura Militar (1926-1933), que é parte de um projecto mais vasto que visa colmatar a lacuna ainda existente quanto a instrumentos de trabalho de história local.

Inventaria factos do passado «que ficaram e se tornaram noutra coisa», factos que foram a «vida que foi (…) sendo até se tornar a vida que veio depois», como nos diz o autor, decorridos no período de sete anos de duração do regime da Ditadura Militar saído do 28 de Maio de 1926.

O 1.º volume deste projecto – História e Cronologia de Setúbal (1248-1926) −, publicado em 2011, abrange essencialmente o período desde 1249 (data do 1.º foral de Setúbal, antes da qual a história da cidade ainda não se encontra estabelecida) e 1926. Com 336 páginas (incluindo a «Iconografia Setubalense»), está dividido em três partes: «Setúbal Medieval e Moderna», de 15/8/1248 (abertura da igreja de St.ª Maria da Graça) a 15/12/1819 (nascimento de António Maria Eusébio, o poeta popular Calafate ou Cantador de Setúbal); «Setúbal Liberal», de 24/8/1820 (criação de uma «Sociedade Patriótica» angariadora de apoios para o regime liberal) a 10/1910 (greve dos carroceiros locais); «Setúbal Republicana», de 5/10/1910 (incêndio na Câmara e ataque anticlerical à igreja do Coração de Jesus e ao Convento de Brancanes) a 28/5/1926 (notícias do golpe militar e dos salários em atraso dos trabalhadores da Câmara).

Uma introdução-resenha dos factos mais importantes antecede as três partes, estruturando a identidade do período. Termina com uma lista bibliográfica, um índice analítico (sempre útil) e 47 páginas da «Iconografia Setubalense» com reproduções fotográficas de documentos raros.

O 2.º volume, alvo desta análise, inicialmente previsto para abranger a Ditadura Militar e o Estado Novo, acabou por se esgotar na primeira, tal o manancial de informação coligida. De estrutura semelhante à do 1.º volume, a introdução-resenha é mais desenvolvida (77 páginas) e, no final, uma novidade, a biografia do anarquista Jaime Rebelo. Inicia-se com a notícia da organização de um destacamento de forças de Infantaria 11 e de Vendas Novas para interceptarem os revoltosos de Infantaria 33, de Lagos, e termina com o apelo, a 17 de Março, à votação no plebiscito à Constituição de 1933.

Espera-se, portanto, o 3.º volume, sobre os 41 anos da Ditadura Civil de Salazar e Caetano: período conhecido como Estado Novo.

Com este projecto Albérico Afonso continua Almeida Carvalho, Manuel Maria Portela e Peres Claro, mas com um nível de exaustividade, rigor e riqueza de pesquisa das fontes (e informação disponibilizada) sem paralelo com estes autores.

Conhecendo-se a obra publicada por Albérico Afonso no âmbito académico, Salazar e a Escola Técnica (Tese de Mestrado) e A FPA: A Fábrica Leccionada – Aventuras dos tecnocatólicos no Ministério das Corporações (Tese de Doutoramento), ou no âmbito da história local aquando das comemorações do centenário da República, Setúbal: Roteiros Republicanos, entre outros títulos, a qualidade da obra que analiso não nos surpreende.

Sobre a imprescindibilidade deste tipo de instrumentos de consulta, no caso uma cronologia de factos históricos, tomo de empréstimo as palavras de António Nóvoa (adaptadas) aquando da publicação de Imprensa de Educação e Ensino – Repertório Analítico (séculos XIX-XX): «As dificuldades de consulta das publicações periódicas e a percepção da sua importância como fonte para a História (…) [local] tornaram bem nítida a necessidade de organizar instrumentos de identificação e de descrição das revistas e jornais portugueses (…)». Embora Albérico Afonso vá muito além da imprensa local como fonte essencial para o seu trabalho, as entradas da mesma que nos apresenta são fundamentais em si e, ao mesmo tempo, abrem-nos caminhos para outras consultas.

       Sobre o reconhecimento científico da História local, e da sua importância, Clifford Geertz e Michel Foulcaut abriram espaço à modalidade de História escrita a partir de realidades particulares.

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