sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A nova face da exaltação da morte


Renan Springer de Freitas
Professor de Sociologia na Universidade Federal de Minas Gerais - Brasil

Em 13 de setembro de 1997 um jovem de 18 anos foi abatido ao invadir, portando um rifle, uma área militar de acesso restrito na fronteira entre Israel e o Líbano, sob controle de Israel. Nessa mesma data seu pai, Hassan Nasrallah, o líder do grupo xiita Hezbollah, se dirigiu a uma plateia de centenas (ou talvez milhares) de pessoas (conforme se vê no vídeo cujo link de acesso é http://www.youtube.com/watch?v=HalvZUHlenU) para dizer, sem verter uma única lágrima, que se sentia “orgulhoso” por Alá tê-lo incluído entre aqueles que têm um mártir na família. Antes ele se sentia envergonhado perante os pais de outros mártires, mas, agora, graças à “generosidade de Alá”, ele também era o pai de um mártir. Disse ainda que seu filho adentrou a área militar “voluntariamente e sabendo bem o que estava fazendo”. Ele agiu como um “verdadeiro mujahideen” (combatente islâmico). Sua morte não significava, por isso, uma vitória do inimigo, mas “uma vitória e uma honra” para o Hezbollah. O exemplo de seu filho, ele conclui, deverá ser ensinado às gerações futuras.

A ideia de que um “verdadeiro” combatente é aquele que não sobrevive é sem precedentes, e parece ser característica de um “mujahideen”. Assim, quando a guerra da Bósnia terminou todos os combatentes estrangeiros tiveram que deixar o país, recebendo ordens para fazê-lo em 1996. Em vez de celebrarem o fim da guerra e a oportunidade de voltarem em segurança para casa, como o faz qualquer combatente, de qualquer época, os “mujahideen” lamentaram e choraram. Eles esperavam morrer como mártir e, naquele momento, essa chance lhes foi tirada, conforme consta no sítio http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150704_bosnia_jihadismo_mu_cc.

A chave para entender uma novidade dessa natureza não me parece estar no islamismo, mas em uma tradição peculiarmente alemã de desdém pelo senso comum e pelos objetivos da vida humana tal como vistos pelo senso comum. Conforme ensinou Leo Strauss, em uma Conferência proferida em 1942 sob o título “German Nihilism”, essa tradição, sedimentada ao longo do séc. XIX, elevava as virtudes militares a um patamar superior de dignidade. No período entre guerras ela ganhou muitas porta vozes, dentre os quais se destaca Ernst Jünger, um combatente alemão na I Guerra que sobreviveu a nada menos que catorze ferimentos, cinco dos quais resultantes de tiros de fuzil. Para ele, um homem que jamais enfrentou o perigo da morte em um combate está em falta com sua própria condição de homem. A exaltação da morte tal como se dá entre os mujahideen me parece, sobretudo, uma radicalização dessa concepção desenvolvida na Alemanha entre guerras. Eu diria, sem ter espaço aqui para desenvolver, que é uma versão xiita, ou talvez islâmica, do niilismo alemão.

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