Renan Springer
de Freitas
Professor de
Sociologia na Universidade Federal de Minas Gerais - Brasil
Em 13 de
setembro de 1997 um jovem de 18 anos foi abatido ao invadir, portando um rifle,
uma área militar de acesso restrito na fronteira entre Israel e o Líbano, sob
controle de Israel. Nessa mesma data seu pai, Hassan Nasrallah, o líder do
grupo xiita Hezbollah, se dirigiu a uma plateia de centenas (ou talvez
milhares) de pessoas (conforme se vê no vídeo cujo link de acesso é http://www.youtube.com/watch?v=HalvZUHlenU) para dizer, sem verter uma única lágrima, que se
sentia “orgulhoso” por Alá tê-lo incluído entre aqueles que têm um mártir na
família. Antes ele se sentia envergonhado perante os pais de outros mártires,
mas, agora, graças à “generosidade de Alá”, ele também era o pai de um mártir.
Disse ainda que seu filho adentrou a área militar “voluntariamente e sabendo
bem o que estava fazendo”. Ele agiu como um “verdadeiro mujahideen”
(combatente islâmico). Sua morte não significava, por isso, uma vitória do
inimigo, mas “uma vitória e uma honra” para o Hezbollah. O exemplo de seu
filho, ele conclui, deverá ser ensinado às gerações futuras.
A ideia de que um “verdadeiro” combatente é aquele
que não sobrevive é sem precedentes, e parece ser característica de um
“mujahideen”. Assim, quando a guerra da Bósnia terminou todos os
combatentes estrangeiros tiveram que deixar o país, recebendo ordens para
fazê-lo em 1996. Em vez de celebrarem o fim da guerra e a oportunidade de
voltarem em segurança para casa, como o faz qualquer combatente, de qualquer
época, os “mujahideen” lamentaram e choraram. Eles esperavam morrer
como mártir e, naquele momento, essa chance lhes foi tirada, conforme consta no
sítio http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150704_bosnia_jihadismo_mu_cc.
A
chave para entender uma novidade dessa natureza não me parece estar no
islamismo, mas em uma tradição peculiarmente alemã de desdém pelo senso comum e
pelos objetivos da vida humana tal como vistos pelo senso comum. Conforme
ensinou Leo Strauss, em uma Conferência proferida em 1942 sob o título “German
Nihilism”, essa tradição, sedimentada ao longo do séc. XIX, elevava as virtudes
militares a um patamar superior de dignidade. No período entre guerras ela
ganhou muitas porta vozes, dentre os quais se destaca Ernst Jünger, um
combatente alemão na I Guerra que sobreviveu a nada menos que catorze
ferimentos, cinco dos quais resultantes de tiros de fuzil. Para ele, um homem
que jamais enfrentou o perigo da morte em um combate está em falta com sua
própria condição de homem. A exaltação da morte tal como se dá entre os
mujahideen me parece, sobretudo, uma radicalização dessa concepção desenvolvida
na Alemanha entre guerras. Eu diria, sem ter espaço aqui para desenvolver, que
é uma versão xiita, ou talvez islâmica, do niilismo alemão.
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