Abdul Cadre
Dizia o outro, certamente
carregadinho de razão, que todo o mundo é composto de mudança,[1]
mas eu não sei se ele também tinha em conta as mudanças que nada mudam e os
feitios empedernidos daqueles indefectíveis das aparências, que dizem amiúde «a
mim ninguém muda» ou, na versão mais popular, «a mim ninguém me vira». Face a
isto, bem andava um outro que não se cansava de dizer que só os burros é que
não mudam.
A capacidade de mudar, não só
de opinião, mas sobretudo de comportamento e de vida, insere-se no mais comum
dos processos de renovação do pensar e do agir, das estações, do tempo, da
natureza. Tem sobremaneira a ver com aquilo que é mais evidente no
comportamento daqueles que vivem de propósito: o entusiasmo, que não devemos
confundir com o seu aspecto patológico, que é a paixão, que se alimenta da
angústia, ao passo que o grande combustível do entusiasmo é a alegria.
Mudar depende da experiência
e «a experiência, que é madre das cousas, nos desengana e de toda a dúvida
nos tira»[2]. E experiência não é aquilo que se repete até nos
tornarmos hábeis, é o que se acumula em discernimento e em ponderação à medida
que nos desenganamos. Ser ligeiro, volúvel, mudar por mudar, não é mudar, é
mundanar.
De opinião se mude quando de
razão e experiência se use. «Quem nunca altera a sua opinião é como a
água parada e começa a criar répteis no espírito».[3]
«Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de
sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de
certeza várias vezes no mesmo dia»[4].
Experiência, entusiasmo e
alegria são valores comportamentais de muito difícil uso nos tempos que correm,
tão dados à infantilidade das pequenas satisfações efémeras, aos «gadgets»
proporcionados pelas novas tecnologias, que são precisamente para nos
infantilizar que servem; infantis sem a candura das crianças, sem capacidade
para nos maravilharmos. Se aqui houver entusiasmo, não será o de quem aprende a
jogar ao berlinde, mas tão-só o de quem quer colher a vantagem de ter um
abafador.
Talvez surja o riso – pode
bem ser! – mas como um sucedâneo da alegria, apenas para uso externo.
A mudança corrente é a da
margarina com sabor a manteiga e dos pozinhos de perlimpimpim em água salobra
como sumo de qualquer coisa que o rótulo diz, mentindo. Esta é a mudança
corrente, a mudança dos que não mudam, dos que consomem ordeiramente o que se
lhes manda que consumam.
E vem o da cantiga e diz:
«Para melhor está bem, está bem, para pior já basta assim» e logo os burros
espetam as suas enormes orelhas, mas não escutam; se ouvem, não entendem…
[2] Esmeraldo de Situ Orbis (cerca de 1507), obra do cosmógrafo Duarte Pacheco Pereira, dedicada a D. Manuel I. A palavra Esmeraldo é um anagrama em latim partir do nome de Manuel (Emanuel) e Duarte (Eduardus). «De Situ Orbis» significa «dos sítios da Terra.
[3] William Blake.
[4] Fernando Pessoa.
Sem comentários:
Enviar um comentário