sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

PEQUENO APONTAMENTO SOBRE FILOSOFIA COM CRIANÇAS


Se me perguntassem diretamente o que é a Filosofia para Crianças responderia: “é o método de aprender a pensar”, o que parece um contrassenso, uma vez que todos nós pensamos e o ato de pensar é uma competência natural em todo o ser humano. Descartes na famosa obra Discurso do método afirmou a este propósito que “o bom senso é o bem mais bem distribuído”, uma vez que todo o ser humano é um animal racional. No entanto, pensar bem e argumentar em conformidade é algo que se pode treinar, desde a infância.

A Filosofia para/com Crianças surge com o filósofo e pedagogo norte- americano, Matthew Lipman que, nos finais da década de 60, enquanto professor da universidade, chegou à conclusão que os seus alunos não sabiam pensar, pela forma incoerente e, por isso mesmo, ineficaz, que acompanhava as reivindicações estudantis que floresciam naquela época (FIGUEIROA REGO, M.J.). Surgiu então uma metodologia designada por Filosofia com Crianças. O próprio autor criou Manuais e escreveu histórias que serviram e servem de base para a reflexão. A Pimpa, por exemplo é um conjunto de pequenas histórias que refletem a vivência de crianças, o seu dia-a-dia e as escolhas que têm de fazer e que as convidam a refletir.

A filosofia com crianças não é mais do que uma metodologia do pensar, melhor dizendo, do pensamento crítico e interventivo. Sendo assim, iniciou-se desde essa data e até hoje a divulgação e a prática desta metodologia, com objetivos específicos, a saber:
- Desenvolver competências argumentativas (logos no sentido grego do termo, como pensamento e palavra);
- Estimular o pensamento crítico e interventivo;
- Fomentar a criatividade;
- Respeito pelas opiniões do outo (escuta ativa).

Perante um texto, forma mais ortodoxa, ou a partir de uma simples imagem, os jovens são convidados a realizar uma “leitura partilhada”, seguida de uma Agenda conjunta, na qual se levantam temas / problema, que culmina num debate reflexivo. Cada um por sua vez, sem interromper o outro (escuta ativa e respeito pela opinião do outro), vai-se construindo um caminho comum. Desta forma os mais pequenos que nunca tiveram contacto com os autores da filosofia discutem sobre assuntos tais como a amizade, certo/errado, agir bem /agir mal, entre outros. Desta forma e se sem dar conta entram no mundo da reflexão, por outras palavras, treinam o pensamento que lhes foi dado naturalmente, mas que carece de treino. Tal como o corpo precisa de exercício, também a mente precisa de se exercitar. Sem se dar conta entram nas reflexões mais profundas tratadas nos clássicos, tais como a beleza do Banquete, a moral kantiana e os temas da liberdade, sempre, claro, tendo em conta o seu nível etário.

O professor ou facilitador, à maneira socrática, conduz os pequenos interlocutores para o diálogo, para a partilha e para a reflexão em ambiente confortável, democrático e propício à descoberta. Daí que a designação correta será “Filosofia com Crianças”, porque são elas que constroem a aula, com a supervisão do professor. A aula é devolvida ao jovem e é ele (em grupo) percorre os caminhos da descoberta filosófica. O adulto apenas pergunta e com as perguntas/questões leva os jovens para os trilhos da reflexão sobre problemas, muitas vezes do quotidiano, outras vezes sobre temas mais profundos, desde a ética até à metafísica. Tanto se discute sobre a legitimidade de roubar, como da existência de Deus e da alma. E tudo isto é possível com crianças pequenas em início da escolaridade.

A minha experiência nesta área diz-me que é a hora de começar efetivamente nas escolas e que a formação de professores poderia considerar esta opção nos estágios profissionais.
 Para quem defende, como Piaget defendia, que a filosofia é coisa do pensamento formal, ficaria deveras maravilhado com a capacidade de abstração, crítica e de intervenção das crianças de pouca idade.

Já existem muitas experiências em Portugal, no Brasil e em outros países da Europa e com excelentes resultados. Algumas escolas implementaram no primeiro ciclo esta metodologia, que pode ser alargada até ao 9º Ano. Consta que chegados ao ensino secundário estes alunos estão “lançados na arte de pensar” e mais aptos e motivados para aprender. Par além do simples treino do pensar, desenvolvem-se competências no domínio da ética, do civismo e da argumentação crítica.

Luís Mourinha


Sem comentários: