Se me
perguntassem diretamente o que é a Filosofia para Crianças responderia: “é o método de aprender a pensar”, o que
parece um contrassenso, uma vez que todos nós pensamos e o ato de pensar é uma
competência natural em todo o ser humano. Descartes na famosa obra Discurso do
método afirmou a este propósito que “o
bom senso é o bem mais bem distribuído”, uma vez que todo o ser humano é um
animal racional. No entanto, pensar bem e argumentar em conformidade é algo que
se pode treinar, desde a infância.
A Filosofia para/com
Crianças surge com o filósofo e pedagogo
norte- americano, Matthew Lipman que, nos finais da década de 60, enquanto
professor da universidade, chegou à conclusão que os seus alunos não sabiam
pensar, pela forma incoerente e, por isso mesmo, ineficaz, que acompanhava as
reivindicações estudantis que floresciam naquela época (FIGUEIROA REGO, M.J.).
Surgiu então uma metodologia designada por Filosofia com Crianças. O próprio autor
criou Manuais e escreveu histórias que serviram e servem de base para a
reflexão. A Pimpa, por exemplo é um
conjunto de pequenas histórias que refletem a vivência de crianças, o seu
dia-a-dia e as escolhas que têm de fazer e que as convidam a refletir.
A filosofia com crianças não é mais do que uma metodologia do pensar,
melhor dizendo, do pensamento crítico e interventivo. Sendo assim, iniciou-se desde
essa data e até hoje a divulgação e a prática desta metodologia, com objetivos
específicos, a saber:
- Desenvolver competências argumentativas (logos no sentido grego do termo,
como pensamento e palavra);
- Estimular o pensamento crítico e interventivo;
- Fomentar a criatividade;
- Respeito pelas opiniões do outo (escuta ativa).
Perante um texto, forma mais ortodoxa, ou a partir de uma simples imagem,
os jovens são convidados a realizar uma “leitura
partilhada”, seguida de uma Agenda
conjunta, na qual se levantam temas / problema, que culmina num debate
reflexivo. Cada um por sua vez, sem interromper o outro (escuta ativa e
respeito pela opinião do outro), vai-se construindo um caminho comum. Desta
forma os mais pequenos que nunca tiveram contacto com os autores da filosofia
discutem sobre assuntos tais como a amizade, certo/errado, agir bem /agir mal,
entre outros. Desta forma e se sem dar conta entram no mundo da reflexão, por
outras palavras, treinam o pensamento que lhes foi dado naturalmente, mas que
carece de treino. Tal como o corpo precisa de exercício, também a mente precisa
de se exercitar. Sem se dar conta entram nas reflexões mais profundas tratadas
nos clássicos, tais como a beleza do Banquete, a moral kantiana e os temas da
liberdade, sempre, claro, tendo em conta o seu nível etário.
O professor ou facilitador, à maneira socrática, conduz os pequenos
interlocutores para o diálogo, para a partilha e para a reflexão em ambiente
confortável, democrático e propício à descoberta. Daí que a designação correta
será “Filosofia com Crianças”, porque são elas que constroem a aula, com a
supervisão do professor. A aula é devolvida ao jovem e é ele (em grupo)
percorre os caminhos da descoberta filosófica. O adulto apenas pergunta e com
as perguntas/questões leva os jovens para os trilhos da reflexão sobre
problemas, muitas vezes do quotidiano, outras vezes sobre temas mais profundos,
desde a ética até à metafísica. Tanto se discute sobre a legitimidade de
roubar, como da existência de Deus e da alma. E tudo isto é possível com
crianças pequenas em início da escolaridade.
A minha experiência nesta área diz-me que é a hora de começar efetivamente
nas escolas e que a formação de professores poderia considerar esta opção nos
estágios profissionais.
Para quem defende, como Piaget
defendia, que a filosofia é coisa do pensamento formal, ficaria deveras
maravilhado com a capacidade de abstração, crítica e de intervenção das
crianças de pouca idade.
Já existem muitas experiências em Portugal, no Brasil e em outros países da
Europa e com excelentes resultados. Algumas escolas implementaram no primeiro
ciclo esta metodologia, que pode ser alargada até ao 9º Ano. Consta que
chegados ao ensino secundário estes alunos estão “lançados na arte de pensar” e
mais aptos e motivados para aprender. Par além do simples treino do pensar,
desenvolvem-se competências no domínio da ética, do civismo e da argumentação
crítica.
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