terça-feira, 8 de março de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

A paternidade começa pelo originar um outro mundo. 
Dada a nossa natureza, significa isso a consciência de prover as condições para que essa outra vida vingue e se faça mundo, o tal outro mundo que é um filho. 
É claro que falamos de responsabilidades e elas são muitas, desde logo, na concomitância do abrigo e do alimento, o acompanhamento. É preciso estar, para ver e ouvir e acarinhar, fazer sentir querido. São obrigações que nada pode suspender. 
A paternidade implica pois que permitamos que um outro mundo se afirme por si e se faça uma pessoa responsável. 

Mas é tão caloroso vermos esse aprender a ser gente… E na verdade tão polvilhado de doçuras. 


“-Ó pai, vem jogar comigo ao stop.” –Pediu o piolhinho que já tem a autonomia de sair sozinha para fazer trabalhos escolares na Vila. 

E lá foi meia hora de risos e concentração, com o pardalito espiando e dando sugestões de respostas à irmã. 
“-Olha a batoteira. Ela não pode fazer aquilo. Não vês? A Margarida está a fazer perguntas à mãe.”


“-E agora vamos lavar os dentinhos.” –Disse o pai quando o jogo acabou. 

E neste momento os anjinhos dormem felizes e tranquilos. 



“-Hoje aprendemos a palavra menino.” –Disse a Matilde enquanto lhe beijava os cabelinhos e ao mesmo tempo que abria a porta do carro. Já sentada concluiu: “-Mas foi fácil.” 

Mal chegou a casa muniu-se de papel e lápis e escreveu a nova palavra dada. 
“-Estás a ver?” –Com o seu rosto de satisfação. 
E em seguida escreveu a palavra menina. 
“-Estás a ver a diferença?” –Perguntou-me, apontando a letra a. 

“-Ena pá! Este pardalito já escreve muito bem.” –Foi o que eu disse com o abraço que lhe dei. 



Infelizmente, o país anda em sentido contrário. 

No mínimo é estranho que se proponha a passagem da tutela das áreas protegidas do ministério do ambiente para o da agricultura. 
Cá para mim é mais uma manifestação da incapacidade deste poder político perante os grupos de interesses poderosos. E a verdade é que o país está verdadeiramente a saque e parece não haver quem lhe valha. 


Reparemos que se começa a fazer passar a ideia de que devem estabelecer-se imunidades face às escutas telefónicas. 
O Partido Socialista que, no seu último consulado, aprovou a legislação que actualmente regula aquelas práticas de investigação, mostra agora vontade de se meter a salvo dos seus efeitos. 
Eles nunca contaram que o engenheiro os abandonasse. 


Mas voltando ao ambiente, não faz muito sentido que áreas sem outra apetência que a de permanecerem deixadas aos ritmos naturais da manutenção da bio-diversidade passem a ser geridas pela eventual complementaridade ao território agrícola. 

Só que a recentemente criada secretaria de estado das florestas está no organograma do ministério da agricultura. Sobre aquela recairia a responsabilidade de gerir essas áreas protegidas. 
Mau, o secretário de estado veio da Portucel e depois dos grandes fogos deste Verão, até há muitas centenas de hectares dentro de Parques Naturais que precisam de ser recuperados daquilo que resultou do repasto das chamas. 

Se estamos todos a pensar no mesmo é de esperar o pior. 
Ele até se chegou a falar em novas espécie de crescimento rápido e de elevado aproveitamento industrial e económico. 


Quando batermos no fundo não se ouvirá estrondo algum. 



O julgamento de Carlos Silvino foi mais uma vez remetido para o dentro de momentos. Hoje tratou-se do pedido de recusa do Juiz por parte da defesa do arguido. 

Temo pelas vítimas, pela sua saúde mental e até pela integridade física. 

Algo me diz que este processo não poderá chegar ao fim. 


E eu não tenho dúvida que uma ditadura mafiosa conseguiria impor o silêncio aos braços do povo que na boca já lá está a mordaça. 



Sophia de Mello Breyner Andersen ganhou o prémio literário Rainha Sofia. 
Foi a primeira vez que um lusitano foi laureado com tão grande distinção. 

Vá lá, sempre há uma rosa banhada de luz no meio do cinzento mais triste. 


 Alhos Vedros 
  28/10/2003

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